«A minha sede é
a minha bem-aventurança»: Décima e última meditação do P. Tolentino Mendonça ao Papa.
As bem-aventuranças e o estilo de vida dos
crentes e da Igreja estiveram no centro da meditação com que na manhã desta
sexta-feira o P. José Tolentino Mendonça concluiu os exercícios espirituais
para o papa e a Cúria Romana.
As bem-aventuranças, chamamento
existencial
Nesta décima meditação, o biblista vincou
que as bem-aventuranças são mais do que uma lei, representando uma
«configuração da vida», um «verdadeiro chamamento existencial».
Elas traçam «a arte de ser aqui e agora»,
ao mesmo tempo que apontam para o «horizonte da plenitude escatológica», ou
seja, o tempo eterno após a morte, para o qual convergimos.
Por outro lado, as bem-aventuranças são
igualmente o «auto-retrato de Jesus mais exato e fascinante», a chave da sua
vida, «pobre em espírito, manso e misericordioso, sedento e homem de paz, com
fome de justiça e com a capacidade de acolher todos».
As bem-aventuranças são «a imagem de si
próprio que Ele incessantemente nos revela e imprime nos nossos corações. Mas
são também o seu retrato que nos deve servir de modelo no processo de
transformação do nosso próprio rosto, no qual devemos aprofundar a “imagem e
semelhança” espirituais que liga cada dia o nosso destino ao destino de Jesus»,
sublinhou o poeta e ensaísta.
Não a um cristianismo de
sobrevivência
A sede de Deus é fazer com que «a vida das
suas criaturas seja uma vida de bem-aventurança». Como? Resgatando as nossas
vidas com um «amor» e uma «confiança» incondicionais. É este o seu «método», é
esta a «bem-aventurança» que nos salva. É este «espanto do amor que nos faz
começar de novo», esta «sede» que nos consegue arrancar do «exílio a que
fizemos aportar a nossa vida».
«Por isso não nos basta um cristianismo de
sobrevivência, nem um catolicismo de manutenção. Um verdadeiro crente, uma
comunidade crente, não pode viver só de manutenção: precisa de uma alma jovem e
enamorada, que se alimenta da alegria da procura e da descoberta, que arrisca a
hospitalidade da Palavra de Deus na vida concreta, que parte ao encontro dos
irmãos no presente e no futuro, que vive no diálogo confiante e oculto da
oração», apontou o P. Tolentino Mendonça.
É urgente «redescobrir a bem-aventurança
da sede»: a pior coisa para um crente é «estar saciado de Deus». Pelo
contrário, felizes aqueles que «têm fome e sede de Deus»: a experiência da fé,
com efeito, «não serve para resolver a sede», mas para «dilatar o nosso desejo
de Deus, para intensificar a nossa procura. Precisamos, talvez, de nos
reconciliar mais vezes com a nossa sede, repetindo a nós próprios: “A minha
sede é a minha bem-aventurança”».
A Igreja como Maria: escuta,
honestidade, serviço
Foi ainda à Igreja que o primeiro diretor
do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura se dirigiu na última parte da
meditação, dedicada à «bem-aventurança» de Maria, mestra e modelo dos católicos
a caminho
É importante não olhar para a
bem-aventurança de Maria em «chave abstrata», mas «real e concreta». O seu
diálogo com Deus, no momento em que o anjo lhe anuncia que Deus lhe propõe ser
mãe do seu Filho, «é franco», não deixa de fora emoções, surpresas e dúvidas,
até à confiança incondicional e ao seu sim. Deus salva-nos não «apesar de nós,
mas com tudo aquilo que nós somos», e isso faz-nos «enfrentar a vida com
renovada confiança».
O estilo mariano deve ser o modelo
inspirador do viver: Maria acolhedora, que escuta e está «aberta à vida»; Maria
«honesta» na sua relação com Deus; Maria «ao serviço» de um projeto maior. Sem
Maria, concluiu o P. Tolentino Mendonça, a Igreja arrisca «desumanizar-se»,
tornar-se «funcionalista», uma «fábrica febril incapaz de parar».
Após a reflexão, Francisco agradeceu ao
sacerdote português a pregação no retiro quaresmal que desde domingo decorreu
em Ariccia, a cerca de 30 km do Vaticano (vídeo no fim do artigo).
A Igreja é chamada a abrir-se «sem medos,
sem rigidez», a ser suave «no Espírito» e não mumificada em «estruturas que a
fecham», afirmou o Papa ao agradecer pessoalmente ao P. Tolentino Mendonça.
O pontífice expressou o seu agrado pelo
facto de o pregador ter falado da Igreja como um «pequeno rebanho», que,
todavia, não pode ficar ainda mais pequeno com «mundanidades burocráticas».
Para Francisco, a Igreja, «não é uma
gaiola para o Espírito Santo», porque este «também voa do lado de fora e
trabalha» nos «não crentes, nos “pagãos”, nas pessoas de outras confissões
religiosas», dado que Ele é «universal, é o Espírito de Deus, que é para
todos».
Gabriella Ceraso/Vatican News,
Barbara Castelli/Vatican News Trad. / edição: SNPC