terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Sobre o descanso

Houve um tempo em que considerei que descansar era sinónimo de preguiça. Acordar tarde num dia de folga ou tirar um cochilo no meio da tarde, trazia-me uma sensação estranha de culpa, como se eu estivesse a desperdiçar tempo ou a deixar de fazer algo importante. No entanto, com o passar dos anos, fui entendendo que o descanso é tão essencial quanto comer ou respirar. Ele não apenas me ajuda a recarregar as energias, mas também me faz ver a vida com olhos mais serenos e criativos.

Lembro-me de uma época em que eu corria contra o relógio todos os dias, tentando dar conta dos filhos, compromissos, trabalho e estudos. O meu corpo respondia com dores, insónia e ansiedade. Tentava distrair-me, mas na verdade, o meu organismo estava a dar sinais claros de que precisava parar um pouco. Quando, por fim, resolvi escutar esses sinais, percebi que meu rendimento em tudo, melhorava depois de uma boa noite de sono, ou de uma pausa estratégica para relaxar.

Hoje, tento criar rotinas que me permitam descansar com qualidade. Adoro fazer pequenas pausas para respirar fundo, alongar o corpo ou simplesmente tomar um chá sossegada. Também passei a valorizar momentos de descanso ativo, como caminhar num parque ou praticar musculação, porque percebi que, para mim, mexer o corpo de forma suave e sem pressa pode ser revigorante.

Descansar não é um luxo, mas sim uma necessidade para manter a saúde e a qualidade de vida. Quando descansamos de forma equilibrada, aumentamos a nossa capacidade de concentração, tomamos decisões mais conscientes e vivenciamos maior bem-estar geral. Incorporar pausas e períodos de relaxamento na rotina diária é um investimento valioso, que traz benefícios para o corpo, a mente e as relações pessoais. Atrevo-me a dizer que sou uma prova disso!

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

SABER SER SEGUNDO

Às vezes, a pressão para ser o primeiro em tudo, ofusca a importância de saber lidar com o fato de não estar no topo. Aprende-se, com o tempo, que “ser segundo” não é sinónimo de fracasso. É, sim, uma oportunidade de humildade, de crescimento e de autoconhecimento. Nem sempre a vida nos coloca em posições de destaque, mas isso não nos torna menos valiosos.

Quando não se alcança imediatamente o que se deseja, sente-se a frustração no momento. Porém, logo se percebe que ficar em segundo lugar pode ser um convite para observar, com mais atenção, o que está ao nosso redor. É nessa posição que se consegue enxergar o trajeto percorrido, perceber os erros, valorizar os acertos e, acima de tudo, planejar as próximas etapas de forma mais consciente e madura.

Saber ser segundo é um exercício constante de empatia e paciência. A empatia que permite celebrar a conquista dos outros e aprender com o sucesso alheio, transformando possíveis sentimentos de inveja, em motivação. Já a paciência lembra que cada etapa tem seu tempo certo e que, assim como há vitória no primeiro lugar, há também vitória no caminho que trilhamos para chegar lá.

Hoje, entende-se que ser segundo não diminui quem se é. Pelo contrário aumenta a força de vontade para seguir tentando, amplia a visão de mundo e aprofunda o respeito que se tem pelos outros. No final das contas, cada posição alcançada pode ensinar algo valioso. Basta ter coragem de olhar para dentro de si mesmo e reconhecer o quanto se pode crescer, mesmo quando não se está no primeiro lugar.

 

 

sábado, 25 de janeiro de 2025

POLÍTICA? NÃO, POR FAVOR

Não gostar de política é uma postura que pode surgir por diversos motivos. Algumas pessoas sentem-se desanimadas ao ver, nos noticiários, escândalos de corrupção, debates agressivos e a impressão de que pouco muda na prática. Outras, por terem vivenciado situações negativas no ambiente familiar ou social, perdem o interesse desde cedo. Além disso, muitas vezes, a política parece distante do quotidiano, como se fosse algo restrito aos políticos e aos partidos, e não uma esfera em que todo cidadão pode atuar.

No entanto, é importante lembrar que, mesmo não se interessando ativamente por política, as decisões tomadas nesse campo afetam a nossa vida diariamente: influenciam impostos, saúde, educação, segurança, transporte, entre tantos outros aspetos. Por isso, ainda que se mantenha um sentimento de desagrado ou desânimo diante dos temas políticos, entender minimamente como funcionam as estruturas de poder e de tomada de decisões, ajuda a compreender a sociedade em que vivemos.

