Muito possivelmente já conhecem o texto que vou publicar. Mas eu recebi-o hoje deu-me um ataque de riso imenso. Aliás, depois de 125 dias confinada creio que até as desgraças acabam por ter um lado cómico que ninguém descobriria a não sermos nós... Aqui vai então o texto:
"Recebi finalmente no dia 29 de setembro o e-mail a confirmar para daí a 4 dias, segunda-feira, a minha reserva para duas pessoas no areal da Figueira da Foz (Praia da Claridade, sector KHR, fila 13, coluna 44). Conseguimos apanhar um “slot” horário jeitoso, das 11:35 às 11:50, e ainda por cima com vista para o mar, olhando por cima da cerca de acrílico, é certo, mas não se pode ter tudo. Como a reserva para o restaurante (avisadamente, comprei um pack em finais de maio, mal sairam as regras da DGS) estava marcada para as 14:05, teríamos ali duas horas para preencher, que nos autorizaram a passar confortavelmente dentro dos nossos carros, sem máscara com janela fechada, ou com máscara se aberta. Como não conseguimos manter a distância de dois metros dentro do carro entre mim e a minha namorada, que não reside comigo, cada um levou a sua viatura. O meu lugar para estacionamento, respeitando a regra de segurança lugar sim lugar não, ficava apenas a 500 metros da praia e o da Martinha (assim quis o destino que se chamasse a minha namorada) a 200.
Como se pode ver, tudo previsto e excelentemente organizado, ou não fossemos nós considerados pela imprensa europeia como um exemplo de cidadania balnear, e pelo presidente da república como os melhores do mundo. Com grande excitação, logo pela manhã daquele dia limpo e completo telefonei para a Martinha, não se fosse ela esquecer a cópia autenticada do e-mail, atestado de negatividade Covid-19, alcool-gel, máscaras, toalha de praia descartável, luvas e botas de proteção. Chegámos à Figueira da Foz quase à mesma hora, e assim que arrumamos os carros foi só esperar que o segurança nos desse autorização para sair.
Corremos um para o outro até ficarmos a uns sensuais 2 metros de segurança e piscarmos o olho numa ousada manifestação de paixão. Assim que sentimos o drone a sobrevoar as nossas cabeças foi só acompanhá-lo até aos nossos lugares com separação controlada por webcam. Cerca das 11:40 ouvimos pela instalação sonora a tão ansiada mensagem: “cidadãos com o código de sector KHR, fila 13, coluna 44, podem dirigir-se ao mar, à vossa esquerda, tendo permissão para entrar na água até à cintura, mantendo a etiqueta respiratória e distância de segurança. Dispõem de 7 minutos.”
Ainda hoje nos é difícil esquecer aqueles momentos felizes de liberdade. Só mesmo o almoço, passadas duas horas, se pode comparar em emoção. Como não residimos juntos, tivemos que ficar em mesas separadas, por acaso em salas diferentes, mas os telemóveis e o Skype resolveram tudo a contento, e pudemos saborear umas deliciosas courgettes com cenouras caramelizadas, sem glúten, de produção biológica da horta do restaurante. Divinal.
Espero que não contem a ninguém, mas ainda nos conseguimos cruzar a caminho do wc e tocar de raspão nas mãos. Às 16 horas já estávamos de regresso a casa. Quase à saída da Figueira passámos por um grupo de 500 pessoas que dançavam ao som de uma banda a tocar musica popular portuguesa. Estupidamente, ainda perguntei a um policia se era algum festival, ao que ele me respondeu: “acha? Não sabe que isso é proibido? Não percebe que é uma atividade política?” Esclarecido e amansado, lá rumei à minha casa e a Martinha à dela.Enfim, um dia memorável. Para o ano há mais!"
Eu que já duvido que volte a ter férias, porque depois desta pandemia outras se seguirão - mais fortes ou mais fracas, consoante o pessimismo ou o otimismo de cada um - ao ler este texto lembrei-me da crítica que os meus filhos me fazem de querer marcar tudo com antecedência. De facto, neste caso não foi famoso!
HSC