quarta-feira, 18 de junho de 2025

A saudade como ponte e não como prisão

Saudade é palavra que dói e afaga. Carrega no peito o eco de uma ausência, mas também o calor do que foi real. Durante muito tempo, acreditei que sentir saudade era estar presa, acorrentada a um tempo que não volta, a um rosto que não retorna, a um riso que o vento levou. Hoje, vejo diferente.

A saudade, quando bem acolhida, não nos prende. Ela constrói pontes. Ela é a travessia entre o que fomos e o que somos. Entre o que vivemos e o que ainda carregamos, no silêncio da memória. A saudade, quando escutada com o coração calmo, convida-nos a passar por ela, não a morar dentro dela. Ela leva-nos de volta a momentos bons, para que possamos reencontrar pedaços de nós, que até, talvez, tenhamos esquecido.

Não se trata de negar a dor da ausência. Ela existe, e às vezes lateja. Mas ao invés do muro, que nos separa e nos isola, ela pode ser ponte. A ponte que nos permita caminhar de volta ao que foi bonito, mesmo que, apenas  por instantes, e trazer algo que ainda nos seja útil: uma lição, um afeto, um abraço guardado em lembrança.

A saudade só aprisiona quando resistimos a ela, quando lutamos para não a sentir. Mas quando aceitamos a sua presença, como quem aceita a visita de um velho amigo, ela senta-se connosco, conta histórias, e depois vai embora, deixando o nosso coração um pouco mais inteiro.

 

terça-feira, 17 de junho de 2025

Depois do Primeiro

O primeiro amor chega como um vendaval — desordenado, urgente, cheio de promessas ditas com o peito inflado e a inocência intacta. É a descoberta, a explosão, a vertigem. Mas também, muitas vezes, é o amor que parte. E quando vai, deixa uma ideia: “nunca mais será assim”.

E não será mesmo. Porque o amor que vem depois, é diferente. Ele não precisa provar nada. Chega mais devagar, às vezes sem que nós percebamos. Não causa tempestades, prefere as brisas. Não grita, mas sabe fazer-se ouvir.

Esse segundo amor — ou terceiro, ou décimo — já encontra um coração com marcas. E, talvez por isso, ele seja mais delicado. Sabe onde pisar. Sabe que amor não é só sentir. É escolher, cuidar, estar. Não idealiza, compreende. Não promete eternidades, constrói presentes.

O amor que vem depois do primeiro, já conheceu o fim — e por isso valoriza mais cada recomeço. Ele sabe que paixão é fogo, mas que o amor real, é aquele que fica para ajudar a reconstruir, depois do incêndio.

Esse amor vem com mais silêncio, mais maturidade, mais verdade. E, às vezes, sem grandes gestos, faz mais a morada, que o primeiro jamais conseguiu.

 

domingo, 15 de junho de 2025

O SEGUNDO CASAMENTO

O segundo casamento não é um recomeço qualquer. Ele chega silencioso, depois da tempestade. Não tem a inocência do primeiro. Ao invés, tem a coragem de quem já se magoou e ainda assim, escolhe amar de novo.

Não é feito de promessas ingénuas, mas de escolhas conscientes. Vem com menos ilusão, mas com mais verdade. Traz o peso da memória e, ao mesmo tempo, a leveza de saber que o amor pode, sim, florescer em terreno já arado, mesmo que tenha sido mal arado antes.

O segundo casamento é um encontro entre duas histórias com cicatrizes. Há mais escuta. Menos urgência. Um cuidado mais atento com o que se diz — e principalmente com o que se cala. Não há mais a pressa de acertar tudo, logo. Há espaço para aprender em conjunto, mesmo que o medo também caminhe ao lado. É amor com olhos abertos.

Não idealizado, mas real. Amor que não exige perfeição, mas presença. Que entende que a vida é feita de camadas, de perdas e reconstruções, e que amar de novo é, antes de tudo, um ato de esperança.

Porque o segundo casamento não é sobre substituir o passado. É sobre escolher alguém, com quem vale a pena construir o “agora” — e quem sabe, o “sempre”.

