Dizem que Eça de Queiroz – esse mestre que punha personagens
a conversar como se estivessem numa ceia de paródia e fina ironia – foi
convidado para um “upgrade imobiliário” lá para os lados do Panteão.
Tentem imaginar o grande Eça, que passara a vida a limpar as
teias de aranha do Portugal conservador, a ser carregado em pompa (e com alguma
circunstância) para o Panteão, enquanto meia dúzia de críticos literários
discutem se ele teria ou não aprovado a mudança de residência. Afinal, este
homem que adorava descortinar a hipocrisia dos salões, acaba alvo de uma
mudança por decreto solene?
Na chegada, os “vizinhos” do Panteão queixam-se do novo
morador, que passou a noite toda criando personagens para a próxima obra (dizem
que um romance de fantasmas ao estilo “A Cidade e as Serras, versão
assombrada”).
Eça, sem se acanhar, explicaria com ar de conde intelectual:
“Sabem? Eu sempre escrevi até altas horas. Culpa do café e do vício em
encontrar as contradições humanas.”
A comitiva oficial, por sua vez, teria caprichado no
cerimonial: flores, discursos, cânticos e, claro, uma pequena fanfarra a tocar
o hino da pontuação correta. Alguém comentou ao microfone: “É uma honra receber
Eça de Queiroz em todo o seu esplendor.” E o eco do Panteão devolveu o nome
“Quei—roz” com dois “erres”, não fosse a pátria passar por um vexame fonético.
Depois do primeiro aplauso, um beato confuso, sussurrou:
“Espera aí… o homem que escreveu ‘O Crime do Padre Amaro’ não vai arranjar
conflitos com o vizinho monsenhor do outro corredor?” Ao que Eça, se pudesse
responder, diria com a sua fleuma: “Nada como um bom enredo para movimentar as
páginas da eternidade!”
No fim da cerimónia, uma leitura de excertos de “Os Maias” encheu o ambiente de saudade e gargalhadas – afinal, sarcasmo fino nunca fez mal a ninguém (ou quase nunca). E assim ficou registado mais um capítulo da história literária. Eça de Queiroz, finalmente instalado em nova morada, talvez a escrever crónicas da vida eterna, sempre pronto a apontar, com sorriso irónico e caneta afiada, as curvas e contracurvas do nosso (eterno) retrato social.
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