terça-feira, 30 de setembro de 2014

Colateral


As salas de velório têm sempre aquela luz coada, pensavu. Daí que não fosse fácil perceber quem eram os familiares junto ao caixão. Estavam todos vestidos de preto e a viúva só poderia ser uma das duas loiras que mais apertos de mão e beijos na face recebia.
Mas Laura não tinha a certeza. E também não era para apresentar pêsames que ali estava. Apenas queria ver quem era a mulher que havia ficado sem o marido. Sentia-se, hoje, nesse direito. Afinal, durante duas décadas nunca tentara fazê-lo, embora não lhe faltasse a vontade. 
A sala começava a encher-se. Mas ela não arredava pé. Queria mesmo ver quem era a rival. Apesar de nenhuma das loiras ter ar de chorar o defunto, alguma delas devia ser. Estava nestas lucubrações, quando alguém lhe bateu no ombro e perguntou:
- Pode lembrar-me, por favor, o nome da viúva?
- Coralina, respondeu.
- É da família? 
- Não propriamente. Sou colateral.
- Ah! Os meus sentidos pêsames!

HSC

O que se diz por cá

"... A esquerda à esquerda do PS olha para Costa com uma invulgar agressividade porque receia a atracção do “voto útil” que Costa poderá representar para o seu eleitorado. O efeito “eucalipto” que Costa pode representar para a esquerda, fazendo o deserto à sua volta, preocupa BE e PCP e não só.
Pelo meu lado, penso que a política precisa de políticos inteligentes, honestos e comprometidos com a causa pública e que o país só tem a ganhar se houver partidos dirigidos por pessoas com ideias e a coragem de definir objectivos ambiciosos e construir consensos. Costa pode ser um desses líderes, se tiver a coragem de fazer a revolução social-democrata que o PS nunca fez e se tiver a coragem de fazer uma política que ponha a justiça à frente da finança. O PS nunca o fez antes, fascinado como sempre foi pela realpolitik, e é pouco provável que o faça agora, mas essa seria a única justificação para a sua existência."

                  
                     José Vitor Malheiros in jornal Público, hoje

HSC

Sabores com Histórias


Maria de Lourdes Modesto - a quem devo tudo o que sei de cozinha e de quem sou amiga e admiradora - acaba de lançar um novo livro intitulado Sabores com Histórias (Alimentos, Preceitos e mais de 60 receitas). 
Admirada por várias gerações ela é a inspiradora dos melhores chefs da actualidade e consegue reunir à sua volta uma unanimidade verdadeiramente invulgar.
O novo livro revela várias curiosidades sobre pratos e ingredientes e inclui conselhos de confecção que fazem parte da nossa memória colectiva. Mas é também um livro de receitas. Precisamente sessenta – de entradas, de peixe, de carne, de massas e de doces - com o selo da qualidade a que a autora sempre nos habituou. 
Maria de Lourdes Modesto iniciou a sua carreira televisiva em 1958, apresentando ao longo de doze anos, o mais popular programa culinário de que há memória no país. Foi, sem sombra de dúvida, a pioneira portuguesa do live cooking e a primeira profissional a ter um programa no horário nobre da TV nacional.
A sua paixão pela cozinha alentejana, levou-a a alargar horizontes e a estudar a culinária francesa e as nossa tradições gastronómicas. Conhecida, entre nós, como a Diva da Gastronomia Portuguesa, veria o seu nome agraciado em 2004 com a Comenda da Ordem do Mérito.  
Adepta da simplicidade na cozinha e na vida pessoal, Maria de Lourdes Modesto é, para mim, um exemplo de como se pode ter sucesso sem, jamais, perder de vista os valores essenciais!

HSC

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O primeiro dia...


Costa, tem agora dois desafios importantes pela frente. O primeiro será unir e mobilizar todo o partido, depois de uma campanha pontuada por fortíssima acrimónia entre os dois candidatos. Mas aqui a promessa de poder costuma unir as hostes. E Seguro acabou por lhe facilitar a tarefa esta noite, saindo do palco. Fez o que devia e tinha prometido.

Mais complicado vai ser o outro desafio que Costa tem pela frente: combater algumas tendências centrífugas no PS, que estão a marcar os partidos da família europeia a que pertence. É que o fascínio por novas forças partidárias, com novos protagonistas e um discurso mais radical, constitui um problema sério para socialistas moderados como, no fundo, e por estranho que pareça, acredito que Costa será.