 

sábado, 14 de junho de 2025

A Necessidade Permanente de Atualização

Vivemos numa era marcada pela velocidade das transformações. A tecnologia evolui de forma exponencial, o mercado de trabalho exige, a cada dia, novas competências e o conhecimento torna-se rapidamente obsoleto. Diante desse cenário, a atualização permanente deixou de ser uma escolha e passou a ser uma necessidade vital — tanto para profissionais, quanto para qualquer pessoa que deseje acompanhar as mudanças do mundo contemporâneo.

Atualizar-se vai muito além de aprender novas ferramentas ou técnicas. Trata-se de manter a mente aberta, ser curioso e estar disposto a rever conceitos, desaprender velhos hábitos e construir novos caminhos. É uma prática contínua de crescimento e adaptação.

No âmbito profissional, a capacitação constante é o que diferencia quem se mantém relevante de quem fica para trás. Os empregadores valorizam aqueles que demonstram iniciativa para aprender e se reinventar. E, com o avanço da inteligência artificial e da automação, as chamadas "soft skills" - como criatividade, pensamento crítico e inteligência emocional- ganham ainda mais importância, exigindo atualização não só técnica, mas também comportamental.

Na vida pessoal, a atualização também é essencial. Ela permite-nos compreender melhor o mundo à nossa volta, conviver com diferentes gerações, adaptar-se a novas formas de comunicação e manter relações saudáveis e construtivas numa sociedade plural e dinâmica.

Por isso, cultivar o hábito da aprendizagem contínua é investir em si mesmo. Ler, estudar, experimentar, ouvir diferentes perspetivas e refletir sobre a própria jornada, são formas eficazes de manter-se atualizado. Afinal, o verdadeiro crescimento não está em saber tudo, mas em nunca parar de aprender.

 

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Uma peregrinação interior

Não houve mapa.
Nem bússola.
Apenas um cansaço antigo,
desses que não se cura com sono.
Era um peso sem nome,
um vazio que morava atrás do riso.

E um dia, sem anúncio nem despedida,
comecei a caminhar para dentro.
Não sei dizer se fui por vontade, ou por falta de escolha.
Só sei que fui.
Fechei os olhos e fui.

Lá dentro, encontrei paisagens que ninguém vê,
ruínas de promessas, jardins de lembranças,
estradas feitas de perguntas que nunca fiz em voz alta.
Encontrei também vozes antigas — algumas minhas, outras herdadas
que diziam quem eu deveria ser,
mas que já não me serviam como antes.

Havia silêncio.
Mas era um silêncio que falava.
E eu escutei.
Escutei o que sempre esteve ali, abafado pelo barulho do mundo.
Escutei o meu medo com atenção de mãe,
minha raiva com o cuidado de um jardineiro,
meus sonhos com a ternura de quem reencontra um velho amigo.

Chorei. Sorri. Perdoei-me.
Caminhei por memórias que ainda doíam,
e outras que brilhavam feitas farol em noite escura.

Nessa peregrinação, descobri que não era preciso chegar a lugar nenhum. Era só uma questão de estar. De ser. De me encontrar nas partes que eu mesma havia deixado para trás.

E quando voltei,
ou talvez nem tenha voltado,
porque nunca mais fui a mesma,
trouxe comigo algo que não tem nome,
mas que cabe inteiro no peito.

Talvez paz.
Talvez inteireza.
Talvez só um leve entendimento de mim.

 

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Encontrar-se a si próprio aos 50 Anos


Chegar aos 50 anos é, para muitos, um marco. Não apenas um número redondo, mas um ponto de viragem silencioso, onde o passado se torna espelho e o futuro, mistério. É uma idade em que as certezas acumuladas podem começar a vacilar e, ao mesmo tempo, em que nasce uma nova liberdade: a de finalmente se perguntar “Quem sou eu agora?” – e procurar a resposta com honestidade.

