Há vínculos que desafiam a lógica com a mesma naturalidade com que a gravidade mantém os corpos próximos, sem que precisemos compreender o fenómeno. São laços que emergem antes do pensamento, como se encontrassem o seu fundamento em algo mais antigo do que as palavras — talvez na própria estrutura da experiência humana.
A filosofia tenta, muitas vezes, reduzir o mundo ao que pode
ser dito. Mas há relações que pertencem ao domínio do indizível, aquilo que
Wittgenstein chamaria de “o que se mostra”. Não são explicáveis, apenas
reconhecíveis. Revelam-se em gestos mínimos como a familiaridade imediata, o
conforto espontâneo, o sentido de continuidade sem história prévia.
Estes laços insinuam que o encontro entre duas consciências,
não é apenas um cruzamento acidental, mas a atualização de possibilidades
invisíveis, que existiam antes. Como se cada pessoa carregasse potenciais de
afinidade, que só despertam diante de certas presenças - e não de outras - sem
qualquer aparente explicação causal.
Aristóteles diria que há amizades que nascem da virtude ou da
utilidade. Mas, talvez exista um tipo de afinidade, que antecede ambas, um modo
de reconhecimento, que depende de uma espécie de harmonia ontológica. Dois
modos de ser que, por razões insondáveis, vibram na mesma frequência.
O mistério desses laços lembra-nos que a vida não pode ser
totalmente contida no racional. Há dimensões que a linguagem não captura e que,
no entanto, orientam profundamente o nosso caminho. Talvez a função desses
vínculos seja, justamente, ensinar-nos humildade diante do inexplicável,
aceitar que nem tudo o que nos toca pode ser dissecado, e que parte da beleza
da existência, reside justamente em convivermos com aquilo que apenas se sente
e não se resolve, não se define.
Em última análise, os laços que não se explicam são um
testemunho silencioso de que o humano ultrapassa o humano. São fissuras por
onde o mistério escorre, lembrando-nos de que a vida acontece também no que
escapa, no que surpreende, no que não cabe em nenhum porquê.
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