segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Pais e filhos

Em condições normais compete aos pais educar e proteger os filhos, dentro daquilo que são as suas capacidades e competências. E cabe ao Estado, através das instituições adequadas, instruir e formar. Nem a este, nem aos primeiros, compete "formatar", como muitas cabeças pensantes parecem defender. A sociedade é o terceiro pilar no qual assenta uma função muito respeitável, que deve ser a de nos ajudar a conviver apesar das nossas diferenças.
Estes três pilares não têm, ao longo da vida, sempre a mesma importância. Os filhos, uma vez adultos estarão, em principio, educados e instruídos, pelo que o papel do Estado e dos ascendentes diminuirá e a influencia da sociedade aumentará.
Em muitos casos, infelizmente, isto não acontece e nalguns, mesmo, os filhos viram pais dos seus, por necessidade destes últimos. As razões podem ser muito variadas mas, pessoalmente, julgo que esta situação será muito dolorosa para todos e não pode deixar de atormentar quem nela se incluir.
Mas tão lamentável quanto o quadro que acabo de descrever, é aquele que começa a surgir, nestes tempos de novas tecnologias, em que nem pais nem filhos sabem qual o seu papel. Sempre fui muito amiga dos meus filhos mas, antes disso, era e sou mãe deles e nunca admiti confusões nesta matéria. Nem antes, nem hoje. E se há algo que preservo, para além da intimidade é o respeito a que deles tenho direito e do qual não prescindo.
Se os pais incitam os filhos a comportar-se como vedetas televisivas, não estão a protege-los, nem podem, depois, vir censura-los pelas atitudes que tomem para atingir esses fins. Ora, cada vez mais, se assiste a uma "formatação" paterna que é uma transferencia para as crianças daquilo que os pais gostariam de ter sido, ou, pior, que entendem que os filhos devem ser. 
Quando assisto, por acaso, a certos programas televisivos ou quando venho para casa mais tarde e vejo adolescentes, no fim de semana, a  - "emborcarem" - é o termo , copos seguidos de cerveja, pergunto onde, raio, estarão os pais destas crianças e como é que podem dormir descansados!
Tentei dar aos meus a liberdade que considerava justa, mas vivi muitas vezes a angústia do que eles pudessem fazer com ela. E, também, algumas vezes, a minha liberdade foi cerceada por eles terem uma idade em que, eventualmente, não percebessem o uso que eu fizesse dela. Não me arrependo nada, porque ser pai e ser mãe, se impõe limitações, também ajuda a formar a identidade de cada um. E eu devo-lhes bastante!

HSC


6 comentários:

Anónimo disse...

Dra Helena
Mais uma vez, um texto exemplar.
Sou pai de filhos adolescentes e "sofro" com a "liberdade condicionada" que lhes dou e que tento que eles compreendam. Não é tarefa fácil para um homem que ficou sozinho e portanto tem poucas ajudas. Até agora tudo se tem encaixado. Mas o mais velho tem 20, a filha tem 18 e entende que deve ter a mesma liberdade que o irmão. Terá, mas o mundo não é perfeito. Nem eu.
Como admiro a sua frontalidade, porque calculo - conheço o Pai deles - que não lhe deva ter sido fácil educar sozinha dois rapazes!

Henrique Fonseca

Pedro Coimbra disse...

Duas entrevistas, ambas com o Herman, que me ficaram na memória.
Uma sua, outra do seu filho Paulo.
Numa e noutra o traço comum - o papel dos pais e o respeito que os filhos devem ter aos pais.
É isso que procuro no meu dia-a-dia com as minhas filhas.
Com choques inevitáveis.
Que não devem ser evitados, devem ser ultrapassados.

Anónimo disse...

Completamente de acordo consigo, Drª Helena.
Durante a vida estamos constantemente a ser postos à prova e confrontados com as nossas escolhas, opções e tomadas de posição. E nessa equação entram os nossos critérios, a nossa consciência e os nossos princípios.
Transmitir isto aos filhos é fundamental. E ensinar-lhes que Liberdade em si mesma, não existe, mas apenas enquanto conceito, portanto uma abstracção. O que temos "concretamente" é o LIVRE ARBÍTRIO, ou seja, a possibilidade de fazer escolhas livremente, dentro de certos limites: os do compromisso e da responsabilidade.
Com os melhores cumprimentos
GL

Anónimo disse...

Felizmente hoje as mães, em vez de embarcarem nos mitos cor de rosa da maternidade, e na pressão para que caber na forma desses mitos, começam a estar conscientes dos seus verdadeiros sentimentos, positivos e negativos. E só tendo consciência da sua verdade das coisas é que podem apoiar melhor os seus filhos.
Um dos maiores problemas hoje, é o stress dos pais no dia a dia, a voragem desde que acordam até que se deitam, a luta diária pelo ter, a dificuldade em ser e estar. E isso, como tudo, vai ser absorvido pelos filhos. Para sabermos transmitir calma aos nossos bebés, temos saber como acalmar-nos.

Anónimo disse...

Por vários motivos, alguns acontecimentos na família, fui uma criança entregue a si mesmo. Ainda bem que nunca me deu para me meter em complicações graves. Mesmo assim fiz alguns disparates por falta de orientação, que só me prejudicaram a mim. Só mais tarde consegui perceber o que se passava comigo e hoje sei, por experiência própria, que a orientação de uma criança, a marcação de limites, a construção de valores, é muito importante. Doutro modo a criança fica ansiosa, à deriva, como eu fiquei, e perde tempo nessa deriva (que no meu caso era mais interna do que externa) que não leva a nada, ou melhor, leva sempre ao ponto de partida. É como andar às voltas, durante horas, para chegar a um local que, afinal, fica a vinte minutos. E nalguns casos pode até levar a caminhos de autodestruição. Só mais tarde, consegui viver de forma mais tranquila, mas durante a infância, a adolescência, jovem adulto, desperdiçava muito tempo e energia, esgotava-me, Chegava a ficar exausto, queria agradar a todos, porque nunca tive ninguém que me orientasse, com quem pudesse contar. Uns passavam-me a mão pela cabeça, outros davam-me um berro, outros davam-me uma palmada, outros davam-me um elogio, outros um raspanete, tudo de passagem, tudo sem sentido.

Anónimo disse...

Uma palavra caída em desuso: bondade.
E, no entanto, quanta coisa cabe dentro desta palavra tão esquecida...
Porque é que já não se ensina aos filhos e netos a serem simplesmente bons?
Tudo seria tão mais fácil, pois o "resto" vinha por acréscimo.

A pouco e pouco vai-se perdendo o sentido da poesia poesia...