segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Do lazer

Para mim, lazer rima quase sempre com prazer. Sobretudo de nada fazer, de deixar correr o tempo sem pensar que, na minha idade, é preciso, ainda, aproveitar o que me resta. Porque seja ele qual for, aquilo que menos me interessa será medi-lo, quantifica-lo, orçamenta-lo. O que verdadeiramente me motiva é, confesso, gastá-lo.
Os franceses têm uma expressão deliciosa para traduzir este sentimento. Chama-se "gaspiller le temps" que tem, para eles, uma conotação moralista que eu considero perfeitamente idiota. Porque é que alguém não há-de poder, se assim o decidir, "desperdiçar o seu tempo", que é algo de que é absolutamente dono e que não está sujeito a qualquer tipo de comportamento padrão?
Levei muito tempo a encarar o lazer como uma espécie de pecado, dominada que fui por um marcado sentido do labor como obrigação cívica. Sou uma viciada no trabalho - é o meu maior vício, ainda hoje - mas agora sei que tal acontece por duas razões. Uma, porque ele me proporciona o acréscimo de bem estar de que ainda não quero prescindir. Outra, porque o que faço me dá tanto prazer e é uma dádiva tão grande que só uma tonta se privaria dela. O que eu manifestamente não sou.
Assim, poder, à sexta feira, terminar cinco dias de intenso mas agradável labor prepara-me, por si só, para tirar do fim de semana todo o prazer. Que vai de cozinhar, a passear, a ler um livro, a divertir-me com amigos, a ir ao cinema, ou a estar estirada no meu terraço ao sol sem bugir nem dar pelas horas. Tudo ao sabor mais do apetite do momento do que de compromissos previamente assumidos. Ou seja, se, ao longo da minha vida, o trabalho foi o bem que mais valorei, o tempo havia de ensinar-me que a preguiça - afinal o seu reverso -, não só não tem menos importância do que ele, como o sentimento de culpa que judaicamente lhe atribuimos, não passa, afinal, de mera falta de visão de nós próprios e do mundo que nos rodeia.

HSC

8 comentários:

Fatyly disse...

Este seu texto vem ao encontro do que por vezes oiço e que me tira do sério: então o que faz? Nada, estou em casa e ou já sou reformada. Whatiiii?
Eu continuo a trabalhar e muito, não no que fiz durante quase 40 anos, mas no apoio aos netos e em casa. Quando tenho tempo para mim tento encontrar esse enorme prazer que descreve.
Não sei se me fiz entender!

Beijocas

Miss Smile disse...

Como eu concordo consigo. Citando uma amiga minha brasileira, "a vida é demasiado curta para deixar o churrasco só para o fim de semana".

Unknown disse...

Que delícia e inspiração!!

Anónimo disse...


Bom dia Helena!
Passei a agir dessa forma, praticamente há 2 anos.
E o tempo que nos resta, não sabemos porque a morte não escolha idades.
Também não consigo estar parada, gosto do que faço, no fim da tarde 1 horita de gym que me carrega as baterias, chego a casa com mais força, acredita?
Conto-lhe, que a viagem a Beja deu frutos positivos a minha madrinha estava bastante mal, segundo os medicos que a tinham visto antes, corria grave risco de ser operada e ficar assim também, quando a vi parecia moribunda mal falava, mas conheceu-me.
Consegui chegar ao director, contei-lhe o historial todo.
A partir de aí, foi um desenrolar de exames seguidos, até um tac, foi operada no espaço de +- 2 horas.
O Dr. Paulo director,foi de um profissionalismo, humanismo sem precedentes, fico feliz por ainda existirem pessoas assim!
A operação correu bem, está muito debilitada, mas o pior que todos temiamos já passou.
Houve, mais acontecimentos entre nós e o Dr.Paulo, que me fizeram sentir que o quanto humilde era, estou-lhe profundamente agradecida.
Não a canso mais, com as minhas coisas, vá visitar Beja depois de alguns anos em constantes obras está bonita, arrumada.
Não pude deixar de lanchar no Luis da Rocha sempre com os empregados tão amáveis, passear naquelas ruas que tanto gosto!

Opino igual :)

Porque seja ele qual for, aquilo que menos me interessa será medi-lo, quantifica-lo, orçamenta-lo. O que verdadeiramente me motiva é, confesso, gastá-lo.

Carla

Dalma disse...

Carla, fiquei confusa com o que escreveu (talvez por estar fora do assunto). Mas numa situação grave como parece ter sido a da sua madrinha, é preciso alguém ir de fora, falar com o Director do Hospital para que, como se por passe de mágica, tudo se resolver? Fiquei mesmo confusa! Ou será que com todas as restrições que existem volta a ser necessário ter uma " cunha" para alguém se interessar por nós?!

Virginia disse...


Ainda este fim de semana me dei ao luxo de gozar em pleno da minha liberdade.

Passei-o todo sozinha ( com o mundo) e não me aborreci minimamente.

O meu fim de semana - cinema ( Birdman), passeio a pé, futebol na TV, leitura de O Mandarim e visionamento da cerimónia dos Globos de Ouro 2015 foi preenchido e gostei de todos os minutos que disfrutei sozinha.

Já há muito que não estava sozinha ao fim de semana, poderá ter ficado deprimida, mas isso não aconteceu.

bea disse...

O ócio é fonte de muita coisa boa:)) e só é ócio por haver trabalho.

Mas toda a gente que afirma não fazer nada faz sempre muita coisa. Até por ser impossível "fazer nada" são termos contraditórios e suponho que se anulem mutuamente. Além do mais, o "nada" é uma coisa que nem existe e portanto nem sei se será uma coisa (se calhar não).

Não me parece assim tão importante que haja um trabalho com horário, cheio de tarefas e coisas para cumprir, e etc etc. Isto sem retirar o valor profissional de cada um ou a importância de haver uma profissão que nos deixe à tona.

O que me parece importante é que, em todas as idades, existam pojectos e espírito para os realizar. É indiferente a qualidade da tarefa, tomar conta dos netos, regar o jardim, arrumar... a alegria do trabalho bem feito e da sua utilidade é sempre a mesma. Seja a salvar o mundo ou a arejar a casa.

Eu gosto da expressão francesa. O que não penso é que o ócio seja desperdício de tempo. Mas há mesmo tempo desperdiçado.

Anónimo disse...

Dalma,
às vezes é a diferença entre a vida e a morte...
Hoje tenho a certeza que foi fundamental a minha viagem, temos que nos mexer, falar com a pessoa certa, acima de tudo a pessoa ter vontade, querer ajudar, ser sensível, humana...
Tivemos sorte, mas mais sorte a minha madrinha, que está viva a recuperar lentamente...
Só tenho pena e fico triste, que alguns dos doentes não tenham essa sorte, acabando por morrer por falta de assistência...
Faço um esclarecimento, o Director era do Serviço de...,não do hospital.

Carla