Ele era o
meu irmão mais novo.
Mas, desde sempre, carregava a calma de quem já viu o mundo de todos os
ângulos. Com aquela serenidade rara — quase silenciosa — que não precisava de se
exibir para ser notada.
Tinha 75 anos.
Um engenheiro do tempo e da lógica, mas também da alma.
Nascido em Moçambique, onde o sol parece ter moldado os seus ossos, voltava
sempre que podia. Era como se aquele lugar o chamasse em silêncio — e ele
atendesse, com a leveza de quem sabe onde está enraizado.
Corria-lhe
um distante sangue macaense nas veias. Um sangue que carrega mares, atravessa
mapas, fala baixo e fundo. E era assim que ele vivia: sem pressa, sem
estardalhaço, sem a ansiedade que o mundo moderno exige.
Observava mais do que falava. E quando falava, todos escutavam. Como se as suas
palavras saíssem de um poço antigo, daqueles que a gente respeita antes mesmo
de saber o porquê.
Vi nele,
desde sempre, o filho mais velho, do mais velho que eu tive.
Como se ele tivesse vindo antes, mesmo vindo depois.
Como se o tempo fosse dele, e não o contrário.
A morte —
essa palavra dura — veio sem aviso. Súbita. Inaceitável.
Como se alguém apagasse a luz de um quarto onde a gente ainda estava a conversar.
E agora, restam as sombras. E o eco de tudo o que não se disse porque parecia
haver tempo.
Mas o que é
a ausência, senão a lembrança vestida de silêncio? De algum modo ele ainda está
aqui. No jeito como olho os retratos com mais cuidado. No modo como escuto,
antes de falar. Na vontade de voltar a Moçambique, só para entender por que ele
voltava tanto.
Não sei como se diz adeus a alguém que parecia sempre saber o
caminho de volta.
Então não digo.
Apenas sigo — mais lenta, mais atenta e, sobretudo mais grata.
Como ele fazia.
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