sábado, 9 de novembro de 2013

Não descer abaixo da razão

"Aristóteles definiu o homem como "animal que tem logos" (razão, palavra). Daí vem a definição tradicional do homem como animal racional.
…É por isso que o mundo é investigável e inteligível: foi criado pelo Logos. Isto significa também que o homem se deve orientar pela razão.
…Por conseguinte, não é bom descer abaixo da razão. Mas que tantas vezes se desce abaixo da razão - disso não há dúvida. Exemplos quotidianos um pouco a esmo. Não é segundo a razão, enquanto um banco se afundava a ponto de ter de fechar, haver salários milionários para alguns.
Não está de acordo com a razão a austeridade não ser equitativa: continuam as mordomias, os privilégios, o número de multimilionários aumenta. Não é segundo a razão ter vivido na euforia gastadora irracional e esbanjar recursos à toa ou para vantagem apenas de alguns, espoliando o bem comum.
Não é segundo a razão ter aberto instituições de ensino superior de modo cego. Não é por apelidar alguém de "pulha", "bandalho", "estupor", mesmo que o seja, que se tem mais razão. 
Sempre considerei que a universidade deveria ser o lugar da razão, o Parlamento das razões. Ora, isso é incompatível com o que se vê frequentemente, nomeadamente, nas festas académicas dos estudantes.
…Uma coisa é o humor crítico, sempre saudável, porque é expressão de inteligência; outra é a descida à noite da irracionalidade e da estupidez.
…A internet é um meio gigantesco ao serviço da comunicação e transmissão de saberes e informações. Mas quem algum dia passou os olhos pelos comentários que por lá viajam percebeu até onde podem descer a ignorância estúpida, o ódio vil, a malvadez. Lá estão aqueles que, escondidos cobardemente no anonimato e descendo abaixo da razão, vomitam o que têm: boçalidade, obscenidades, loucuras putrefactas. De tal modo, que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de Estrasburgo acaba de dar razão à justiça da estónia, que condenou um site da internet por causa do conteúdo ofensivo dos comentários dos leitores e responsabiliza pela primeira vez os media online por tudo o que neles apareça, incluindo os comentários.
Quando tudo parece desabar, é preciso manter alguma serenidade e nunca descer abaixo da razão. A situação do País é de uma gravidade só comparável à de situações extremas ao longo da sua história.
…Vive-se numa perplexidade paralisante face a um futuro sem metas fiáveis e credíveis, sem horizontes. O pior. Neste contexto, não se entende que os primeiros responsáveis pela condução do País - governo e oposição - não se encontrem para, pondo de lado os interesses partidários, dialogar e encontrar um consenso mínimo de entendimento quanto ao que se quer e ainda se pode fazer pelo futuro. Uma vida não reflectida, sem o uso da razão, sem ética, não é digna de ser vivida, disse Sócrates".

O excertos que publico acima são da crónica de hoje do Professor Anselmo Borges, no Diário de Notícias na qual se abordam questões que, a meu ver, preocupam muitos de nós e merecem uma séria reflexão.

HSC

12 comentários:

João Menéres disse...

Muito obrigado por me ter facultado este texto.
De outro modo não o teria lido, pois não sou leitor do DN.
Ainda bem que não sou só eu a assim pensar.

Melhores cumprimentos.

Helena Sacadura Cabral disse...

João Menéres
Veja a coincidência. Eu deixei de ser leitora do DN há uns anos. Hoje na net consultei-o por razões de trabalho e dei com esta crónica!
Depois fui aprofundar e vi que Anselmo Borges é Prof na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e Padre, com muita obra publicada.
"Não há coincidências", de facto!

João Menéres disse...

De facto é muito curioso, H. S. C. !

Bom Domingo.

Teresa Peralta disse...

"O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos de Estrasburgo acaba de dar razão à Justiça da Estónia, que condenou um site da internet por causa do conteúdo ofensivo dos comentários dos leitores e responsabiliza pela primeira vez os media online por tudo o que neles apareça, incluindo os comentários."

Ora aqui está um bom exemplo, no sentido de balizar as más atitudes e, educar para a ética, razão e justiça, na Liberdade...

Quanto ao consenso e diálogo, que deveria existir, em prol de um futuro melhor. Não sei, não, Helena, parece-me que o particular e sectário, continua, em "espiral contínua", a prevalecer sobre o Geral, onde estaria o bem da Nação.
E..., continua a Saga....

Abraço grande, Helena, com esperança num futuro melhor...

Maria Porto disse...

Dividiram os animais em racionais e irracionais, sendo que o Homem é racional.
Mas não, o Homem também é irracional mas, com uma única diferença : é o único a ter acesso à razão!
Sendo assim, explica-se muita coisa sobre o comportamento humano...

Helena Sacadura Cabral disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Helena Sacadura Cabral disse...

Teresa
Eu tenho o mesmo receio que a minha amiga, o que talvez explique a "aversão partidária" que sinto e que determinou que tivesse decidido deixar de votar.
Se nenhum partido me satisfaz e em nenhum acredito, como é que posso honestamente votar?!
É por isso que a abstenção tem vindo a aumentar e os partidos se tornaram centrais de empregos para os amigos. E esqueceram o fim para o qual foram criados...

José Sousa e Silva disse...

Irretocável !
Esta "jente" (de Juventudes Partidárias) não presta !!!

Fatyly disse...

Dª. Helena reflectir todos reflectimos porque temos sentido na pele a "pouca vergonha política" de décadas...mas como fazer-lhes ver isso?

Criam sites oficiais como o portal do governo, para falar com...alguém lê e ou responde? Muito ocupados nos interesses partidários e querem lá saber do povo que lhes pagam o ordenado. Como em tudo há excepções...mas a meu ver em apenas quase 3 anos desta governação, PERDEMOS QUASE TUDO O QUE CONQUISTAMOS E EVOLUIMOS NOS ÚLTIMOS 30 ANOS.



Anónimo disse...

Mas, Professor Anselmo Borges, eu que gosto muito das suas crónicas, pergunto: Hoje, no passado e no futuro, quando é que, em Portugal, se admite que haja um entendimento com o governo e oposição. Isso é utopia! Os Portugueses são isso mesmo...

Ricardo Pereira disse...

mas o preocupante é que os nossos governantes não são destituídos de razão , nem mesmo os abjectos partidos que eles representam! O que acontece é que se gerem por uma razão que simplesmente não é "coincidente" com a razão da maioria do comum dos cidadãos- que por ironia os elegeu-, razão essa apensa a uma lógica/razão de subserviênca partidária. Para quando o fim deste ciclo?

Teresa Peralta disse...

Helena
A minha verdadeira preocupação vai para o possível desfecho de toda esta situação, provocada por certos “miúdos grandes, à solta...” que não conseguem perceber as consequências que a teimosia pode acarretar. O País está arruinado, de modo que, sem esforços conjuntos, não vai ser possível alcançar sucesso em nenhum campo... A Partidarite pode até resultar numa necessidade premente de destruição das tão queridas liberdades, pela sobrevivência nacional. Para mim, muito sinceramente, a necessidade está a ir nessa direcção. Começam a não existir mais teorias que operem na alteração do estado de ruína onde “todos ralham e ninguém tem razão”...
Um grande abraço para si