Acabei
hoje de ler as cartas de Mitterrand a Anne Pingeot, mãe da sua filha Mazzarine,
agora uma mulher de 41 anos. São centenas de epístolas que revelam o lado mais
privado do homem que ocupou o mais alto cargo político na França.
A
intimidade, quando revelada, tem sempre o duplo efeito de nos fazer participar
de algo que não vivemos. E se, neste caso, isso pode ter um lado algo perverso,
visto que se trata de um triângulo amoroso, noutras circunstâncias, pode ajudar
a compreender melhor alguém de quem só conhecemos o lado público.
Anne Pingeot e François Mitterrand apaixonaram-se no começo
dos anos sessenta. Nessa altura o político francês tinha 46 anos, era casado e
pai de dois filhos, e ela tinha 19. Anne tornar-se-ia - nas próprias palavras
de François - não apenas a sua amante, mas a mulher da sua vida.
Esta relação intensa e de enorme cumplicidade, só se tornou
pública em 1994, quando a revista Paris Match publicou fotografias do então
Presidente da República a sair de um restaurante parisiense com a filha de
ambos, Mazarine, nessa altura com 20 anos. Este “escândalo mediático” para a
época foi, até então, bem protegido pela comunicação social que o conhecia
desde há muito.
E se é verdade que Pingeot terá sofrido pelo silêncio que a
rodeou e à sua filha, seguramente que a mulher oficial Danielle e os outros
filhos não terão sofrido menos, já que chegaram a habitar em lados opostos no
Eliseu.
O livro "Lettres à Anne", que saiu há cerca de
quinze dias em França, deixou-me uma sensação estranha, que pouco tem que ver
com conceitos morais – embora eles existam – mas que tem mais a ver com o homem
e o conceito de família que estão por detrás daquelas cartas.
De facto, se esta mulher era assim tão importante, porque é
que ele se não divorciou da primeira? Se esta filha foi o fruto desse imenso
amor, porquê esconde-la tanto tempo dos olhares públicos? E porque é que todas
estas personagens aceitaram desempenhar um papel que apenas Mitterrand impunha?
Finalmente, o é que leva Anne Pingeot a publicar agora estas missivas, quando o
seu amor morreu há vinte anos e a sua rival há cinco?
Estas são para mim as perguntas mais inquietantes. Da
resposta a qualquer delas, depende, afinal, a ideia que façamos dos diversos
intervenientes nesta história.
Que foi uma impressionante história de amor, parece evidente.
Mas que tipo de poder tinha este homem, para que ela se tenha desenrolado deste
modo?!
HSC