“Manuel Salgado, vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa,
informou em 2011 o proprietário de quatro edifícios situados na Av. Fontes de
Pereira de Melo, destinados a ser demolidos, de que lá poderia construir uma
área total de 12.377 m2, para comércio e serviços, em sete pisos acima do solo.
Em 2012, o terreno mudou de mãos e foi adquirido por uma empresa
então criada por um antigo governador do Banco de Portugal e antigo presidente
da Caixa Geral de Depósitos, António de Sousa, e pelo Banco Espírito Santo. Em
Janeiro deste ano, o mesmo vereador Manuel Salgado propôs, e a câmara aprovou,
apenas com os votos do PS e de um vereador dos Cidadãos por Lisboa, a
viabilização, para o mesmo local, de um total de 23.386 m2 de comércio e
serviços em 17 pisos.
A câmara justifica o aumento de 89% da área de construção
permitida com a entrada em vigor, em 2012, de um novo Plano Director Municipal
(PDM) e de um regulamento municipal de incentivos ao sector imobiliário. O
contexto em que todo o processo se desenrolou deixa no entanto muitas dúvidas
quanto à forma como foi conseguida esta enorme valorização da propriedade.
Adquiridos na quase totalidade há cerca de duas décadas pela
empresa Torre da Cidade, integralmente detida até Julho de 2012 por Armando
Martins, um conhecido promotor imobiliário, os prédios em causa, entre os quais
um palacete abandonado há muitos anos, ocupam a esquina da Av. Fontes
Pereira de Melo com a Av. Cinco de Outubro, junto à Maternidade Alfredo
da Costa. Ao longo destes anos, o então proprietário propôs à câmara vários projectos
para o local, entre os quais uma polémica torre concebida pelo arquitecto
catalão Ricardo Boffil (autor do Atrium Saldanha, construído pelo mesmo
promotor). Todos eles foram rejeitados por não se conformarem com o PDM em
vigor desde 1994.
Mais recentemente, entre 2009 e 2011, Armando Martins — que se
recusou a fazer quaisquer comentários ao PÚBLICO sobre este assunto, remetendo
para mais tarde eventuais esclarecimentos — manteve repetidos contactos com o
presidente da câmara, António Costa, e com Manuel Salgado, com o objectivo de
definir as condições em que o município permitiria a construção no local. Nessa
altura, a crise do sector estava no auge e a Torre da Cidade já se vira
obrigada a hipotecar os terrenos ao BES contra um empréstimo de 15 milhões de euros.
Negócio falhado
Com os juros a acumularem-se, o promotor tentava a todo o custo rentabilizar o
terreno antes que o banco tomasse conta dele. Foi nesse período que encontrou
uma empresa interessada em financiar a construção de um edifício no local, desde
que a câmara aceitasse uma área edificada da ordem dos 14/15 mil m2.
Informalmente, os serviços da câmara admitiram essa hipótese, mas a situação
começou a complicar-se nos contactos com Costa e Salgado. .
Ainda em 2010, o negócio gorou-se depois de a câmara ter mostrado abertura para
autorizar 14 mil m2 - mas com pelo menos 20% destinados a habitação. Para os
parceiros de Armando Martins (uma consultora estrangeira que queria instalar a
sua sede no edifício a construir) esta condição acabava com a viabilidade do
empreendimento.
Em desespero de causa, com a dívida ao BES próxima dos 19
milhões de euros, Armando Martins pediu formalmente ao presidente da câmara, em
Maio de 2011, que lhe dissesse, preto no branco, o que é que ali podia
construir. A resposta veio um mês depois por escrito, a 21 de Junho, com a
assinatura de Manuel Salgado, então vice-presidente da câmara. À luz da
proposta de revisão do PDM então em discussão, lê-se no documento, seria
possível construir no local um edifício de comércio e serviços com uma
superfície de pavimento de 12.337 m2 e sete pisos acima do solo. Ou então um
edifício de comércio e habitação com 13.937 m2.
Perante este cenário, no qual não foi feita qualquer alusão à
possibilidade de os últimos acertos da revisão do PDM e o regulamento de
incentivos ao sector, já então estava em preparação nos serviços camarários,
virem a permitir um acréscimo significativo da edificabilidade permitida,
Armando Martins ficou sem alternativa.
Aceitou uma proposta de um grupo liderado por António de Sousa,
com fortes ligações ao BES, e em Julho de 2012 vendeu a totalidade das acções
da Torre da Cidade. A empresa então criada para formalizar o negócio, a
Flitptrel X é participada em 10% pelo BES, banco como o qual celebrou um
contrato de cessão dos créditos da Torre da Cidade”.
Esta é a notícia integral que vem no jornal Público. Conseguiram
acompanhar?! Parabéns. Confesso que até mesmo um economista quase se perde...
Quem, creio,
não se terá perdido, foram alguns dos intervenientes!