Encontrar-se aos 50 não é um regresso ao início, mas uma viagem ao centro. Depois de décadas de compromissos, trabalho, família, pressões sociais e expectativas externas, há uma oportunidade única de olhar para dentro e reencontrar aquela essência que, por vezes, ficou soterrada pelas exigências da vida.

É quando percebemos que, talvez, nunca tenhamos, de facto, parado para nos escutar. Aos 50, o silêncio começa a falar mais alto. As prioridades mudam. A urgência de agradar aos outros diminui. E começa a nascer um desejo genuíno de viver com mais verdade, com mais sentido.

Encontrar-se não significa romper com tudo. Muitas vezes, é integrar: reconhecer as versões que fomos de nós mesmos e acolher a versão que agora quer emergir. É um processo que pode envolver mudanças — na carreira, nos relacionamentos, na maneira de viver — mas, acima de tudo, exige coragem para sermos fiéis à nossa essência.

Aos 50 anos, a busca já não é pela perfeição, mas pela autenticidade. Já não se trata de conquistar o mundo, mas de fazer as pazes com ele — e connosco. Descobrimo-nos, muitas vezes, mais leves, mais serenos, mais disponíveis para o presente. Descobrimos que há beleza em recomeçar, em redefinir o caminho, em dizer sim ao que nos faz bem e não ao que nos afasta de nós mesmos.

Encontrar-se aos 50 é um privilégio. É a oportunidade de viver, finalmente, por dentro e de construir, com maturidade e consciência, uma nova fase da vida onde cada escolha seja um reflexo do que somos, e não do que esperavam que nós fôssemos.

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quarta-feira, 11 de junho de 2025

A Beleza do que é imperfeito


Há qualquer coisa de profundamente humano, naquilo que não está certo, nem simétrico, nem concluído. Talvez porque nós, também, não estamos.

A beleza do que é imperfeito está nos sorrisos sem jeito, nas palavras que faltaram dizer, nos silêncios que ficaram no meio de uma frase. Está nas cicatrizes - não as escondidas, mas as que já não nos envergonham. Está na chávena lascada que ainda usamos, porque era da avó, no casaco velho que já não aquece, mas ainda abraça.

A perfeição é fria. Não tem história. A imperfeição, essa, guarda tudo: as quedas, os risos nervosos, os erros de cálculo e os gestos impulsivos. É no improviso que nasce a ternura. É na falha que se vê quem fica.

O mundo tenta afiar-nos, polir-nos, tornar-nos impecáveis. Mas eu prefiro os que tropeçam, os que hesitam antes de falar, os que choram com vergonha e depois riem como se o mundo fosse novo. Prefiro as pessoas que admitem não saber, as que pedem desculpa devagar, as que amam mal, mas amam muito.

Há beleza num banco partido de jardim onde alguém escreveu "volto já". Há beleza num amor que não chegou a ser, mas ainda mora num olhar.

A beleza do que é imperfeito não se explica, sente-se. Como um piano desafinado que, mesmo assim, nos toca certo, o coração.

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terça-feira, 10 de junho de 2025

A Importância do Sexo: um encontro com a Intimidade Humana

Sexo é mais do que ato físico. É linguagem, é vínculo, é presença. Na sua forma mais autêntica, o sexo é um encontro – não apenas de corpos, mas de emoções, histórias e vulnerabilidades. É onde nos permitimos ser vistos de maneira crua, despidos de máscaras, entregues à experiência do outro e de nós mesmos.

Para além do prazer – que é legítimo, necessário e belo – o sexo tem uma função afetiva essencial. Ele pode reafirmar o amor, curar a solidão, renovar a autoestima e fortalecer laços. É uma forma de comunicação silenciosa que diz: "estou aqui, contigo, por inteiro". Quando vivido com respeito, consentimento, entrega, e uma certa dose de benigna loucura, torna-se uma das expressões mais profundas da intimidade humana.

