sábado, 4 de janeiro de 2025

ADEUS


No último dia do ano, tudo parecia envolto num véu silencioso. As ruas estavam enfeitadas com luzes coloridas, preparadas para a festa que nasceria à meia-noite, mas dentro de mim havia uma sombra que não se dissipava. Duas cadeiras vazias ocupavam meu pensamento, lembrando-me de que nem todas as celebrações são feitas de alegria. Dois amigos se foram tão repentinamente, e o eco dessa perda preenchia cada canto da minha memória.

Penso neles como se ainda estivessem do outro lado da linha telefônica, prestes a me chamar para uma última conversa. Fico tentando me segurar nas lembranças que tenho: as piadas fora de hora, a cumplicidade silenciosa, a forma como soubemos dividir o peso das angústias sem julgamentos. Agora, a ausência deles retumba em mim, misturada com o barulho de fogos e música que tenta empurrar o ano velho para longe.

Sempre achei que o fim de cada ano trazia a promessa de renovação, mas desta vez, sinto como se parte de mim também tivesse partido com eles. Vejo as pessoas brindando, abraçando-se, desejando felicidade; e eu, suspensa entre o luto e a saudade, tento conformar-me na esperança de que existem laços que vão além do que os olhos podem ver.

Agora, quando olho para as estrelas no céu escuro, penso que podem ser eles, me observando de algum lugar onde as mágoas terrenas não chegam. Encontro algum consolo nessa imagem, mesmo que seja apenas um vislumbre do que poderia ser. Fecho os olhos e agradeço por tê-los conhecido, por terem feito parte dos meus dias com seus sorrisos e suas histórias. E, nesse instante, apesar da dor latente, sinto a gratidão aquecer meu peito, pois cada despedida carrega, de alguma forma, a herança do amor que deixamos nos corações que continuam a bater. Adeus, Adília Lopes. Adeus, João Lencastre.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

A última badalada

Um fio de luz atravessa a noite, rasgando o silêncio em que a alma se encontra naquele último suspiro do ano. Há um instante em que tudo parece suspenso: o tempo dobra-se, e cada batida do coração carrega o peso dos meses que ficaram para trás — alegrias, dores, lembranças adormecidas. Nessa fronteira tão subtil, sinto-me como se dançasse na beira de um abismo, mas sem medo de cair: apenas a plenitude de estar viva, ainda que a vida seja feita de incertezas.

Fecho os olhos para escutar o meu interior. Entre as promessas que fiz para mim, carrego também as que quebrei. Percebo, contudo, que é nessa humanidade falhada, que encontro potência para recomeçar. O Ano Novo chega como uma brisa que afaga o rosto, carregando a possibilidade de ser, de criar, de sentir. E então, respiro fundo. Deixo o pulsar do presente lembrar-me de que cada segundo é um convite a abrir portas, a acolher o desconhecido, a renovar-me. Quando abro os olhos, não vejo apenas o calendário mudar. Vejo-me a mim mesma a entrar num novo ciclo, confiante de que renascer é um verbo que se conjuga todos os dias.