terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Afinal não é do Papa Francisco

"Não existe família perfeita. Não temos pais perfeitos, não somos perfeitos, não nos casamos com uma pessoa perfeita nem temos filhos perfeitos. Temos queixas uns dos outros. Decepcionamos uns aos outros. Por isso, não há casamento saudável nem família saudável sem o exercício do perdão. O perdão é vital para nossa saúde emocional e sobrevivência espiritual. Sem perdão a família se torna uma arena de conflitos e um reduto de mágoas.
Sem perdão a família adoece. O perdão é a assepsia da alma, a faxina da mente e a alforria do coração. Quem não perdoa não tem paz na alma nem comunhão com Deus. A mágoa é um veneno que intoxica e mata. Guardar mágoa no coração é um gesto auto-destrutivo. É autofagia. Quem não perdoa adoece física, emocional e espiritualmente.
É por isso que a família precisa ser lugar de vida e não de morte, território de cura e não de doença, palco de perdão e não de culpa. O perdão traz alegria onde a mágoa produziu tristeza e cura onde a mágoa causou doença."

A net tem benefícios e inconvenientes. Nestes últimos, predomina a mentira que se propaga como a água. Foi, agora, o caso do texto que reproduzo acima e que é atribuído ao Papa actual, como tendo sido a homilia do dia, em retiro. É falso. É um texto bem escrito e o conteúdo está cheio de verdade. Mas é em nome desta que se esclarece que Francisco não é o seu autor.

HSC

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Os mistérios do Fio de prumo

Tenho este blog há mais de 10 anos. Bem sei que no primeiro ano, em 2007, praticamente só "apanhei bonés", que é como quem diz metade do que escrevia perdia-se. 
Comecei isto com um querido filho adoptivo que, entretanto, emigrou para o Brasil à procura de melhores dias - deixando-me tecnologicamente desamparada - e que entretanto, felizmente, já voltou. Assim, tive de aprender à minha custa, que é como quem diz, ficar sem uma parte do que produzia. Como sou teimosa e detesto ser dominada por máquinas - e por pessoas, também - consegui, pergunta aqui, pergunta ali, safar-me.
Porém, dois mistérios perduram há pelo menos um ano. De que se trata, então? 
O primeiro, é não perceber o que aconteceu ao meu "life traffic feed", ou seja as bandeirinhas que identificam quem está a ler-me. Em dias gloriosos as bandeiras aparecem, mas nas restantes ocasiões vão à vida e não voltam. Já fiz de tudo para as manter...mas nada. Divorcio total, sem admissão de retorno.
O segundo, é igualmente não perceber o que se passa com os meus "seguidores". Num dia tenho um número e no dia seguinte perco um. O qual volto a ganhar no dia que se segue. Devo ser tão especial que quem desaparece é imediatamente substituído...
Dá que pensar a exactidão da compensação. Podia ser como nos contratos do Estado - por cada três que saem, entre um. Lembram-se? - mas não. Aqui cumpre-se a lógica do "se sai um, entra logo outro". 
Um amigo meu diria que é a vida. Eu digo, que é uma "estranha forma de vida"! Mas são 10 anos de escrita e 2545 ou 2546 seguidores. Podia ser pior...

HSC

O jantar e a Quaresma!

Há uns dias expliquei, aqui, que o Padre Tolentino tinha sido convidado pelo Papa para fazer as meditações da Quaresma. Decidi então que as publicaria neste blog. Foram 10 textos resumidos que viram a luz do dia, sem comentários. 
Clarifiquei que o fazia porque este tempo tinha para os católicos um significado muito especial. Sabia antecipadamente que não seriam assuntos de muito interesse para não crentes. Mesmo assim arrisquei, porque entendi que a leitura das palavras de Tolentino podiam fazer bem, mesmo fora do contexto religioso. 
A vida tem aspectos curiosos. Ontem fui a um jantar de amigos, onde estavam também pessoas que não conhecia. Éramos 12 sentados a uma mesa quadrada bem grande. Estava tudo a conversar animadamente quando, depois da sopa, senti que a conversa havia amainado.
Qual o motivo, perguntei eu? Com alguma surpresa, confesso, percebi que o facto se devia a haver na mesa pessoas que estavam com uma delicada dificuldade em "atacarem" as fabulosas perdizes com farinheira, porque na Quaresma não comiam carne. A dona da casa esclareceu que não se havia lembrado da circunstância e o jantar, passada esta comoção inicial, decorreu muito bem e estava delicioso.
Conto isto porque me lembrei do Fio de prumo e da franqueza de alguns dos meus leitores, ao dizerem que preferiam o meu anterior registo analítico. Ou seja, devem ter perdido o meu aviso inicial e pensaram que eu passaria a falar apenas de temas religiosos.
E lembrei-me, porque embora na Quaresma eu faça alguns sacrifícios pessoais de que, evidentemente, não vou falar aqui, não me passou pela cabeça não comer aquilo que gostosamente me era oferecido.
Viver em sociedade impõe restrições pessoais. No caso do blog é fácil. Quem não se interessa por estas questões, durante uma semana ter-me-á abandonado. Num jantar colocar a dona de casa na situação de não comer, é mais difícil...
Por mim, deliciei-me com as perdizes e o doce. Não abusei, mas souberam-me lindamente, sobretudo porque ando, nesta fase, a comer menos. Mas "ofereci" o gosto que tive, por quem possa dele precisar. É uma forma de "dar a volta ao prego" dirão uns. É verdade. Mas não deixa, por isso, de ter o valor de não colocar a minha amiga em apuros.