Em relacionamentos duradouros, o sexo é um termómetro e também um alimento. Não resolve tudo, mas a sua ausência ou a sua mecanização pode denunciar distâncias emocionais. Falar sobre desejo, limites, fantasias e frustrações é também falar sobre o que se passa dentro de nós. Negligenciar este tipo de conversa é empobrecer o relacionamento, e a si mesmo.

Mas o sexo também é sobre presença consigo. Autoconhecimento sexual é parte do autocuidado. Reconhecer os seus desejos, os seus limites, o seu ritmo – tudo isso é saúde emocional. Não se trata apenas de ter ou não uma vida sexual ativa, mas de viver em consciência e verdade aquilo que se deseja ou se escolhe, sem culpa nem repressão.

Vivemos tempos em que o sexo é, muitas vezes, banalizado de um lado, ou reprimido do outro. Em ambos os extremos, perde-se a oportunidade de vivê-lo na sua dimensão mais rica, a do encontro genuíno. Não se trata de quantidade, de performance, de padrão. Trata-se de presença, de cuidado, de humanidade.

Falar sobre sexo com seriedade é também falar sobre liberdade, sobre saúde, sobre dignidade. É abrir espaço para o que é vital, natural e potente em nós. Porque no fim, o sexo é um gesto de confiança em si, no outro e na vida.

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segunda-feira, 9 de junho de 2025

O que vale mais: fidelidade ou liberdade?

Esta pergunta que um amigo me colocou deu origem a este texto. É uma questão que desperta dilemas profundos que atravessam tanto o campo das relações pessoais quanto o das escolhas existenciais. Fidelidade e liberdade, à primeira vista, podem parecer opostos. Um exige compromisso, o outro, autonomia. Mas será que um realmente anula o outro?

A fidelidade está ligada à constância, à lealdade, ao respeito a pactos feitos, sejam eles amorosos, familiares, ideológicos ou profissionais. Ser fiel é assumir uma responsabilidade com o outro, mas também consigo mesmo, pois exige coerência entre discurso e ação.

Por outro lado, a liberdade é a essência do ser autêntico. Representa a capacidade de fazer escolhas próprias, de seguir caminhos não impostos, de mudar de ideia, de recomeçar. A liberdade é, muitas vezes, associada ao direito de se ser quem se é, sem amarras.

O conflito surge quando a fidelidade começa a transformar-se em prisão, e a liberdade, em abandono. Ser livre não precisa significar irresponsabilidade, assim como ser fiel não deve significar sufocamento. O equilíbrio está em perceber que ambas as ideias podem coexistir. Uma fidelidade escolhida livremente tem muito mais valor do que uma imposta. Da mesma forma, uma liberdade que respeita vínculos e afetos é mais madura e duradoura.

No fim, talvez a pergunta não devesse ter sido “o que vale mais?”, mas sim “como fazer com que fidelidade e liberdade não sejam inimigas?”. Quando há diálogo, respeito e clareza de intenções, é possível ser fiel sem se aprisionar, e ser livre sem ferir.

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Inteligência artificial é o fim da autoria humana?

Às vezes dou comigo a olhar o ecrã do computador, à espera que as palavras venham. Como se escrever fosse um gesto mágico, íntimo, único. Algo que brota da alma e encontra forma. Mas hoje, ao lado da minha tentativa, há uma outra presença, silenciosa, veloz, eficiente. Uma inteligência artificial que sugere frases, corrige desvios, antecipa as minhas ideias. E eu pergunto-me de quem é, afinal, o que está a ser escrito?

Não é medo — ou talvez seja. Um receio subtil de dissolução. A sensação de que algo que antes era exclusivamente humano, agora está sendo dividido. A autoria, essa expressão de identidade, começa a escorrer pelos dedos. Como água. Como código.

Mas talvez não se trate de um fim. Talvez seja só uma mudança de forma. A IA não sonha, não sofre, não ama. Pelo menos, não ainda. Ela produz, mas não sente. E é aqui que ainda estamos. No sentir. No silêncio, antes da palavra. No gesto de quem hesita antes de escrever, porque tem algo mais do que linguagem, dentro de si.

