quinta-feira, 20 de março de 2014

Uma França debilitada


Longe vão os tempos de um Hollande vitorioso. Por mais de uma vez aqui chamei a atenção para as contas de um país que há apenas dois anos pretendia dividir com a Alemanha o comando da Europa.
Quer a Comissão Europeia quer a Moody's colocaram a França sob vigilância reforçada, a par da Espanha, da Irlanda e da Hungria. E a mensagem dirigida ao Presidente náo deixa dúvidas: a situação da economia continua a degradar-se, ao contrário da dos outros países da zona euro; todo o adiamento de um deficit de 3%, para além de 2015 do PIB está excluído porque só serviria para postergar as reformas necessárias; se as medidas correctoras decisivas não forem tomadas no quadro do pacto de responsabilidade - em especial no corte das despesas - a França ficará sujeita a sanções a partir do próximo mês de Junho.
De facto a Comissão Europeia  tem vindo a alertar para a aceleração da crise francesa, com destaque para o recuo de competitividade, a quebra das exportações, a subida do custo do trabalho, o aumento do desemprego e o choque fiscal que provocou uma significativa fuga de capitais.
Para 2014 o deficit publico estimado é de 4% e o de 20015 será de 3,9% alimentando uma dívida pública que atingirá os 97,3% do PIB e ultrapassará em 2017 os 100%.
A globalização parece ter entrado numa nova era. Já não são o sul e o norte que se opõem. Hoje o duelo é entre as nações que são capazes de se regenerarem e melhorarem a sua competitividade e aquelas que o não são, o que só vai favorecer os países desenvolvidos. 
Os EUA começam a restabelecer-se com um crescimento de 3% e uma taxa de desemprego de 6%, o que lhes permite normalizar a política monetária e reduzir o deficit público.
A Alemanha recompôs-se do choque com um crescimento próximo dos 2%, o pleno emprego ( taxa de desemprego de 5%) e excedentes comerciais e orçamentais que lhe permitem em 2015 um serviço de redução da dívida pública para 74,5% do PIB. 
O pacto de responsabilidade é a última chance da França se reformar por dentro. Se o não conseguir, as reformas serão feitas do exterior, impostas pelos mercados, pela Comissão Europeia e pela Alemanha.
Hollande, esse homem normal que a França elegeu para Presidente, está metido numa camisa de sete varas mais difícil de despir que qualquer dos seus amores!

HSC

13 comentários:

João Menéres disse...

Solução : Chamar o Zé Seguro...

Helena Sacadura Cabral disse...

João, o que já me ri com o seu comentário!

João Menéres disse...

Depois das insanáveis...

rmg disse...


Cara Drª Helena

Metido nas campanhas do PS aos 20 anos (ainda estudante)e conselheiro de Mitterand aos 27 anos , nunca mais saíu dos corredores do poder ou da sede do PSF : não é um "homem normal" .
Os "homens normais" podem fazer política mas também fazem outras coisas na vida .

RuiMG

Defreitas disse...

Escreve-se muito sobre o milagre alemão. Mas ninguém tem procurado explicar sobre qual base este milagre existe.
Claro que a indústria alemã é mais competitiva , mas à custa dos défices comerciais dos parceiros europeus.
Nas ultimas eleições, Frau Merckel , para poder formar um governo, foi obrigada a pedir a colaboração dos socialistas alemães. O SPD aceitou com a condição que certos aspectos da economia sejam revistos. Por exemplo, "impuseram" o regresso da reforma das mulheres alemãs aos 62 anos em vez de 67. "Impuseram" a criação dum salário mínimo alemão . Ora estas são algumas das condições que , espero, trarão pouco a pouco a economia alemã para um nível de competitividade comparável ao francês.

Se seria vão esperar que os salários de escravatura dos países asiáticos subam para níveis europeus, retirando-lhes competitividade, uma harmonização dos salários e regimes fiscais europeus poderia constituir uma porta de saída para as dificuldades nas quais os parceiros da Alemanha se encontram. Senão, a Europa estará condenada e a Alemanha não escapará.

A Alemanha deve muito a um socialista, ou antes um social liberal alemão :. A famosa lei Hartz, quem a conhece?

As ideias deste especialista foram apropriadas para resolver o problema de competitividade da Volkswagen no tempo em que Ferdinand Piech era presidente. Mas a que preço ?

Quando se trata de ganhar 20% de competitividade só uma colaboração extraordinária com os sindicatos e o pessoal pode permiti-la. A solução adoptada , apesar do seu aspecto "selvagem" era a única, mas conservou um certo humanismo.

