No último dia do ano, tudo parecia envolto num véu silencioso. As ruas estavam enfeitadas com luzes coloridas, preparadas para a festa que nasceria à meia-noite, mas dentro de mim havia uma sombra que não se dissipava. Duas cadeiras vazias ocupavam meu pensamento, lembrando-me de que nem todas as celebrações são feitas de alegria. Dois amigos se foram tão repentinamente, e o eco dessa perda preenchia cada canto da minha memória.
Penso neles como se ainda estivessem do outro lado da linha
telefônica, prestes a me chamar para uma última conversa. Fico tentando me
segurar nas lembranças que tenho: as piadas fora de hora, a cumplicidade
silenciosa, a forma como soubemos dividir o peso das angústias sem julgamentos.
Agora, a ausência deles retumba em mim, misturada com o barulho de fogos e
música que tenta empurrar o ano velho para longe.
Sempre achei que o fim de cada ano trazia a promessa de
renovação, mas desta vez, sinto como se parte de mim também tivesse partido com
eles. Vejo as pessoas brindando, abraçando-se, desejando felicidade; e eu,
suspensa entre o luto e a saudade, tento conformar-me na esperança de que
existem laços que vão além do que os olhos podem ver.
Agora, quando olho para as estrelas no céu escuro, penso que
podem ser eles, me observando de algum lugar onde as mágoas terrenas não
chegam. Encontro algum consolo nessa imagem, mesmo que seja apenas um vislumbre
do que poderia ser. Fecho os olhos e agradeço por tê-los conhecido, por terem
feito parte dos meus dias com seus sorrisos e suas histórias. E, nesse
instante, apesar da dor latente, sinto a gratidão aquecer meu peito, pois cada
despedida carrega, de alguma forma, a herança do amor que deixamos nos corações
que continuam a bater. Adeus, Adília Lopes. Adeus, João Lencastre.