Numa cimeira que reuniu 190 prelados, a Igreja Católica esforçou-se por pôr em marcha uma "revolução" destinada a colocar as vítimas de pedofilia no centro das preocupações. No discurso de encerramento, mais uma vez muitíssimo virulento, o Papa Francisco apelou a "uma verdadeira purificação", apontando o dedo à pornografia na Igreja e na sociedade. Era já tempo, porque os abusadores falharam duplamente. Não só porque abusaram da sua autoridade de adultos como, e mais grave, abusaram da paternidade espiritual que lhes confere o sacerdócio.
Não creio que haja alguém que professe a fé católica, que se não sinta profundamente triste e revoltado com os escândalos de pedofilia dentro da Igreja.
Embora Francisco não seja o Papa de quem mais gostei até hoje - de facto, os meus eleitos são João XXIII e Bento XVI, por mais diferentes que sejam entre si - não posso deixar de lhe reconhecer uma coragem imensa por ter tomado nas suas mãos este dossier.
É evidente que o problema terá sempre de ser visto - pelo menos - por três ópticas diferentes, que são as vítimas, os abusadores e o crime público do sacerdote/cidadão.
Ouvidas as palavras de encerramento do Sumo Pontífice, acreditamos que uma parte das vítimas ficou desiludida, outra parte acreditará que daqui para o futuro nada será como dantes e os restantes cidadãos ficaram surpreendidos ao perceberem que os abusadores poderão vir a ser tratados como cidadãos comuns.
Pese embora eu tente fazer do catolicismo a minha prática de vida, compreendo que haja quem tenha ficado gorado nas suas expectativas. É que a Igreja tem um tempo próprio, que leva, algumas vezes, ao afastamento daqueles que tendo um dia acreditado, se cansaram da espera na tomada de decisões.
Mas também é nesse seu tempo que reside, por estranho que pareça, uma parte da força da Igreja. Ou seja, não será pela precipitação que ela erra. Será, antes, por demorar tempo demais a tomar a devida atenção à evolução dos usos e dos costumes.
Tenho, como muitos católicos, algumas divergências com a Igreja. Nem por isso a abandono. Como tive com os meus pais e os meus filhos. Que também não abandonei. Essas divergências são naturais. É mesmo saudável que existam. Não podem é ser escondidas.
Transposta a situação para a pedofilia - que acredito tem raízes doentias e que convém não confundir com homossexualidade -, julgo que, tratando-se de um crime público, ela não irá, de facto, ficar restringida à Justiça eclesiástica e aos seus Tribunais.
Os prevaricadores, padres ou não, serão todos submetidos e julgados pela mesma Justiça. Porque se assim não for, a frase de Bernanos - "o escândalo que me vem dela feriu-me no mais profundo da minha alma, na raiz da própria esperança", fará amanhã ainda, todo o sentido. É a esperança que está em jogo, hoje em dia. É nela que depositamos a nossa fé.
Com efeito, parece que o quotidiano eclesiástico se limita a gerir e descobrir estes casos de clérigos indignos e prelados dúplices. Pura ilusão. A Igreja é essencialmente feita de padres fiéis e respeitáveis, de laicos em missão, de jovens que visitam reclusos e doentes. Alguns, mesmo, verdadeiros santos!
HSC