A autoria humana, talvez não desapareça. Talvez se torne mais rara. Mais preciosa. Como cartas escritas à mão, num mundo de mensagens instantâneas. Como um suspiro que escapa, entre palavras geradas em massa.

A questão não é se a IA vai tomar nosso lugar. A questão é saber o que vamos fazer com o que ainda é só nosso?
A pausa. A dúvida. A memória.
O erro que se revela.
A dor que escreve.

Enquanto houver isto, talvez a autoria humana não acabe  e apenas mude de tom.

 

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sábado, 7 de junho de 2025

Dominar os Instintos

Dominar os próprios instintos é uma das tarefas mais desafiadoras e mais nobres da jornada humana. Somos, por natureza, impulsionados por desejos primitivos: fome, medo, raiva, prazer, defesa. Esses instintos foram essenciais para a sobrevivência de nossos ancestrais. No entanto, no mundo moderno, muitos desses impulsos podem arrastar-nos para decisões precipitadas, palavras impensadas e atitudes destrutivas.

Dominar os instintos não significa sufocá-los, mas sim compreendê-los e colocá-los sob o comando da consciência. É agir com propósito, e não apenas reagir. É sentir a raiva e escolher o diálogo. É reconhecer o medo e mesmo assim, seguir em frente. É ter um desejo e não ser escravizado por ele.

A verdadeira liberdade não está em fazer tudo o que se quer.  Está em ser capaz de dizer "não" ao que nos controla por dentro. O autocontrole é força, a disciplina um escudo, e a consciência, um guia.

Quem domina os próprios instintos conquista-se a si mesmo, e essa é a mais difícil e mais significativa das vitórias.

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sexta-feira, 6 de junho de 2025

O DESEJO

O desejo é uma centelha - silenciosa ou flamejante - que habita o fundo da alma. Não se contenta com o que é, mas projeta o que poderia ser. É ausência e promessa ao mesmo tempo. Desejar é viver em estado de inquietação: o olhar que atravessa o horizonte, o corpo que se move em direção ao que ainda não se tem.

Ele não pede licença; nasce súbito, inesperado. Às vezes com a suavidade de um sussurro, outras com a urgência de uma tempestade. Pode ser simples como o anseio por um abraço, ou profundo como a busca por sentido. Há desejos que libertam e outros que aprisionam. Desejar é, inevitavelmente, colocar-se em risco de sonhar, de sofrer, de crescer.

Na arte, no amor, na filosofia, o desejo é motor. É o que move o criador diante da tela em branco, o poeta diante da palavra muda, o amante diante da ausência. É ele que nos tira da inércia, que nos arrasta para o desconhecido, que nos transforma.

Mas o desejo também é ambíguo. Pode ser luz ou sombra. Quando não reconhecido, torna-se angústia. Quando reprimido, torna-se silêncio. Saber nomeá-lo é o primeiro passo para o compreender e, talvez, nunca o saciar por completo. Porque desejar é humano. E ser humano é, por natureza, ser incompleto.

Amanhã estarei na Feira do Livro

A partir das 16:30 no CAL e nos livros Horizonte

 

quinta-feira, 5 de junho de 2025

A Irrelevância das Influencers na Era Digital

Nos últimos anos, as influencers digitais dominaram o cenário das redes sociais, moldando tendências de consumo, comportamento e até estética. No entanto, esse domínio começa a mostrar sinais de desgaste. A mesma velocidade com que ascenderam ao estrelato virtual parece estar agora a impulsionar a sua queda — não necessariamente em número de seguidores, mas em relevância e influência real.

Um dos principais fatores para essa mudança é a saturação do mercado. Com milhares de perfis promovendo produtos semelhantes, com discursos quase idênticos, o conteúdo tornou-se repetitivo e previsível. O público, cada vez mais crítico e consciente, passou a questionar a autenticidade por trás das postagens patrocinadas. A confiança, que era o pilar do sucesso dessas personalidades, começou a ruir diante da perceção de interesses comerciais excessivos.