Em suma, não gostar de política é um sentimento legítimo, especialmente num cenário em que o debate público, às vezes, se mostra desrespeitoso ou ineficaz. Entretanto, é fundamental refletir sobre como, mesmo sem grande entusiasmo, podemos buscar informações básicas, para exercer a nossa cidadania e usar o nosso voto de forma consciente. Dessa forma, podemos influenciar, ainda que indiretamente, as mudanças que desejamos ver na sociedade.

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sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

O Valioso dom da Preguiça

Ah, a preguiça... esse sentimento injustamente difamado, que muitos chamam de pecado, mas que eu prefiro chamar de "inteligência estratégica". Afinal, quem foi que disse que a vida tem de ser vivida sempre em ritmo de maratona? Às vezes, a preguiça é o que nos salva de grandes desastres — ou pelo menos nos mantem à tona.

Se não fosse a preguiça, será que alguém teria inventado o controle remoto? É claro que não! Certamente existiu um visionário preguiçoso que olhou para a televisão e pensou: "Levantar todas as vezes que quero mudar de canal? Nem pensar. Vou resolver isso deitado." Resultado? Uma inovação que revolucionou a humanidade.

E os elevadores? A preguiça poupou-nos milhões de lances de escada ao longo da história. O simples ato de apertar um botão e ser carregado para o décimo andar é, na verdade, um hino à eficiência. Porque sejamos sinceros: o que é a preguiça senão a busca da máxima economia de energia? É ciência, meus caros amigos.

A preguiça também é a mãe da criatividade. Aquela solução genial para o trabalho? Muitas vezes veio porque alguém pensou: "Como vou resolver isto da maneira mais rápida e fácil, para sobrar tempo para não fazer nada?" O nome disso é otimização. E deveria ser aplaudido de pé (ou sentado, para poupar energia).

Portanto, antes de criticar a preguiça, lembre-se de que ela já salvou as suas costas de carregar baldes d'água e suas pernas de subir morros íngremes. Preguiça não é falta de vontade, é sabedoria. Afinal, como dizia Bill Gates (e talvez um preguiçoso sábio antes dele): "Escolha sempre uma pessoa preguiçosa para fazer um trabalho difícil. Ela encontrará a maneira mais fácil de fazê-lo."

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quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Nem todos amam da mesma forma

Nem todos amam da mesma forma, e isso é uma das belezas da humanidade. O amor pode manifestar-se de maneiras diversas, seja através de palavras, gestos, tempo dedicado, cuidado silencioso ou demonstrações grandiosas. Cada pessoa traz consigo as suas experiências, medos, sonhos e formas de olhar. Nem todos amam da mesma forma, e eu acho que demorei um pouco para entender isso. Às vezes, esperamos que o outro demonstre o amor do modo que nós faríamos, mas esquecemos que cada pessoa tem uma forma única de sentir e se expressar.

Alguns mostram amor com palavras, outros com atitudes; outros preferem o silêncio e o cuidado subtil, enquanto há quem goste de declarações cheias de emoção. Eu já me senti frustrada julgando que alguém não se importava comigo tanto como devia, mas com o tempo percebi que o amor estava lá, só que aparecia de um jeito diferente daquele que eu esperava.

É muito libertador perceber isto, porque ajuda a valorizar cada gesto, por menor que pareça. Julgo que amar, no fundo, também é aprender a enxergar o outro na forma como ele é, e não na forma como o idealizamos. É uma aprendizagem constante, mas que faz, talvez, o amor ser ainda mais rico e verdadeiro.

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quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

OSTENTAÇÃO

A ostentação, no seu sentido mais amplo, pode ser entendida como a exibição exagerada de bens materiais, status ou poder, com o objetivo de impressionar ou atrair a admiração de outras pessoas. Essa prática pode manifestar-se de diferentes formas, seja por meio de roupas de marca, viagens luxuosas, carros caros ou até mesmo pela exposição constante de uma vida aparentemente perfeita nas redes sociais. Em muitas culturas, a ostentação é vista como um símbolo de sucesso ou prosperidade, ainda que, na realidade, possa mascarar problemas financeiros ou emocionais.