HSC

Igreja: As bem aventuranças (29)


«A minha sede é a minha bem-aventurança»: Décima e última meditação do P. Tolentino Mendonça ao Papa.
As bem-aventuranças e o estilo de vida dos crentes e da Igreja estiveram no centro da meditação com que na manhã desta sexta-feira o P. José Tolentino Mendonça concluiu os exercícios espirituais para o papa e a Cúria Romana.
As bem-aventuranças, chamamento existencial
Nesta décima meditação, o biblista vincou que as bem-aventuranças são mais do que uma lei, representando uma «configuração da vida», um «verdadeiro chamamento existencial».
Elas traçam «a arte de ser aqui e agora», ao mesmo tempo que apontam para o «horizonte da plenitude escatológica», ou seja, o tempo eterno após a morte, para o qual convergimos.
Por outro lado, as bem-aventuranças são igualmente o «auto-retrato de Jesus mais exato e fascinante», a chave da sua vida, «pobre em espírito, manso e misericordioso, sedento e homem de paz, com fome de justiça e com a capacidade de acolher todos».
As bem-aventuranças são «a imagem de si próprio que Ele incessantemente nos revela e imprime nos nossos corações. Mas são também o seu retrato que nos deve servir de modelo no processo de transformação do nosso próprio rosto, no qual devemos aprofundar a “imagem e semelhança” espirituais que liga cada dia o nosso destino ao destino de Jesus», sublinhou o poeta e ensaísta.
 Não a um cristianismo de sobrevivência
A sede de Deus é fazer com que «a vida das suas criaturas seja uma vida de bem-aventurança». Como? Resgatando as nossas vidas com um «amor» e uma «confiança» incondicionais. É este o seu «método», é esta a «bem-aventurança» que nos salva. É este «espanto do amor que nos faz começar de novo», esta «sede» que nos consegue arrancar do «exílio a que fizemos aportar a nossa vida».
«Por isso não nos basta um cristianismo de sobrevivência, nem um catolicismo de manutenção. Um verdadeiro crente, uma comunidade crente, não pode viver só de manutenção: precisa de uma alma jovem e enamorada, que se alimenta da alegria da procura e da descoberta, que arrisca a hospitalidade da Palavra de Deus na vida concreta, que parte ao encontro dos irmãos no presente e no futuro, que vive no diálogo confiante e oculto da oração», apontou o P. Tolentino Mendonça.
É urgente «redescobrir a bem-aventurança da sede»: a pior coisa para um crente é «estar saciado de Deus». Pelo contrário, felizes aqueles que «têm fome e sede de Deus»: a experiência da fé, com efeito, «não serve para resolver a sede», mas para «dilatar o nosso desejo de Deus, para intensificar a nossa procura. Precisamos, talvez, de nos reconciliar mais vezes com a nossa sede, repetindo a nós próprios: “A minha sede é a minha bem-aventurança”».
 A Igreja como Maria: escuta, honestidade, serviço
Foi ainda à Igreja que o primeiro diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura se dirigiu na última parte da meditação, dedicada à «bem-aventurança» de Maria, mestra e modelo dos católicos a caminho
É importante não olhar para a bem-aventurança de Maria em «chave abstrata», mas «real e concreta». O seu diálogo com Deus, no momento em que o anjo lhe anuncia que Deus lhe propõe ser mãe do seu Filho, «é franco», não deixa de fora emoções, surpresas e dúvidas, até à confiança incondicional e ao seu sim. Deus salva-nos não «apesar de nós, mas com tudo aquilo que nós somos», e isso faz-nos «enfrentar a vida com renovada confiança».
O estilo mariano deve ser o modelo inspirador do viver: Maria acolhedora, que escuta e está «aberta à vida»; Maria «honesta» na sua relação com Deus; Maria «ao serviço» de um projeto maior. Sem Maria, concluiu o P. Tolentino Mendonça, a Igreja arrisca «desumanizar-se», tornar-se «funcionalista», uma «fábrica febril incapaz de parar».