Além disso, o surgimento de novas formas de consumo de conteúdos - como podcasts, inteligência artificial personalizada, comunidades privadas e criadores de nichos - tem desviado a atenção das massas. As pessoas passaram a buscar profundidade, representatividade e valor real, e não apenas uma vida idealizada filtrada pelo Instagram.

Outro ponto crucial é o cansaço digital. O público tem demonstrado uma tendência crescente a se libertar de conteúdos que parecem forçados ou excessivamente editados. Há uma valorização do espontâneo, do orgânico e do imperfeito, algo que muitas influencers tradicionais têm dificuldade em oferecer, presas a contratos e estratégias de imagem.

Isso não significa o seu fim, mas uma transformação do papel que desempenham. A influência migra de figuras idealizadas para vozes mais autênticas e diversificadas, muitas vezes fora do radar do mainstream. A era das influencers como a conhecíamos está a esgotar-se, e o futuro aponta para uma influência mais distribuída, honesta e conectada com realidades plurais.

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quarta-feira, 4 de junho de 2025

A CULTURA DO CANSAÇO

Vivemos numa era em que o cansaço se tornou rotina e estar constantemente ocupado é quase um troféu. A cultura do cansaço, como a define o filósofo sul-coreano Byung-Chul-Han, é marcada pela exaustão silenciosa de indivíduos que, sob a lógica neoliberal, se transformam em empreendedores de si mesmos. O descanso, antes sinal de equilíbrio, hoje é, muitas vezes, visto como preguiça, improdutividade, ou até fracasso.

Ser ocupado, tornou-se símbolo de importância. Frases como “não tenho tempo para nada” ou “mal consigo dormir” ganharam status de medalhas honorárias. As redes sociais reforçam este fenómeno, onde o excesso de compromissos é exibido com orgulho. O tempo livre, por outro lado, é quase um tabu, algo que precisa ser “preenchido” com mais tarefas, projetos ou metas pessoais.

Esta constante aceleração gera não só fadiga física, mas um esgotamento mental profundo. Perdemos a capacidade de simplesmente não fazer nada, de contemplar, de pausar. O descanso tornou-se algo, que precisa ser justificado. E isso afasta-nos de nós próprios.

É urgente repensar este modelo. O valor de uma pessoa não deveria estar atrelado à sua produtividade. Precisamos resgatar o direito ao ócio, ao tédio criativo, ao descanso, como forma legítima de cuidado pessoal. Desacelerar não é fracassar, é resistir.

 

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terça-feira, 3 de junho de 2025

O Mito da Meritocracia em Tempos de Desigualdade Estrutural

A ideia de meritocracia, segundo a qual o sucesso de um indivíduo depende exclusivamente de seu esforço, talento e dedicação, tem sido amplamente difundida como um ideal justo e democrático. No entanto, em sociedades marcadas por profundas desigualdades estruturais, essa conceção revela-se mais um mito do que uma realidade.

Historicamente, fatores como classe social, cor da pele, género, origem geográfica e acesso à educação de qualidade, têm moldado as oportunidades disponíveis para diferentes grupos. Enquanto alguns indivíduos nascem em contextos que lhes oferecem suporte, estabilidade e redes de contato, outros enfrentam obstáculos sistémicos desde o início da vida. Dizer que todos partem do mesmo ponto é ignorar as barreiras invisíveis que limitam o progresso de milhões de pessoas.

No Brasil, por exemplo, a desigualdade social é notória e expressa-se em indicadores como acesso à saúde, saneamento, habitação e educação. Crianças de comunidades periféricas, muitas vezes frequentam escolas precárias, com falta de professores, material didático e infraestrutura básica. Ainda assim, são avaliadas com o mesmo critério de quem teve acesso ao ensino privado de qualidade. Isso não é meritocracia, é uma corrida desigual.

A meritocracia também desconsidera o peso do racismo estrutural e da desigualdade de género, que afetam diretamente as chances de ascensão social de mulheres, pessoas com cor de pele diferente ou vida sexual distinta. Quando esses fatores são ignorados, o discurso meritocrático acaba culpabilizando o indivíduo pela sua condição social, em vez de reconhecer as limitações impostas por um sistema excludente.

