sábado, 22 de março de 2014

O preço e o valor do trabalho


Se há campo onde a distinção entre "preço" e "valor" se torna essencial, esse campo é, sem qualquer dúvida, o do trabalho. Há muito que penso assim e tenho vários textos publicados sobre este assunto.
Recentemente fui convidada para fazer determinada tarefa para a qual, julgo, estaria habilitada. A conversa com a pessoa que me convidou foi muito agradável, falámos de vários assuntos que interessavam a ambos e, no fim, como sempre a custo, pus a questão da remuneração.
Inteligente, o meu interlocutor disse-me para eu dizer quanto pretendia. Não menos inteligente - falta de modéstia minha - retorqui que quem me convidava é que avaliava o "meu valor", visto que eu só podia dar-lhe o "meu preço" e não me parecia elegante fazê-lo.
Mensagem entendida de ambos os lados, ficou combinado que ele iria falar com quem de direito e me telefonaria com a proposta. Cumpriu.
Porém, os dois conceitos não coincidiram. Ou seja, o meu valor para eles era inferior ao meu preço. Educadamente agradeci e declinei o convite - felizmente ainda me posso dar ao luxo de dizer não - e expliquei que, no dia em que, no mercado onde me movo, se soubesse que tinha aceitado aquela proposta, eu nunca mais teria o mesmo valor. E esse, eu não pretendia - e enquanto puder, não pretendo - reduzir.
Moral da história: a tarefa que me propuseram até me daria muito prazer. Mas entre esse prazer e a minha valorização pessoal, foi esta que eu escolhi. E julgo que fiz bem!

HSC

11 comentários:

Pôr do Sol disse...

E fez certamente muito bem, Cara Helena.
À sombra da crise, vive-se um clima de exploração no mundo do trabalho, desprezando o valor do trabalhador. E, à custa destes, vai-se engordando a conta bancária destes empresários oportunistas.
Ainda bem que é das poucas pessoas que os pode pôr na ordem.

João Menéres disse...

Só a posso felicitar pela recusa !
Isso é que é DIGNIDADE !
Fossem os artistas assim e as coisas neste meio não andariam pelas ruas da amargura.
Eu também tenho o meu preço...

Melhores cumprimentos.

Defreitas disse...

A amalgama entre actividade e trabalho, a confusão entre emprego, salário e trabalho, é fonte de incompreensões.
Penso que é jogando entre os significados diversos da palavra "trabalho" que foi possível criar a noção do "fourre-tout" e transformá-la em "valor".
Na Grécia antiga, o trabalho era desprezível e degradante. O trabalho, o - "tripalium- era um instrumento de tortura. Na Bíblia, "tu ganharás o teu pão com o suor do teu rosto".

Hoje, o trabalho, que permite sobreviver , portanto necessário, nem sempre é considerado na outra vertente como essencial para a vida social e como meio de realização pessoal. Mas é o alfa e o ómega de todos os programas políticos, porque é essencial para construir a sociedade.

E uma sociedade que não pode garantir trabalho para todos encontra-se em perigo de morte.
O que é paradoxal é que actualmente, os ganhos de produtividade são constantes, mas o desemprego é estrutural.
A chantagem ao emprego é agora a arma de submissão preferida dos detentores de capital, contra aqueles que não possuem mais nada que " a sua força de trabalho".

Em conclusão, felizes aqueles que ainda podem questionar o preço do seu trabalho e defender o seu valor .

Anónimo disse...

..."Eles" estão habituados a admitir estagiários a custo zero... É o Portugal que temos!
Salvam-se uns poucos que conseguem entrar como adjuntos dos secretários de estado e pouco mais...

Anónimo disse...

Querida Drª Helena:

Cada vez mais os empregadores utilizam este método. Acredito que seja uma manobra para reduzir substancialmente as remunerações: as pessoas querem trabalhar por isso pedem um valor baixo (para não perder o posto).

Felizmente, agora estou bem (nesse campo):
- trabalho perto de casa;
- com bom ambiente de trabalho;
- boas condições e...
- A FAZER O QUE GOSTO.

Um beijinho
Bom domingo,

Vânia Batista

José María Souza Costa disse...

Estimada, Maria Helena Sacadura Cabral.
Bom dia, desde este outro lado do Atlântico ( Brasil ).
Parabéns, fizeste muito bem. Às vezes, recebemos este tipo de 'mimos'. Mas, comigo, eu já revelo no ato. Gostou, gostou. Não gostou, a Vida, segue. Por que o Mercado, é antagônico em suas escolhas, costumo escrever, que nele não existe prazer, e sim metas à cumprir.
Bom domingo, e beijo na Alma.

Anónimo disse...

Caro Senhora,

Os meus parabéns!

Quando as pessoas perceberem, nomeadamente os jovens, que, aceitam estágios não remunerados, por acharem (talvez) ser melhor, que, ficar em "casa" e porque haverão sempre outros a aproveitar
estas ignominias, não estão a contribuir para serem respeitados pela entidade empregadora e tanto assim é, que rapidamente são substituidos.

Abram os olhos, um pouco de orgulho nunca fez mal a ninguém!

zia disse...

felizmente que pode tomar a atitude que tomou. Parabéns!
Por não haver coincidência entre trabalho e o valor dessa matéria prima é que há tanta injustiça principalmente quando diz respeito a que essa matéria prima ser executada por uma mulher.
Será por esse motivo que as mulheres ainda são uma minoria em muitos trabalhos mesmo e também sendo eles de caris intelectual!
Quando estava empregada uma das coisas que me revoltava, era ver a passividade das mulheres, e também as invejas (surdas) que havia, infelizmente entre mulheres... foi desabafo....
Beijinhos amigos, Zia

rmg disse...


Ainda se fôsse só "o Portugal que temos" a coisa talvez se pudesse compôr como se compôs noutras épocas .

O problema é que o mundo que temos, mal e porcamente globalizado , está igualzinho , como qualquer pessoa que saia de cá sem ser em turismo bem o sabe.

Enquanto acharmos que o problema é só nosso e não aprendermos a enquadrá-lo no geral não vamos a lado nenhum .
Nisto como em tudo .

RuiMG

Fatyly disse...

Fez muitíssimo bem. Se todos o conseguissem fazer muita coisa mudaria neste país, mas infelizmente segundo me disseram, até o subsidio de desemprego é suspenso se não aceitar o que oferecem.

olinda silva disse...

Eu também acho que fez bem, muito bem.
Infelizmente não estamos todos nas mesmas condições. Sobretudo a minha geração, com casa para pagar e colégio da criança, se declinar o preço que me oferecem, perco o básico, e é só do básico que estou a falar...porque o resto o IVA e o IRS já me tirou!!
Um beijinho