Nunca escreveria um diário, porque julgo não ter uma vida que interesse a alguém que não a mim própria e àqueles que nela gravitam. Todavia, quem ler este blogue, de certo modo acompanha o meu dia a dia. E, por vezes, chego mesmo a pensar que, de alguma forma, ele constitui um diário não do que faço, mas do que penso. Ou seja, uma espécie de peregrinação interior perante o quotidiano que me vai acontecendo.
Vem este intróito a propósito de mais um Diário que Marcello Mathias acaba de publicar e que merece, como os anteriores, uma leitura atenta. Sou uma fã do autor que é um dos nossos melhores diaristas. Ele, sim, pode dar-se a esse luxo porque a riqueza da sua vida justifica amplamente o seu trabalho.
Marcello escreve como vive e essa é uma das características que nele mais me atrai. Há em si uma natural delicadeza/elegância que passa aos outros até na forma como contempla/critica a sociedade em que vivemos. Dou-vos um exemplo, a propósito de televisão e, no caso, do concurso "Os dez maiores portugueses":
"... A televisão selecciona as principais notícias, decide a ordem do dia, dita padrões de comportamento, elege modelos, hierarqiza valores, impõe preconceitos, cria mitos, distingue os méritos de uns em detrimento de outros, e tudo isto em função de critérios eminentemente falíveis. Quem os estabelece? Quem está autorizado a fazê-lo? Em nome de que prioridades e opções, equivalentes a outras tantas formas de discriminação e censura, a começar por tudo aquilo que decide omitir que constitui muitas vezes o essencial da notícia transcrita?"
Este DIÁRIO DA ABUXARDA que abrange o período que vai de 2007 a 2014 é uma longa caminhada de sombras e de luzes, que vão compondo um desenho e traçando um perfil do seu autor que, finalmente, parece encontrar, a partir de certa altura, um viver alheio à urgência de viver, um saborear o tempo, ignorando-o. Nada mais aliciante!
HSC
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