A solução não está em negar o valor do esforço pessoal, mas em compreender que o mérito só pode ser avaliado de forma justa, quando há igualdade de condições. Para isso, é necessário adotar políticas públicas que promovam equidade, como ações afirmativas, investimentos em educação e combate à pobreza. Só assim será possível transformar o ideal meritocrático numa prática realmente justa.

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segunda-feira, 2 de junho de 2025

Lamentável banalização do aborto na tv



Com pesar, assisti recentemente a um anúncio televisivo que promovia o aborto como uma decisão simples, desprovida de implicações éticas, humanas e jurídicas. É profundamente preocupante que um tema tão delicado e complexo, seja tratado com tamanha superficialidade  num meio de comunicação de massa, que forma opiniões e atinge milhões de lares.

O ordenamento jurídico de muitos países - mesmo onde o aborto é parcialmente legalizado - reconhece que a vida humana merece tutela desde a conceção. Esse reconhecimento não é apenas uma norma abstrata: ele traduz o valor intrínseco da vida, sobretudo da vida mais indefesa, a que ainda se encontra no ventre materno.

Lamento que pouco ou nada se tenha dito, naquele anúncio - isso sim, seria informar - sobre os múltiplos e variados meios de apoio, hoje disponíveis, para que tal não aconteça. De fato é esquecer, voluntariamente, os métodos anticoncepcionais acessíveis, apoio psicológico, apoio à gestante, redes de proteção social, e tantos programas — públicos e privados — que existem exatamente para que nenhuma mulher precise recorrer ao aborto por desespero, medo ou abandono.

Sim, devemos ouvir e amparar as mulheres em crise, mas é justamente por respeito à sua dignidade — e à do ser humano que carregam — que não podemos aceitar uma narrativa que normalize o aborto como simples solução.

Promover a vida, o direito, o diálogo e a compaixão, não é um retrocesso: é o verdadeiro avanço civilizacional. Que nunca percamos a capacidade de proteger os mais frágeis com justiça e humanidade.

domingo, 1 de junho de 2025

Os Sonhos Tributados

No ano de 2147, sonhar tornou-se um luxo — e, como todo luxo, passou a ser tributado. O governo, sempre vigilante, descobriu que os sonhos continham valor. Valor emocional, valor criativo, valor de fuga. E tudo que tem valor, cedo ou tarde, entra na malha fiscal.

Tudo começou com os “Captores de Sonhos”, dispositivos obrigatórios implantados nas têmporas dos cidadãos ao nascer. Eles gravam cada imagem onírica, cada símbolo bizarro, cada desejo inconsciente. Ao acordar, os dados são enviados automaticamente ao Ministério da Realidade, onde analistas avaliam o conteúdo com base em critérios como intensidade emocional, originalidade e risco subversivo.

Um sonho feliz com voos sobre florestas? Taxa moderada. Um pesadelo de rebelião contra autoridades? Taxa máxima. Sonhar com uma vida melhor do que a real? Multa adicional por “evasão da realidade”.

As pessoas começaram a se policiar até nos sonhos. Cursos de “Controle Onírico Consciente” surgiram para ajudar cidadãos a sonhar apenas com coisas simples e tributariamente leves: campos vazios, salas brancas, números. A elite, como sempre, driblava o sistema — pagando caros por “consultores de sonho” que manipulavam seus dispositivos para mascarar devaneios luxuosos como sonhos neutros.

Ainda assim, existiam os rebeldes. Chamavam-se Sonhadores Livres. Dormiam em áreas de sombra digital, longe do alcance dos satélites. Seus sonhos não eram gravados, nem taxados. Dizem que nesses sonhos clandestinos, o mundo era colorido, cheio de esperança e revolução.

Afinal, num mundo onde até os pensamentos noturnos têm preço, sonhar tornou-se o mais radical de todos os atos.

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