terça-feira, 18 de março de 2014

Medeiros Ferreira

"Era um espírito lúcido, dotado de uma ironia fina e capaz de ver sempre para além da linha do horizonte. Foi um dos melhores deputados que tive o privilégio de conhecer durante os meus anos de repórter parlamentar na Assembleia da República. Um verdadeiro social-democrata, de matriz nórdica, pioneiro no processo da adesão de Portugal às instituições europeias na ressaca do processo revolucionário. E também um socialista sempre à beira da dissidência do partido que lhe era nuclear, tendo chegado a ser aliado estratégico de Francisco Sá Carneiro num momento crucial do actual regime constitucional português e participado nesse extraordinário equívoco que foi o PRD, pela amizade fraterna que o ligava a António Ramalho Eanes. Tal como viria a apoiar a fracassada campanha para a reeleição de Mário Soares, onde sempre pareceu um dos maiores entusiastas contra todas as evidências.
Porque ele era assim: apreciava cultivar amizades. Como outros cultivam um carreirismo que nunca perfilhou. E lhe custou a possibilidade de ascender a cargos ministeriais no PS pós-década de 70, em benefício de algumas mediocridades ululantes.
Apesar do preço que pagou pela independência de espírito, nas saborosas conversas que travámos nos corredores parlamentares e na sua casa de Lisboa, na Calçada Miguel Pais, nunca lhe ouvi uma palavra desprimorosa em relação aos tiranetes de turno que lhe foram cortando o passo nos meandros partidários.
Era um cavalheiro à moda antiga.
E também um observador acutilante da realidade portuguesa sem nunca perder uma certa fleuma que lhe vinha do berço nas brumas atlânticas. Na televisão, na rádio, nos jornais, na blogosfera (e também aqui no DELITO escreveu).
Um senhor, em suma.

Acabo de saber que partiu. Com o mesmo desprendimento, a mesma fleuma, a mesma suavidade com que viveu e marcou as vidas de tantos de nós.
Inclino-me perante a memória de José Medeiros Ferreira. Açoriano de gema, resistente à ditadura, exilado político, democrata por convicção, um espírito livre de todas as horas. Encarnando, em suma, o melhor da alma portuguesa: foi um patriota de raiz sem deixar de ser cidadão do mundo."
                    (Pedro Correia no blog Delito de Opinião)

Este texto lindíssimo é um retrato fiel de Medeiros Ferreira. Tudo o que eu pudesse escrever se-lo-ia menos.

HSC

4 comentários:

zia disse...

Partiu, que descanse em paz. Homem realmente de ABRIL.
Beijinhos, Zia

João Menéres disse...

Concordo consigo, HSC.

Melhores cumprimentos.

Maria do Porto disse...

Um Senhor, em suma!
Isto diz tudo. Paz à sua alma.

Anónimo disse...

Um verdadeiro SENHOR.
Descanse em Paz.

Isabel BP