«A ideia de que todo o escritor escreve forçosamente sobre si mesmo e se retrata nos seus livros é uma das puerilidades que nos foram legadas pelo Romantismo (...) As obras de um homem retratam muitas vezes a história das suas nostalgias ou das suas tentações, quase nunca a sua própria história, sobretudo quando se pretendem autobiográficas. Nenhum homem ousou jamais pintar-se tal como é.»
Albert Camus
Hoje perguntaram-me se escrevo sobre mim. Também, respondi. Mas, acrescentei, escrevo sobretudo sobre o que vejo e o que oiço, que é bem mais interessante.
Quando me sentei à secretária para trabalhar, dei com a transcrição feita acima, que foi retirada pelo Pedro Correia de um livro de Marcelo Mathias. Como gosto dos três, lembrei-me da conversa que acabara de ter e sorri por causa da coincidência (que a Margarida Rebelo Pinto diz não existir, e é capaz de ter razão).
Não sendo, como é evidente, nem escritora - costumo dizer que sou escrevinhadora - nem comparável a Camus nem a Marcelo, ou mesmo ao meu querido Pedro, aquilo sobre que "peroro" tem muito pouco a ver com a minha história pessoal. Tem, sim, a ver com o meu olhar sobre o que me rodeia, o que , parecendo ser o mesmo, é, de facto, bem diferente. O que eu vejo, o que eu oiço, o que eu penso, não é o que eu vivo. O que eu vivo vai muito para além do que escrevo e, em certas ocasiões, vai mesmo para além de mim própria.
Talvez seja por tudo isto, que nunca publiquei um romance, apesar de ter dois quase escritos e o meu saudoso Mario Castrim me ter incitado a faze-lo...
HSC
14 comentários:
Por que escrevemos, Cara Helena, é sempre um tema fascinante. É como querer agarrar um peixe vivo pela cauda. É também o Alfa e o Oméga da Teoria da Literatura. Todos sabemos porquê e ninguém sabe. Sim, é uma companhia, uma das melhores, é uma terapêutica, com certeza, é, é, é…
Acabe os seus romances e publique-os, peço-lhe. Serei um dos primeiros a lê-los.
Raúl.
Deixe-se de conceitos, isso era com o Barthes ("ecrivain/ecrivant"): a Helena e uma escritora, uma autora e uma comunicadora de mão cheia c'est mon opinion et je la partage.
a) Alcipe
Admirável, Helena Sacadura Cabral.
Concordo, que escrevemos do que vemos, e do que sentimos, por isso, escrevemos tanto, e muito, e demais, sobre " alegrias e tristezas" Faz parte, do mundo da Literatura. Do mundo homem escrita.
Gostaria, de desejar-te, um fim de semana, agradável. E grato, sempre, por enobrecer o meu Espaço, com um comentário.
Abraços, desde o Brazil.
A Doutora Helena teve e continua a ter uma vida tão interessante e tão cheia de coisas tão diversas que merece ser contada em livro. Gosto de a ler como gosto da Zélia Gattai. Já tem idade e sabedoria para passar a escrito muitas memórias que seriam exemplo para muitos de nós.
Nunca li nenhum livro da doutora Helena porque não tenho possibilidade para os comprar.Fico sempre a ver se alguém nos meus anos ou natal se lembre disso. Mas a lista de livros é tão grande e os dadores são poucos por isso ainda não consegui. Talvez um dia. Vou lendo estes escritos e já fico contente.
Beijinhos e escreva sempre pelo menos para leitores como eu
Autobiográfico ou não, tudo o que escreve é maravilhoso.
Os seus brilhantes olhos retratam-nos realidades para as quais nem sempre estamos atentos: são como o indicador de uma mão que nos aponta a estrela do Oriente quando é noite cerrada.
Todavia, atrevo-me a dizer que penso que quem por cá passa com regularidade consegue descortinar um pouco de si naquilo que escreve.
Um beijinho enorme,
Vânia Baptista
Todo nós somos um pouco egocêntricos e vivemos a vida de forma a sentirmo-nos bem pessoalmente. Só as pessoas extremamente devotas a uma causa, pensam nela primeiro sacrificando os seus sentires e quereres. No fundo todos nós somos um EU feito de muitas facetas diferentes e ao escrever, exprimimos aquilo com que nos identificamos e que acaba por ser interessante também para os outros que nos amam. A escrita de hoje nada tem a ver com a escrita de outrora em que os autores pareciam estar a milhas das suas personagens...hoje muitos autores passam para a escrita as suas paixões, angústias e alegrias, como se por esse meio se quisessem libertar dum peso qualquer e separar-se do que os inquieta.
Nunca escrevi nenhum livro ....nem escreverei...mas estudei bastante sobre a teoria do romance e é fascinante.
Infelizmente, muitos dos romances actuais são superficiais e desinteressantes, na minha modesta opinião.
Querida Helena,
Necessitamos de um bom romance, como tem dois quase prontos não faltarão editoras.
E, se já Mário Castrim o disse, avance.
Adorava mesmo que os publicasse. A Helena é uma mulher tão cheia de coragem, porque não? Quem me dera saber escrever, mas não tenho jeito nenhum. Vá, Faça a vontade a todos os seua amigos e seguidores.
Beijinho grande
Não estará chegada a hora ?
Melhores cumprimentos.
A sincronicidade vai muito para alem do conceito desnevolvido por Jung e tambem serve para nos mostrar o caminho.
Publique esses romances HSC e por favor , se der claro , escreva outro sobre um certo Artur...
L.L.
E nunca deixe de escrever com esse seu olhar acutilante...porque infelizmente as prateleiras nas livrarias e não só, estão cheios de livros da treta e sem conteúdo...mas como são de "dinossauros ou dinossauras:)" o lugar é cativo.
Que venham esses romances, porque vão deleitar muita gente. Poucos são aqueles que conseguem escrever sobre si próprios mas, para os "outros".... Essa, sim, é a sua verdadeira criatividade e também a razão de ser de qualquer escritor. Força, aí, com a escrita!!.
Abracinhos e beijinhos para si
A Senhora dá-nos tantas "coisas" bonitas que hoje resolvi ser eu a enviar-lhe uma do blog Dolicocefalo - personagem extraordinária o seu autor que conheci há anos num cruzeiro. Espero que goste tanto como eu gostei de partilhá-lo consigo e com os seus leitores.
Um bom dia para todos!
Nocas
http://odolicocefalo.blogspot.pt/2013/08/maintenant-je-sait.html
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Quando li este post apenas me ocorreu este poema de Fernando Pessoa.
Só acrescento, que só uma pessoa contemplativa como a Dra,escreve assim.Muitos olham,mas mto poucos observam...a Dra pertence aos ultimos,ver com alma não é para todos.
Bem haja
Cumprimentos
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