Um dos fatores que contribui para a cultura da ostentação é a busca por validação e reconhecimento. Na nossa sociedade, há uma ênfase crescente na imagem pessoal, alimentada sobretudo pelas médias sociais. Fotos e vídeos que exaltam o consumo, acabam por se tornar referências para quem busca aceitação ou quer “provar algo” perante os outros. Nesse sentido, a ostentação pode servir como uma espécie de compensação para inseguranças, ou um desejo de afirmação, especialmente em contextos nos quais a aparência vale mais do que o conteúdo.

Por outro lado, convém refletir sobre os riscos e consequências desta prática. O primeiro respeita à saúde financeira pois manter um padrão de vida muito acima das possibilidades conduz ao endividamento e a uma pressão psicológica tal que resulta num stresse contínuo.

A ostentação também pode afetar relações meramente baseadas em status e poder, que tendem a ser mais superficiais, pois os laços de amizade acabam presos a aparências e interesses imediatos. Além disso, o foco excessivo em bens materiais ofusca outras dimensões vitais, como o desenvolvimento pessoal, a empatia e a busca de experiências significativas.

Ostentar não é sinónimo de felicidade ou realização. Estudos mostram que, atingidas as necessidades básicas e um certo conforto, a felicidade já não é proporcional ao acúmulo de bens. O essencial é equilibrar a vontade de ter sucesso, com a consciência de que bem-estar e propósito de vida, não se resumem a luxo ou a exibições faustosas. Todos sabemos que a satisfação autêntica, provém de relações sólidas, realizações pessoais, crescimento interior e solidariedade.

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

MARIA SERUYA

Maria Seruya é uma conhecida artista plástica e motivacional e palestrante que acredita no poder transformador da criatividade. O seu trabalho, mescla cores vibrantes, sobretudo de modelos femininos de todas as idades, utilizando técnicas mistas, que resultam em obras que despertam emoções positivas e convidam o público a refletir sobre o autoconhecimento, a empatia e a esperança.

Com uma trajetória marcada pelo desejo de estimular o potencial criativo das pessoas, Maria busca inspiração na natureza, na música e em experiências quotidianas. Cada tela é uma síntese de elementos que, embora possam parecer aleatórios à primeira vista, compõem uma mensagem de alegria e renovação. Para ela, a arte é uma ferramenta capaz de resgatar a essência de cada indivíduo, ajudando-o a relembrar sonhos, superar limitações e abraçar novos começos.

Como palestrante, Seruya envolve o público em dinâmicas lúdicas, promovendo a reflexão sobre a autoestima e o propósito da vida. A sua metodologia combina demonstrações artísticas ao vivo, narrativas pessoais e exercícios interativos que mostram como a criatividade pode ser aplicada em diferentes áreas – desde a vida profissional até às relações pessoais.

A mensagem central do trabalho de Maria Seruya é a de que todos nós possuímos uma fonte inesgotável de inspiração interior. Por meio da arte, ela lembra que é possível (re)descobrir a alegria de viver, reconhecer a nossa força e usar a criatividade para construir uma vida plena de significado.

Conheço a artista e a mulher e posso afirmar que vale a pena conhecer o seu percurso. Trata-se de uma das mulheres que mais estimo pela sua genuína alegria de viver e por uma empatia muito rara de encontrar!

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

SOFISTICAÇÃO

Sofisticação, para mim, é muito mais do que uma questão de aparência ou status social. Vejo-a como uma combinação de refinamento e autenticidade, uma escolha consciente de se cercar de elementos que despertam sentimentos positivos e inspiram autodesenvolvimento. Não se trata de ostentação, e sim de valorizar e enaltecer o que é belo — seja uma boa conversa, um ambiente acolhedor ou um gesto gentil que demonstra empatia e educação.

É verdade que, frequentemente, associamos a sofisticação a detalhes externos: uma música suave de fundo, a iluminação delicada de um jantar especial ou até mesmo ao corte impecável de uma roupa. No entanto, a verdadeira sofisticação reside nos valores que carregamos e na forma com que enxergamos o mundo à nossa volta. Um indivíduo sofisticado é aquele que procura conhecer-se a si próprio, gosta de expandir horizontes, cultivar boas relações e mostrar respeito pela cultura, pela diversidade e pelo meio em que vive.

