quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

ELOS QUE NÃO SE EXPLICAM


Há vínculos que desafiam a lógica com a mesma naturalidade com que a gravidade mantém os corpos próximos, sem que precisemos compreender o fenómeno. São laços que emergem antes do pensamento, como se encontrassem o seu fundamento em algo mais antigo do que as palavras — talvez na própria estrutura da experiência humana.

A filosofia tenta, muitas vezes, reduzir o mundo ao que pode ser dito. Mas há relações que pertencem ao domínio do indizível, aquilo que Wittgenstein chamaria de “o que se mostra”. Não são explicáveis, apenas reconhecíveis. Revelam-se em gestos mínimos como a familiaridade imediata, o conforto espontâneo, o sentido de continuidade sem história prévia.

Estes laços insinuam que o encontro entre duas consciências, não é apenas um cruzamento acidental, mas a atualização de possibilidades invisíveis, que existiam antes. Como se cada pessoa carregasse potenciais de afinidade, que só despertam diante de certas presenças - e não de outras - sem qualquer aparente explicação causal.

Aristóteles diria que há amizades que nascem da virtude ou da utilidade. Mas, talvez exista um tipo de afinidade, que antecede ambas, um modo de reconhecimento, que depende de uma espécie de harmonia ontológica. Dois modos de ser que, por razões insondáveis, vibram na mesma frequência.

O mistério desses laços lembra-nos que a vida não pode ser totalmente contida no racional. Há dimensões que a linguagem não captura e que, no entanto, orientam profundamente o nosso caminho. Talvez a função desses vínculos seja, justamente, ensinar-nos humildade diante do inexplicável, aceitar que nem tudo o que nos toca pode ser dissecado, e que parte da beleza da existência, reside justamente em convivermos com aquilo que apenas se sente e não se resolve, não se define.

Em última análise, os laços que não se explicam são um testemunho silencioso de que o humano ultrapassa o humano. São fissuras por onde o mistério escorre, lembrando-nos de que a vida acontece também no que escapa, no que surpreende, no que não cabe em nenhum porquê.

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