domingo, 30 de outubro de 2016

Cartas de amor




Acabei hoje de ler as cartas de Mitterrand a Anne Pingeot, mãe da sua filha Mazzarine, agora uma mulher de 41 anos. São centenas de epístolas que revelam o lado mais privado do homem que ocupou o mais alto cargo político na França.
A intimidade, quando revelada, tem sempre o duplo efeito de nos fazer participar de algo que não vivemos. E se, neste caso, isso pode ter um lado algo perverso, visto que se trata de um triângulo amoroso, noutras circunstâncias, pode ajudar a compreender melhor alguém de quem só conhecemos o lado público.
Anne Pingeot e François Mitterrand apaixonaram-se no começo dos anos sessenta. Nessa altura o político francês tinha 46 anos, era casado e pai de dois filhos, e ela tinha 19. Anne tornar-se-ia - nas próprias palavras de François - não apenas a sua amante, mas a mulher da sua vida. 
Esta relação intensa e de enorme cumplicidade, só se tornou pública em 1994, quando a revista Paris Match publicou fotografias do então Presidente da República a sair de um restaurante parisiense com a filha de ambos, Mazarine, nessa altura com 20 anos. Este “escândalo mediático” para a época foi, até então, bem protegido pela comunicação social que o conhecia desde há muito.
E se é verdade que Pingeot terá sofrido pelo silêncio que a rodeou e à sua filha, seguramente que a mulher oficial Danielle e os outros filhos não terão sofrido menos, já que chegaram a habitar em lados opostos no Eliseu.
O livro "Lettres à Anne", que saiu há cerca de quinze dias em França, deixou-me uma sensação estranha, que pouco tem que ver com conceitos morais – embora eles existam – mas que tem mais a ver com o homem e o conceito de família que estão por detrás daquelas cartas.
De facto, se esta mulher era assim tão importante, porque é que ele se não divorciou da primeira? Se esta filha foi o fruto desse imenso amor, porquê esconde-la tanto tempo dos olhares públicos? E porque é que todas estas personagens aceitaram desempenhar um papel que apenas Mitterrand impunha? Finalmente, o é que leva Anne Pingeot a publicar agora estas missivas, quando o seu amor morreu há vinte anos e a sua rival há cinco?
Estas são para mim as perguntas mais inquietantes. Da resposta a qualquer delas, depende, afinal, a ideia que façamos dos diversos intervenientes nesta história.
Que foi uma impressionante história de amor, parece evidente. Mas que tipo de poder tinha este homem, para que ela se tenha desenrolado deste modo?!

HSC


8 comentários:

João Menéres disse...

E há tantos casos assim com protagonistas desconhecidos do grande público !
Tudo terá uma explicação, logicamente.
E, por certo, para cada caso a razão variará.
E será que a ANNE PINGEOT saberá a razão de Mitterrand nunca se ter divorciado ?

Melhores cumprimentos.

Silenciosamente ouvindo... disse...

Os estranhos segredos sobre o que leva certas pessoas
a ter determinados procedimentos?
Eu tenho conhecimento de um caso que também envolve
2 pessoas que mantiveram um relacionamento durante
40 anos, não vivendo juntos, mas com contacto quase
diário ou por carta,telefone e mais tarde através
de computador, e se encontrando de vez em quando, ou
mesmo fazendo alguns dias de férias em conjunto.
Ambos casados com outras pessoas que sabiam da
situação e a aceitaram.
Vou tentar ler esse livro.
Os meus cumprimentos.
Irene Alves
Irene Alves

Helena Sacadura Cabral disse...

Caro João Menéres
Essa deve ter sido a questão que Danielle terá posto a si própria durante anos. Afinal que tipo de relação é que os unia de forma tão indestrutível, sabendo ela , como sabia, que Pingeot seria a paixão da sua vida?!
Estranha forma de amar a deste homem...

Maria Eugénia disse...

Escrever e publicar cartas de amor de um/uma amante não me agrada. Não estamos a falar de personagens de um romance, de ficção. Tudo isto foi real e naturalmente alguém sai magoado. Quais os motivos de nunca se ter separado apesar de um intenso amor pela outra? Só vejo uma razão: o seu interesse pessoal, a sua carreira em ascensão, os seus objectivos bem delineados, em suma, o seu egoísmo!
Bjs da Maria do Porto

Arakné disse...

talvez abrirmos a nossa mente e admitirmos que se pode amar mais do que uma pessoa e que cada uma pode trazer a felicidade à nossa vida de forma diferente. Ou talvez aceitarmos que o ser humano foge às regras e cada um é um universo e não pode ser entendido pelos outros. Finalmente, aceitar que se pode amar sem impor regras e apenas aceitar o que o outro nos pode oferecer sem se amputar a si próprio!!! e a verdade é que (se) amaram todos, que é o melhor da vida!!

Helena Sacadura Cabral disse...

Arakné
Compreendo o seu ponto de vista. Mas acha que esses amores partilhados não trazem também sofrimento?
Pelos vistos quem menos sofria era Mitterrand que usufruía o melhor dos dois lados...
Seria ele tão benevolente se as suas duas mulheres amassem um outro homem?!

Anónimo disse...

Um homem cobarde. Que não assume as suas decisões, que mente, que jura aor a duas mulheres. Uma mulher que sabe ser " a outra" e se cala anos a fio, e agora publica cartas para ganhar dinheiro e protagonismo. Não gosto. Não gosto.
Maria, 54 anos, Lisboa.

Anónimo disse...

''Mas acha que esses amores partilhados não trazem também sofrimento?''

Trazem sofrimento e de que maneira. Vivo uma situação semelhante. Todos os dias me interrogo por que razão a ''esposa'' não manda o marido porta fora. Por que consente ela nisto? E não têm conto as vezes que já mandei esse amor inigualável embora e outras tantas sempre o aceitei de volta. Vivemos o sofrimento duplamente, sendo o pior sofrimento o que resulta do julgamento de quem está de fora. E vivemos o drama de não ter resposta para as perguntas: por que vivo assim? Que direito tenho de mandar o amor embora? Se tanta gente quer viver um grande amor, por que me torturo assim, só porque o tenho?
Tenho uma grande amiga francesa que me relata casos de familiares seus e me diz que lá ninguém estranha, sobretudo ninguém sofre tanto como nós por cá. Inclusivamente, houve um caso em que, no funeral do dito, as mulheres se abraçaram e ficaram amigas.
E ninguém diga desta água não beberei, porque já vi por cá algumas morrerem pela boca, como o peixe.
Tenho ainda de comentar e acentuar a benevolência com que a Drª Helena apresenta o assunto. Bem se vê que tem uma mente aberta. E concordo quando pergunta: seria ele tão benevolente se uma delas amasse outro homem?
Termino, citando o comentário de João Menéres: ''para cada caso a razão variará''.
Um beijinho
Maria (naturalmente anónima) .