Para mim, a sofisticação traduz-se em saber apreciar tanto as pequenas quanto as grandes coisas da vida. É saber acolher o simples com a mesma reverência com que se reconhece o extraordinário, e entender que o verdadeiro luxo está em poder compartilhar bons momentos com as pessoas que amamos. É ter gosto, sim, mas principalmente sensibilidade, polidez e leveza na maneira de ser e de estar no mundo.

domingo, 12 de janeiro de 2025

Talvez

Talvez um dia tu encontres repouso na calmaria dos teus próprios pensamentos, quando o turbilhão de incertezas finalmente se dissipar. Talvez um dia o teu coração, antes refém de memórias e saudades, se permita florescer num tempo onde cada batida seja suave e cheia de esperança. Quem sabe, nesse dia, tu descubras a ternura que se esconde em cada detalhe do agora — no riso que escapa sem aviso, na luz delicada que atravessa a fresta da janela, na ternura das palavras ditas em voz baixa. Talvez um dia, quando o silêncio não mais te pesar, tu abraces os riscos de sonhar outra vez e reencontres, nos labirintos do sentir, o caminho para ti mesmo.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

UMA HIPOTÉTICA VERSÃO

Dizem que Eça de Queiroz – esse mestre que punha personagens a conversar como se estivessem numa ceia de paródia e fina ironia – foi convidado para um “upgrade imobiliário” lá para os lados do Panteão.

Tentem imaginar o grande Eça, que passara a vida a limpar as teias de aranha do Portugal conservador, a ser carregado em pompa (e com alguma circunstância) para o Panteão, enquanto meia dúzia de críticos literários discutem se ele teria ou não aprovado a mudança de residência. Afinal, este homem que adorava descortinar a hipocrisia dos salões, acaba alvo de uma mudança por decreto solene?

Na chegada, os “vizinhos” do Panteão queixam-se do novo morador, que passou a noite toda criando personagens para a próxima obra (dizem que um romance de fantasmas ao estilo “A Cidade e as Serras, versão assombrada”).

Eça, sem se acanhar, explicaria com ar de conde intelectual: “Sabem? Eu sempre escrevi até altas horas. Culpa do café e do vício em encontrar as contradições humanas.”

A comitiva oficial, por sua vez, teria caprichado no cerimonial: flores, discursos, cânticos e, claro, uma pequena fanfarra a tocar o hino da pontuação correta. Alguém comentou ao microfone: “É uma honra receber Eça de Queiroz em todo o seu esplendor.” E o eco do Panteão devolveu o nome “Quei—roz” com dois “erres”, não fosse a pátria passar por um vexame fonético.

Depois do primeiro aplauso, um beato confuso, sussurrou: “Espera aí… o homem que escreveu ‘O Crime do Padre Amaro’ não vai arranjar conflitos com o vizinho monsenhor do outro corredor?” Ao que Eça, se pudesse responder, diria com a sua fleuma: “Nada como um bom enredo para movimentar as páginas da eternidade!”

No fim da cerimónia, uma leitura de excertos de “Os Maias” encheu o ambiente de saudade e gargalhadas – afinal, sarcasmo fino nunca fez mal a ninguém (ou quase nunca). E assim ficou registado mais um capítulo da história literária. Eça de Queiroz, finalmente instalado em nova morada, talvez a escrever crónicas da vida eterna, sempre pronto a apontar, com sorriso irónico e caneta afiada, as curvas e contracurvas do nosso (eterno) retrato social.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

PESSOAS COM LUZ

Costumamos dizer que existem pessoas que parecem carregar uma luz interior tão intensa que, mesmo sem disso se aperceberem, iluminam o caminho de quem está ao redor. O seu brilho não vem de algo superficial, nem se limita a sorrisos ou palavras de incentivo. Transborda em gestos sinceros, na empatia natural e na forma serena de se relacionar com o mundo. São indivíduos que acolhem, compreendem e enxergam a beleza nas pequenas coisas do dia a dia.

O que torna essas pessoas especiais é a capacidade de confortar e inspirar sem julgar. Elas reconhecem que cada ser humano enfrenta as suas próprias batalhas e se abrem para ajudar, sem esperar nada em troca. A luz que carregam não se manifesta apenas na alegria, mas também na serenidade em momentos difíceis. E, mesmo quando atravessam momentos difíceis, elas seguem fortes, guiadas por um sentido de propósito que ultrapassa o entendimento comum.

