sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Da frustração à ilusão

Na ultima revista do El Pais vinha um interessante artigo sobre estes tempos pandémicos que vivemos. Dizia o autor que desde crianças a frustração nos acompanhou quandos os nossos desejos se não realizavam. Mas, ao contrário do que os adultos consideravam ser um capricho, essa frustração tinha raízes mais fundas no ser humano.

Com efeito, a frustração está presente em todas as etapas da vida e o nosso êxito como pessoas, dependerá da nossa capacidade de gestão desse sentimento. Assim a felicidade reside na diferença entre aquilo que sonhamos e aquilo que conseguimos realizar. Se apenas realizamos 50% daquilo a que aspiramos o nosso nível de felicidade não passará de uma média satisfação, já que metade terá ficado por realizar. 

Porém quando o que se deseja pesa mais do que o que se tem, então a frase de Jung "a vida não vivida é uma enfermidade da qual se pode morrer", é capaz de  fazer todo o sentido, já que na sociedade da competitividade e da satisfação instantânea - ao alcance de um clic - a frustração vai acompanhar-nos sempre, já que se torna impossível satisfazer desejos em continuo. Este quadro desenrola-se, claro, em condições normais. 

Em pandemia passou-se de um consumismo desaforado para uma cultura da cancelação. Fechou-se quase tudo em que a nossa vida se desenrolava para vivermos profundamente frustrados, com sintomas que vão da melancolia, à irritabilidade, ao aumento do consumo de álcool, à automedicação e aos pensamentos circulares de caracter negativo que aumentam o medo e dificultam o sonho. Neste pano de fundo a frustração apoderou-se de uma parte importante da nossa vida.

Então como tentar ultrapassar esta situação? Não há receitas gerais, mas há a possibilidade de utilizar algumas das nossas ferramentas pessoais. Saliento cinco, que me serviram e poderão, talvez, ajudar outros. 

1.Cultivar a paciência, uma medida óbvia mas eficaz. Tanto em crianças como em adultos, a frustração surge por não se obter, na hora, o que desejamos. Contra esta imediatez só uma visão alargada permitirá que relaxemos, acreditando que mais tarde ou mais cedo viremos a obter aquilo que queremos

2.Examinar os custos / benefícios e tirar conclusões. Um empregado que perde o seu emprego, terá forçosamente de procurar alternativas incluindo, até mudar de área ou criar o seu auto emprego. E, então sim, olhar para o quociente acima referido e perceber o que vale a pena.

3. Assumir a instabilidade de tudo. Todos sabemos que nada do que consigamos é para sempre. Logo, a satisfação é sempre temporal. Mas se nada permanece e tudo muda, a  frustração deixa de ter sentido. Nesta alteração a máxima "desejar o melhor, afastar o pior e aceitar o que venha" parece fazer todo o sentido.

 E é mais ou menos assim, que cada um de nós, aqueles que permanecemos sãos, teremos podido conviver com a clausura, a contenção do afecto e o próprio trabalho faseado, tentando manter a ilusão de que tudo, um dia, voltará a ser o que era. O que é pura ilusão, porque nada voltará à anterior realidade. Mas eu sou das que acredito, que quando essa ilusão se desfizer, nós sberemos encontrar uma nova normalidade mais justa e solidária!


HSC

8 comentários:

Dalma disse...



HSC, este seu post é muito pedagógico, sim! Porém acho que não devemos ser demasiado incisivos quando dizemos “nada voltará a ser como dantes!” pois acho que a generalidade das pessoas precisa de um pouco de esperança, de sonhos...

Anónimo disse...

Adorei este texto. É saudável. Fez-me bem ler estas palavras e, acima de tudo, lembrar as ferramentas necessária para manter os mente sã (as quais também uso, nem sempre com a devida consciência de que as estou a utilizar). Daí a importância de as lembrar, principalmente em tempos difíceis como os que estamos a viver.
A Senhora é sempre uma inspiração e uma lição de vida.
Obrigada Drª. Helena! Não sabe o quanto a admiro.
Maria

Anónimo disse...

Novamente a mesma Maria. Desculpe colocar dois comentários seguidos. Só para dizer que: por norma não sou muito de frustrações nem de ilusões. Tenho os pés assente na terra. Mas sou um pouco ansiosa quando não posso realizar, hoje, aquilo que quero ou preciso. Não sou de consumismo, sei esperar por melhores dias. Mas esta situação que vivemos está a ser um pouco difícil de gerir. É uma situação nova para todos e, para mim assustadora pela força do contagio e transmissão que apresenta.
O seu texto fez-me bem. Obrigada
Maria

Anónimo disse...

Amazing!

Anónimo disse...

Gosto muito deste seu post, é de grande lucidez e importância. A incerteza, a capacidade de avaliação consciente das situações (e de autoavaliação) e não querer tudo já (imediatismo) são competências indispensáveis no séc. XXI. Por outro lado, não é isso que os media, as redes, a família e a escola (em geral) difundem. Tudo está à distancia de um click, tudo é medido em sucesso e insucesso, não é dado lugar à importância do erro, de que todos os processos «por dentro» precisam. Em Portugal, inicia-se projeto atrás de projeto, sem que nunca seja feita a avaliação isenta e fundamentada do anterior. Nunca gostei da palavra paciência, parece que incorpora uma dose de tédio. Mas isto sou eu que sinto em relação à palavra, porque estou de acordo com o conteúdo. Talvez substituísse a palavra por capacidade de aguardar o momento. Por exemplo, a flor tem o seu tempo para aparecer, um atleta, um bailarino, precisam de tempo para fazer-se, tudo é assim na natureza das coisas. Querer tudo já, é um traço infantil que hoje é cultivado em doses massivas.

Pedro Coimbra disse...

Somos dois optimistas.
O ser humano sabe-se adaptar.
Mesmo sem se aperceber que o está a fazer.
Tenha uma excelente semana

Ana maria disse...

Dra Helena os seus conselhos são tão difíceis de seguir mas tão óbvios. Qual a receita?

Anónimo disse...

Fiz o coment das 14:39

Talvez eu substitua paciência por perseverança.