Porque passar de 110.000 empregados, para 80 000, isto é um corte de 30.000 , exigia reflexão.
Começou por conceder a pré-reforma a 10 000 empregados e reduziu o horário de trabalho para todos de 20% : de 36 horas passou a 28,80 horas, com uma perda de salário de 15%. Sob a ameaça de 30 000 despedimentos, o sindicato IG Metall aceitou pela primeira vez na historia de baixar os salários. Não houve bronca, não houve greve, não houve plano social.

Tudo foi uma questão de ...matemática . 110 000-10 000(pré-reformas) = 100 000/ . Faltam eliminar 20 000. (Eliminar, termo terrível !)

Isto é 20 000 x 36 horas =720 000 horas de trabalho por semana. Se Z é o numero de horas, e Y o número de empregados, baixa-se o salário do total dos 80 000 restantes e recupera-se ...20% dos custos salariais.
A filosofia foi: trabalho para todos, mas menos trabalho e menos dinheiro para todos. Sobre as 3.636 000 horas de trabalho, era preciso eliminar 720 000 horas sem despedimentos.

Só que, através desta operação, Hartz, com o acordo de Schröder, social liberal, inventou o "trabalho de empreitada" (travail à la tâche) . Esta ideia caminhou em seguida para outras empresas e outros países. Adaptar o trabalho e o salário em função das necessidades do patrão. Muito bem! Mas, e os trabalhadores ? Como podem organizar a vida deles, a educação dos filhos, o futuro da família, com salários e/ou horário de trabalho variável? A precariedade é agora a palavra de ordem do da social democracia ou antes, liberal.

Hartz assinou outras "belas ideias" que justificaram a não existência de salário mínimo. Os famosos "Jobs a 1 euro" escapam ao código do trabalho: sem direito de greve, nem contrato de trabalho, sem férias. No caso de doença, o salário não é pago. Os descontos reforma ... 2,64 euros POR ANO.
A simples ameaça de cair na categoria dos "HARTZI" obriga os desempregados a aceitar todos os empregos a baixos salários, sem seguro social, nem direitos à reforma. Isso explica porque é que só 29 milhões dos 42 milhões de assalariados alemães têm empregos submetidos ao regime da segurança social.

Sabemos que Hollande, que perdeu a sua alma de socialista há muito tempo, "flirte" neste momento com Hartz , coveiro chefe da social democracia, que pode vir a ser nomeado conselheiro do presidente. Uma coisa é certa: Os Franceses não aceitarão, nunca, esta filosofia.

Defreitas disse...

A propósito da "debilidade" da França do "post" precedente, não creio realmente que a baixa da nota financeira da Standard and Poor seja justificada pela situação económica da França. Se as notas das agências de notação correspondessem a algo de sério, já há muito que os EUA teriam sido postos na falência.

Na realidade, o que os parceiros da França na Europa, particularmente a Alemanha, e também os EUA não perdoam à França é que ela tem conduzido até agora uma politica económica e social que procura limitar o sofrimento imposto aos mais desfavorecidos.
A imposição do SPD de medidas mais sociais que as que Madame Merckel tinha previsto é o resultado da influência desta politica social francesa.

Esta decisão da agência faz parte dum dispositivo que visa a por a França no "bom caminho" neo liberal desejado pela UE, a Alemanha em primeiro lugar. Mas, ainda mais, a Europa , ( a UE), é o instrumento, a justificação e, finalmente, a força de coerção necessária para fazer avançar o neo liberalismo em todos e cada um dos países europeus. O que não poderia ser feito sem grandes conflitos sociais e políticos em cada um dos países industriais, faz-se em toda a UE sem mexer com o governe a estabilidade do sistema.

Basta ver o que a UE consegue impor aos Portugueses, sem discussão, para compreender a força que nos esmaga.

O álibi, a integração europeia, que não autoriza nenhum retrocesso, sob pena de sair do Euro e da UE, permitiu de desligar a soberania popular das decisões importantes que afectam os povos., senão vejamos, mais uma vez, o que impõem a Portugal.

A outra face do processo de integração, é aquilo a que assistimos todos os dias : de maneira consciente e planificada cede-se partes vitais da soberania do Estado a instâncias não democráticas, ligadas estruturalmente a grupos de poder económicos, que tomam as decisões obrigatórias para os Estados e as pessoas. A Troika é só isso : os Directores gerais dos poderes económicos unificados por trás do Estado Alemão.