Ter alguém assim por perto é um presente. É perceber a importância de compartilhar palavras de carinho, um abraço aconchegante ou olhares de compreensão. Essas pessoas com luz lembram-nos, diariamente, que é possível transpor barreiras e, principalmente, que a esperança se fortalece, quando encontramos força uns nos outros.

 

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terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Oração pelos amigos

Obrigado, Senhor, pelos amigos que nos deste. Os amigos que nos fazem sentir amados sem porquê. Que têm o jeito especial de nos fazer sorrir. Que sabem tudo de nós, perguntando pouco. Que conhecem o segredo das pequenas coisas que nos deixam felizes. Obrigado, Senhor, por essas e esses, sem os quais, caminhar pela vida não seria o mesmo. Que nos aguentam quando o mundo parece um sítio incerto. Que nos incitam à coragem só com a sua presença. Que nos surpreendem, de propósito, porque acham mal tanta rotina. Que nos dão a ver um outro lado das coisas, um lado fantástico, diga-se.

Obrigado pelos amigos incondicionais. Que discordam de nós permanecendo connosco. Que esperam o tempo que for preciso. Que perdoam antes das desculpas. Essas e esses são os irmãos que escolhemos. Os que colocas a nosso lado para nos devolverem a luz aérea da alegria. Os que trazem, até nós, o imprevisível do teu coração, Senhor.

Cardeal José Tolentino de Mendonça

sábado, 4 de janeiro de 2025

ADEUS


No último dia do ano, tudo parecia envolto num véu silencioso. As ruas estavam enfeitadas com luzes coloridas, preparadas para a festa que nasceria à meia-noite, mas dentro de mim havia uma sombra que não se dissipava. Duas cadeiras vazias ocupavam meu pensamento, lembrando-me de que nem todas as celebrações são feitas de alegria. Dois amigos se foram tão repentinamente, e o eco dessa perda preenchia cada canto da minha memória.

Penso neles como se ainda estivessem do outro lado da linha telefônica, prestes a me chamar para uma última conversa. Fico tentando me segurar nas lembranças que tenho: as piadas fora de hora, a cumplicidade silenciosa, a forma como soubemos dividir o peso das angústias sem julgamentos. Agora, a ausência deles retumba em mim, misturada com o barulho de fogos e música que tenta empurrar o ano velho para longe.

Sempre achei que o fim de cada ano trazia a promessa de renovação, mas desta vez, sinto como se parte de mim também tivesse partido com eles. Vejo as pessoas brindando, abraçando-se, desejando felicidade; e eu, suspensa entre o luto e a saudade, tento conformar-me na esperança de que existem laços que vão além do que os olhos podem ver.

Agora, quando olho para as estrelas no céu escuro, penso que podem ser eles, me observando de algum lugar onde as mágoas terrenas não chegam. Encontro algum consolo nessa imagem, mesmo que seja apenas um vislumbre do que poderia ser. Fecho os olhos e agradeço por tê-los conhecido, por terem feito parte dos meus dias com seus sorrisos e suas histórias. E, nesse instante, apesar da dor latente, sinto a gratidão aquecer meu peito, pois cada despedida carrega, de alguma forma, a herança do amor que deixamos nos corações que continuam a bater. Adeus, Adília Lopes. Adeus, João Lencastre.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

A última badalada

Um fio de luz atravessa a noite, rasgando o silêncio em que a alma se encontra naquele último suspiro do ano. Há um instante em que tudo parece suspenso: o tempo dobra-se, e cada batida do coração carrega o peso dos meses que ficaram para trás — alegrias, dores, lembranças adormecidas. Nessa fronteira tão subtil, sinto-me como se dançasse na beira de um abismo, mas sem medo de cair: apenas a plenitude de estar viva, ainda que a vida seja feita de incertezas.

Fecho os olhos para escutar o meu interior. Entre as promessas que fiz para mim, carrego também as que quebrei. Percebo, contudo, que é nessa humanidade falhada, que encontro potência para recomeçar. O Ano Novo chega como uma brisa que afaga o rosto, carregando a possibilidade de ser, de criar, de sentir. E então, respiro fundo. Deixo o pulsar do presente lembrar-me de que cada segundo é um convite a abrir portas, a acolher o desconhecido, a renovar-me. Quando abro os olhos, não vejo apenas o calendário mudar. Vejo-me a mim mesma a entrar num novo ciclo, confiante de que renascer é um verbo que se conjuga todos os dias.