Após a reflexão, Francisco agradeceu ao sacerdote português a pregação no retiro quaresmal que desde domingo decorreu em Ariccia, a cerca de 30 km do Vaticano (vídeo no fim do artigo).
A Igreja é chamada a abrir-se «sem medos, sem rigidez», a ser suave «no Espírito» e não mumificada em «estruturas que a fecham», afirmou o Papa ao agradecer pessoalmente ao P. Tolentino Mendonça.
O pontífice expressou o seu agrado pelo facto de o pregador ter falado da Igreja como um «pequeno rebanho», que, todavia, não pode ficar ainda mais pequeno com «mundanidades burocráticas».
Para Francisco, a Igreja, «não é uma gaiola para o Espírito Santo», porque este «também voa do lado de fora e trabalha» nos «não crentes, nos “pagãos”, nas pessoas de outras confissões religiosas», dado que Ele é «universal, é o Espírito de Deus, que é para todos».

Gabriella Ceraso/Vatican News
Barbara Castelli/Vatican News 
Trad. / edição: SNPC 

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Igreja: Onde está o nosso irmão? (28)


Jesus é um homem periférico e os católicos têm de abraçar as periferias:

Nona meditação do P. Tolentino Mendonça ao papa (síntese)


A periferia está na identidade cristã mais profunda e é um horizonte no qual a Igreja deve redescobrir-se, sublinhou na tarde desta quinta-feira o P. José Tolentino Mendonça.
O sacerdote português intervinha nestes termos naquela que foi a nona e penúltima meditação apresentada ao papa Francisco e membros da Cúria Romana que participam nos exercícios espirituais da Quaresma, que decorrem desde domingo até amanhã em Ariccia, próximo do Vaticano.
«Onde está o nosso irmão?» A pergunta de Deus no livro do Génesis inspirou a reflexão do biblista, dedicada a «escutar a sede das periferias». O convite do poeta e ensaísta é de «olhar de olhos bem abertos a realidade do mundo» e procurar o nosso irmão entre os pobres e últimos do mundo, não separando a «sede espiritual» da «sede literal».
Um dos critérios para perceber o que é o centro e o que é a periferia do mundo é precisamente o acesso à água, direito inalienável. Como é realçado na encíclica “Laudato si’” e acentuado por dados de organizações internacionais, mais de mil milhões de seres humanos não têm a possibilidade de fruir de água potável.
Trata-se de uma multidão literalmente sedenta, perante a qual é «urgente adotar uma autêntica conversão dos estilos de vida e de coração», que «vá em direção contrária à cultura do descarte e da desigualdade social». Enquanto que os países ricos depauperam os seus recursos, «os outros vivem no suplício», afirmou o vice-reitor da Universidade Católica.
 Jesus, homem periférico
Neste contexto, «a Igreja não deve ter medo de ser profética e de meter o dedo na chaga», pelo que só pode confrontar-se com as periferias do mundo. «Um discípulo de Jesus deve sabê-lo convictamente», antes de mais porque «o próprio Jesus é um homem periférico».
Com efeito, prosseguiu o P. Tolentino Mendonça, Ele não era cidadão romano nem fazia parte da elite judaica, nasceu na periferia da Judeia, porsua vez periferia de Israel e do império romano. E é às periferias que Ele se dirige, dando dignidade aos doentes, pobres, estrangeiros e pecadores.
«A periferia está no ADN cristão, aproxima-o do seu contexto originário, mas também do seu programa. É uma chave indispensável para a sua interpretação espiritual e existencial. Em todas as épocas permanecerá para a experiência cristã o lugar privilegiado onde encontrar e reencontrar Jesus», assinalou.
 Nas periferias está a vitalidade do projeto cristão
O próprio cristianismo é, pela sua natureza, uma «realidade periférica», como se pode constatar pelo facto de os centros das cidades se terem tornados polos «de atividade burocrática e comercial», bem como «uma montra do passado» para os turistas.
Ao mesmo tempo, «a vitalidade do projeto cristão joga-se nas periferias», onde «muitas vezes não há sequer a presença de uma igreja dentro de paredes e onde tudo é mais precário, rarefeito ou apenas esboçado», observou. Por isso, para a Igreja a periferia é um horizonte, e não um problema, e é onde pode sair de si mesma e redescobrir-se.
«A escolha do encontro com as periferias não é unicamente um imperativo da caridade, é uma mobilização histórica e geográfica que permite o encontro com aquilo que o cristianismo foi e com aquilo que é. Mesmo as periferias da Igreja têm sede: de serem escutadas», vincou o P. Tolentino Mendonça.
Como advertia S. João Crisóstomo, a Igreja deve evitar o «terrível cisma» entre «aquilo que separa o sacramento do altar do sacramento do irmão, aquilo que perigosamente distancia o sacramento da Eucaristia do sacramento do pobre».
 Periferias como lugares da alma
As periferias existenciais não são apenas económicas, e «sabemos todos como entre nós e quem está ao nosso lado há muitas vezes distâncias infinitas a abraçar e combater». Por isso a humanidade é para ser abraçada, e mesmo que não consigamos impedir as lágrima no rosto do próximo, podemos dar-lhe um lenço e dizer-lhe «estou aqui», «não estás só».
As periferias, com efeito, «não são apenas lugares físicos, são também pontos internos da nossa existência, são lugares da alma que precisam de ser pastoreados», salientou.

Michele Raviart
In 
Vatican News
Trad.: SNPC