domingo, 12 de março de 2017

Igreja: um retiro (2)

Há muitos anos que não fazia um retiro orientado. No tempo da Universidade, este tipo de prática religiosa durava três dias e era excessivo para reconfortar as almas mais impacientes das praticantes mais jovens. 
Mas eram muito úteis, porque nos obrigavam a centrar o pensamento de uma forma sistemática, naquilo que considerávamos ser mais importante para nós. Claro que havia sempre quem não aguentasse aquele tempo de silêncio e o tentasse furar. Mas isso tinha mais a ver com disciplina pessoal do que com os temas tratados.
E, confesso, há muito que me estava a apetecer renovar esta experiência. Consegui ontem, finalmente, fazê-lo em novos moldes, na Capela do Rato. Já não foram três dias mas sim perto de três horas, das quais duas são orientadas e a outra fica sob a alçada do que a alma nos pedir.
Na parte conduzida, Tolentino de Mendonça falou-nos, primeiro, da curtíssima vida de Etty Hillesum, desaparecida em 1943 com 29 anos e, depois, do seu doloroso caminho para Deus, que terminaria em Auschwitz. 
Na primeira hora serviu-se dos seus escritos para nos mostrar como somos aprendizes na arte de escutar e na de entrarmos dentro de nós próprios, ouvindo o nosso coração.  Em seguida ficámos livres uma hora para cada um deixar o seu espirito voar. Finalmente, na terceira parte havia de nos mostrar a difícil arte de ajoelhar, ainda através das palavras de Etty. 
A fechar aquele período de intimidade pessoal vivida em comunidade, a leitura do Evangelho de S. Mateus ilustrou como seria bom que todos pudéssemos ser como os lírios do campo e soubéssemos que, se primeiro procurarmos o reino de Deus e a sua justiça, tudo o mais virá por acréscimo.
Terminaríamos cantando em uníssono, o lindíssimo poema de Rainer Maria Rilke que transcrevo, numa tradução de Paulo Quintela:

                  Apaga-me os olhos, ainda posso ver-te
                  Tranca-me os ouvidos, ainda posso ouvir-te,
                  e sem pés posso ainda ir para ti,
                  e sem boca posso ainda invocar-te.
                  Quebra-me os ossos, e posso apertar-te
                  com o coração como com a mão,
                  tapa-meo coração, e o cérebro baterá
                  e se deitares fogo ao cérebro, 
                  hei-de continuar a trazer-te no sangue.

Cheguei a casa de alma lavada. Nunca o seu silêncio num sábado à tarde, sem ninguém á minha volta, me soube tão bem!

HSC

17 comentários:

Helena Sacadura Cabral disse...

Isabel, não publiquei o seu comentário, como me pediu, mas não posso deixar de lhe agradecer as suas palavras. Bem haja!

Virginia disse...


Já não sou praticante, nem acredito muito na pureza da Igreja Católica. Já há muito que deixei de ir à Missa, detesto os rituais, ainda na semana passada foi um sacrifício assistir à Missa de 7º dia do meu ex-marido. A cerimónia fúnebre no dia a seguir à sua Morte foi muito mais convincente, não houve Missa, foi mesmo uma celebração familiar em que os meus filhos e netos tocaram, falaram do Pai e só estavam presentes os que o tinham acompanhado nestes últimos meses. Ninguém estava por obrigação.
Quando era adolescente fui Presidente da JECF e fervorosa servidora da Igreja. Fui a vários retiros no Rodízio, local maravilhoso onde a contemplação do mar me enchia de contentamento. Adorava o silêncio, a paz que não tinha em casa com oito irmãos. Infelizmente, fui com o meu namorado e depois marido a um Curso do Mundo Melhor e tudo correu mal. Foi uma autêntica lavagem ao cérebro e o Manel que tinha muitas dúvidas ficou completamente contra o que ele chamava a clique snob dos Amigos dos Pobrezinhos, que vivem à grande a falar de caridade cristã. Nem casámos pela Igreja, o que foi um enorme desgosto para os meus Pais.Nunca mais fui à Missa, embora fosse a baptizados e casamentos da família.
Etty Hillesum foi extraordinária. Li os livros todos dela, cartas, diários e ainda livros sobre ela, pois dá-me uma enorme força. Mas não tem nada de católica...IMHO. :)

Helena Sacadura Cabral disse...

Virginia no mundo dos Homens - e a Igreja é feita de homens - há sempre os bons e os maus - mas isso não afecta aquilo em que possamos acreditar.
A Etty também não acreditava e, no entanto, caminhou para Auschwitz a cantar. Escolheu não fugir, sabendo que o podia fazer. E foi num campo de concentração, numa latrina horrível, que se ajoelhou perante Ele. Apesar de, antes, a sua vida ter sido bem diferente. Os desígnios de Deus são insondáveis e se, um dia, a Virgínia acreditou, quem sabe que caminho ainda irá percorrer?
Eu, por exemplo, comecei aos 20 e o caminho nem sempre foi fácil. Mas cá estou, pondo nas mãos d' Ele o meu destino.
Um abraço

Dalma disse...

"Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti" (ou aos que amas, acrescento eu) e é esse o lema que me guia!
D.

Anónimo disse...

É surpreendente a sua capacidade de fazer do dia a dia coisas tão diferentes.
Não sou praticante mas sou uma crente indisciplinada. E quando leio o que escreve, pergunto sempre como é que consegue mexer-se, envolver-se, estar atenta a campos e actividades tão diferentes. Acho que este seu post me vai fazer reflectir na minha espiritualidade.
Obrigada!

