sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O ADEUS

Há um silêncio especial que antecede o adeus — um intervalo quase sagrado, no qual o tempo parece suspender a respiração, como se cada segundo procurasse estender-se um pouco mais, hesitante, antes de entregar à realidade a última palavra. É nesse vácuo que a consciência da perda se faz mais aguda. Ali, entre o agora e o depois, percebemos a inevitável despedida não apenas como um ato, mas como um movimento interno de soltar o que, até então, havíamos apreendido com tanta força. Nessa pausa, quase podemos sentir as partículas de poeira iluminadas pela claridade difusa da tarde, pairando no ar, testemunhas mudas do que está por acontecer. A partida em si, o gesto exterior de virar as costas, é apenas a metade visível do adeus. A outra metade permanece entranhada no olhar húmido, no aperto da garganta, no sabor amargo que fica entre a língua e o céu da boca. Há uma espécie de desalinhamento do mundo, quando alguém se vai: o corredor parece mais longo, o quarto maior, as gavetas mais vazias. A ausência não é um simples silêncio, mas um eco persistente, a imagem desbotada de alguém que antes moldava os nossos dias e que agora deixa um contorno invisível em cada objeto tocado. As chávenas guardam ainda o calor de um último café compartilhado, a mesa conserva uma mancha quase impercetível, herança de outros tempos, e o cheiro familiar do casaco esquecido no guarda-fato teima em não desaparecer. E, no entanto, mesmo sob o peso da despedida, há sementes a germinar. Após o choque do adeus, aprendemos a tecer novos significados, a costurar as lembranças entre si, formando uma tapeçaria íntima do que se foi e do que permanece. Com o tempo, a lembrança deixa de ser ferida e torna-se memória, um território onde o carinho e a compreensão podem florescer. O adeus coloca-nos diante do mistério do desapego e do amadurecimento, ensina-nos que não podemos reter nada além do que somos, e que o outro, partindo, não nos retira a própria essência — apenas nos deixa a tarefa de reorganizar o mundo interno, acomodando o vazio ao lado do que resta. Talvez seja essa a sabedoria contida no ato de dizer adeus: reconhecer que, para além da dor, existe uma aprendizagem subtil, um movimento inevitável de expansão e acolhimento. Ao libertarmos quem parte, abrimos espaço para que, dentro de nós, caiba a verdade do que é a vida: um contínuo fluxo entre chegadas e partidas, encontros e desenlaces, cada qual moldando a paisagem íntima do que chamamos de existir.


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