Dizem os entendidos que há amores que surgem ao primeiro olhar. São os coup de foudre, fórmula mágica para tentar explicar o que não tem explicação.
Sei o que é. Tive o primeiro e único com dezassete anos. Entrei pela primeira vez nos claustros da Universidade para saber as minhas classificações e, como uma barata tonta, não dava com elas. Percebendo isso, um colega finalista veio ter comigo para me ajudar a encontrar as pautas. Fiquei especada, paralizada, idiota. Deixei-me conduzir até à vitrine, mas perfeitamente automatizada. E sem agradecer, vi-o afastar-se de mim, a sorrir e a dar-me os parabéns. Foi assim o nosso primeiro encontro. Fatal para mim. Haveria de sê-lo, mais tarde, também para ele, quando o destino nos pôs frente a frente.
Na minha sala existem dois retratos nossos. Até à sua morte a nossa amizade nunca foi apenas isso. Era algo mais fundo, mais entranhado, possivelmente porque nunca ousámos - bons tempos esses - dar o passo que faltou.
Conheci as suas duas mulheres e ambas sempre souberam desse olhar fatal que cruzámos. Os nossos filhos tornaram-se os melhores amigos. Na vida e na política. Em especial do Miguel.
Quando estou em casa gosto de olhar para uma das nossas fotos, tirada na Russia, e em que estamos abraçados um ao outro.
Se ainda escrever algum livro será, de certo, sobre estes amores improváveis que dulcificam o nosso coração. No meu caso por mais de cinquenta anos...
HSC