Pedro Coimbra disse...

Estudei durante alguns anos num colégio de Jesuítas.
E algumas vezes fazíamos uns passeios exactamente para limpar a alma, reflectir, trocar ideias.
E até rezar uma missa no meio de um pinhal se fosse essa a vontade de todos.
Assim se vivenciava a religião, se experenciava Deus.
Boa semana

Virginia disse...


Desculpe voltar a comentar, mas se não espero dos Homens a perfeição, esperava da Igreja como comunidade algo de exemplar, de místico, de verdadeiramente sublime. Cristo foi - se existiu - um Homem excepcional. Não vejo que a Igreja O imite, limita-se a aproveitar desde há 2017 anos a herança que Ele deixou, degradando a Sua Imagem, criando uma sociedade de elites, de beatos, de parasitas, de fariseus. Com excepções, claro.
Sou muito radical, Helena, e espero que não a magoe ou ofenda com as minhas opiniões. Em tempo frequentei a capela do Rato no tempo do Pe Alberto Neto, fui paroquiana e Amiga do Pe Felicidade Alves, prior dos Jerónimos que era amigo do meu Pai. Vivi toda essa transformação da Igreja nos anos 70. O meu tio foi pároco de Carcavelos durante anos.

A Igreja em Portugal não me convence, não é humilde, não é exemplo, vive do folclore deFátima que é um embuste na minha opinião.
Viver sem Fé é muito mais difícil do que acreditar em todas as promessas da Igreja. Aprendi com o meu ex-marido que morrer com dignidade, mesmo sabendo que é o fim de tudo, pode ser redentor.

Anónimo disse...


Helena
Gostava de ter estado presente, pelo que conta deve ter sido muito relaxante. O poema lindo.

Abraço
Carla

Anónimo disse...


Fui fazer uma pesquisa sobre os livros de Etty Hillesum, veja quem é mencionado nos agradecimentos, fiquei com vontade de comprar um livro dela.

http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/4667/1/12618.pdf

Carla

Paula Ferrinho disse...



Olá Helena:

Tive algumas experiências (poucas) dessas "tarde de deserto", como chamávamos e sim, era uma "lavagem de alma". Às vezes tenho vontade de repetir, esses momentos de encontro em que "olhamos para Ele" e Ele "olha para nós"...
Ah! Adorei o poema, Helena.

Um beijinho para si!

Helena Sacadura Cabral disse...

Virgínia, não me zango nada. Respeito-a como a Virgínia me respeita. Por isso pode aqui dar todas as suas opiniões.
Parece-me - quem sou eu para saber - estar zangada com a Igreja. Também já estive. Muito. Ainda tenho algumas divergências. Mas é a Palavra d'Ele, o seu exemplo e o exemplo de tantos que deram e dão a vida por Ele, que me sustenta.Abraço

Anónimo disse...

Dra Helena deve ter sido muito bom. Pode ir toda a gente?

Helena Sacadura Cabral disse...

Anónimo das 12.36
Creio que pode, desde que se inscreva e manifeste desejo de estar presente. E depois não falte tirando lugar a outro.

Anónimo disse...

Dra Helena
Talvez s´seja uma impressão minha, mas parece-me que começa a haver uma mobilização da sociedade para valores que se estavam a perder. Não falo em termos religiosos, falo de espiritualidade. E fico contente que a senhora se não importe de mostrar isso e de mostrar aquilo em que acredita. A mim, faz-me bem vir aqui ao seu blog porque se fala de tudo sem mesquinhez ou pequenos ódios.

free culture lisbon disse...

Virginia

Desculpe estar-me a meter na conversa, mas surpreendeu-me esta afirmaçao
" esperava da Igreja como comunidade algo de exemplar, de místico, de verdadeiramente sublime "
Pergunto-lhe, voce quando era activa servidora na igreja era sublime e exemplar?
O seu tio padre foi sublime e exemplar?
Os seus amigos que outrora eram sublimes e transcendentais ?
Os fieis que iam/vao á igreja eram exemplares e misticos ?
Sem querer ofender a si aos seus (e mesmo a mim)
Creio que não.
Que nenhuma destas pessoas é/era sublime, transcendental, exemplar.
Estas pessoas são/foram Igreja, não foram à Igreja, foram a Igreja( é diferente).


A Igreja é o homem Papa, os homens cardeais, são os homens bispos, os homens padres, os estudantes para padres que podem desistir no ultimo segundo, as Virginias, as Helenas, os sacristães , as famosas beatas, os fieis fervorosos e os fieis desligados.

Todas estas pessoas são a comunidade católica. Todas estas pessoas , desde ao Papa Francisco até ao adolescente que vai aos retiros só para estar com amigos.
Sao só pessoas, complexas, cheias de defeitos e qualidades, umas talvez mais evoluidas no sentido espiritual que outras.

O que eu quero dizer é que Igreja nunca poderia ser sublime nem transcendental em nenhuma fase da vida porque nem eu nem a Virginia o somos.


Um abraço .


Anónimo disse...

🌷

Anónimo disse...

Compreendo muito bem o que disse o Anónimo. A Helena não impõe nada mas tem a cboragem de se assumir como e. Creia que muitos leitores admiram a sua coragem e a diversidade dos temas que aborda. Quem quiser pode aprender muito consigo. Eu já aprendi,,