Votei em Hollande. Mas devo reconhecer que com o apoio das instituições da União, ele quer acabar com a "anomalia francesa" : Acabar com um Estado forte, capaz de controlar o mercado, de garantir os direitos sociais e assegurar a cidadania plena e integral. No centro está a Republica, os seus valores, as suas instituições e, para lá, a legitimidade do regime politico.
Hollande, na realidade, está perante o desafio comum a todos os governos da zona euro : como fazer em condições democráticas que as populações aceitem a degradação dos serviços públicos, a perda dos direitos sindicais e do trabalho e a queda substancial das condições de vida da pessoa.

Neste contexto, o papel da Alemanha é uma realidade que não se pode esquecer. Para que o Estado Alemão possa construir uma hegemonia sólida na UE, os outros Estados deveriam ser "menos Estados", retirando a estes os instrumentos de regulação e controlo.

Ora a França é o único pais que está em condições de se opor à grande Alemanha .
Madame Sacadura Cabral : a França, rebelde, é ainda a grande reserva espiritual e material da democracia .

Hollande " fait fausse route" ! Uma aliança dos poderes económicos franceses e alemães , e alinhar a politica estrangeira agressiva da França sobre os EUA e a sua subordinação ao Estado de Israel, é um grande erro.
Os Franceses não aceitarão uma guerra na Síria e outra na Ucrânia.

Anónimo disse...

Cara dra
e eu também ri.
Tenho para mim que um " nosso amigo" Zé S que se mudou para lá deve ter algo com isto!...
Onde Zé põe o pé,
Tira Deus a virtude!
Kkkkkkkk


Helena Sacadura Cabral disse...

Rui MG
Quando referi "homem normal" estava a aludir ao célebre debate com Sarkozy em que Hollande dizia ser um homem normal e Sarkozy lhe respondeu que o Presidente da França jamais seria um homem normal.
Eu assisti a esse debate e neste caso dei razão a Sarkozy.

Quanto ao resto, concordo consigo - todos nós, normais ou geniais, fazemos outras coisas na vida - e Hollande não é, como se sabe, excepção.
Como o não foram Sarko ou Mitterrand que sempre tiveram vida pessoal. Para meu gosto, talvez demasiado pública.
Mas os franceses, felizmente, são bem mais tolerantes do que nós.

Helena Sacadura Cabral disse...

DeFreitas
Entre nós também temos um bom exemplo de sucesso nas relações laborais com a Auto Europa.
Percebo o que diz da França, mas os números e a quebra de popularidade de Hollande estão a dificultar-lhe a vida e, infelizmente, a dar vantagens à Madame Le Pen. Isso é que me preocupa...

rmg disse...


Cara Drª Helena

Não fiz a "ligação" com esse debate,perdi a subtileza do seu comentário que agora aprecio plenamente .

Estou totalmente de acordo consigo quando refere que - felizmente - os franceses são bem mais tolerantes do que nós , cheios de falsos puritanismos como sempre .

Apesar de tudo Mitterand e Sarko tiveram , em minha opinião , uma uma capacidade de assumir as suas situações quando isso se tornou imperativo que Hollande não me parece ter tido .
Mas pode ser má vontade minha , admito .

Ficamos assim com a boa gargalhada provocada pelo comentário de João Menéres .

RuiMG

Defreitas disse...

Cara Dra:

Tem muita razao: Num contexto caracterizado pela construção de democracias "limitadas e oligárquicas" com degradação das condições de vida e perda radical dos direitos, a expansão da extrema direita e o populismo nacionalista de Marine le Pen ganham terreno.

E se a ausência de progressos notáveis na solução dos problemas essenciais que são o desemprego , vector de miséria e de insegurança, leva mesmo uma parte da classe desfavorecida a procurar em Le Pen uma resposta a estes problemas, como se esta tivesse uma solução na xenofobia e no racismo.

Mas alguns na direita "normal republicana" também sucumbem aos cantos da sirene fascista. As eleições europeias serão um bom indicador da tendência, já que, as municipais de amanhã não têm grande significado. Neste caso é a gestão local que está em causa. Aliás, também eu estarei envolvido nestas eleições, fazendo parte duma lista de esquerda na minha comuna. Mas há uma coisa que eu sei : em caso de derrota domingo, votarei pela direita republicana na segunda volta.

zia disse...

França ainda tem muito respeito em relação à Alemanha, mas Hollande tem feito um descalabro económico, como aqui foi feito desde que a seguir ao 25 de Abril de 1974 veio para cá o "pobre refugiado" Mario Soares e o reinado do Cavaco.
Os políticos lá como aqui querem brilhar e esquecem-se que é o país que deve brilhar!
Um abraço, Zia

Fatyly disse...

Só sei que a Europa toda está metida em grandes sarilhos e como em todos os sarilhos...o povo é quem mais sofre.