Passos deve retirar daqui, também, as devidas conclusões. O que se passou no PS, muito possivelmente ditará o que irá passar-se no país até às próximas eleições. É que as consequências ultrapassarão o ambito da política partidária e pesarão bastante nas coligações que venham a revelar-se necessárias, já que as maiorias absolutas, no actual quadro económico e financeiro, serão cada vez mais difíceis de alcançar.
E se, como disse Costa hoje, este foi o primeiro dia do fim deste governo, ele será também o primeiro dia do seu caminho para Primeiro Ministro. Não sei se será Pedro ou António quem terá a tarefa mais difícil...

HSC

domingo, 28 de setembro de 2014

Porquê?!


Nunca percebi porque é que George Clooney e Brad Pitt exercem tanto fascínio no meio feminino. Nem como actores, os julgo especiais. 
Mas, não há dúvida que mexem com as almas românticas. Um mostra ao mundo a mulher e os seis filhos de várias nacionalidades. O outro desafia causas em voga.
Ambos resolveram casar na mais luxuosa pompa e circunstância, à maneira americana e na Europa. Um em França, o outro em Itália. Num belo exemplo de como o dinheiro pode ser afrodisíaco. E todos ficam emocionados. Porquê, pergunto eu?!

HSC

sábado, 27 de setembro de 2014

Ser homem e ter 40 anos



"...Felizmente já tenho 50 - mas calculo que ter 40 anos nos dias de hoje deva ser um caos e uma tortura: tem de se ser másculo mas sensível, sem pêlos mas com barba, ginasticado mas nem sempre musculado. E o pior não é isso - o pior é que somos todos, mais velhos e mais novos, uns cobardolas, não nos chegamos à frente e não dizemos realmente o que pensamos e sentimos.
Sofremos com as exigências, as queixas, a mania absurda da saúde, e ainda temos de levar com pessoas, como uma das minhas amigas mais expansivas, numa vaga desconfiança de que todos os homens são gays."
            
             Pedro Rolo Duarte, in http://pedroroloduarte.blogs.sapo.pt

Hoje, ao ler esta frase do meu amigo Pedro, não pude deixar de lhe dar toda a razão. Desde que apareceram os metrosexuais, a vida do sexo oposto tornou-se um inferno. No príncípio fomos nós que, para nos afirmarmos, copiámos o modelo masculino. Agora, são eles que parecem precisar dos nossos hábitos, para se afirmarem num mundo que já não é, afinal, só seu. Valerá, mesmo, a pena?!

HSC

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O sofrimento

Quando se perde um filho, nada do que depois possa acontecer-nos tem grande importância. E talvez só esta hierarquização do sofrimento, explique que eu por cá continue, tentando levar a minha vida por diante, com um sorriso nos lábios.
Infelizmente este ano de 2014 tem martirizado vários amigos meus. São doenças, são desilusões, são fracassos, são perdas. A que se junta, há que dize-lo, um clima social de tensão quase permanente, que corporiza o velho ditado " casa em que não há pão, todos ralham e ninguém tem razão".
Talvez porque me julguem mais sadia ou mais forte - sabe-se lá o que os outros pensam de nós - a verdade é que muitos deles me procuram e desabafam as suas mágoas. É uma prova de confiança que me dão, mas à qual só posso responder com a minha experiência pessoal. Fiz análise, julgo conhecer-me um pouco melhor do que antes dela, mas o sofrimento é, sempre, um domínio profundamente solitário. Diria mesmo que é a área mais solitária da nossa vida.
Partilha-lo é, para alguns, uma catarse absolutamente indispensável. Para outros, ao contrário, é algo de impensável, se a dor for muito profunda. Chorar talvez seja para esta última categoria, a solução possível. Só que não chora quem quer, mas sim quem pode. E, sei-o, nem sempre é fácil, nem sempre é possível.
Porém, há algo que todos podemos fazer. É rodear de carinho, de interesse pessoal, de solidariedade, todos aqueles que estão em sofrimento. E não deixar para amanhã um telefonema, um mail, uma visita, enfim, até uma oração. O sofrimento dos outros pode ser, também, um dia, o nosso...

HSC

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

José Tolentino de Mendonça



José Tolentino de Mendonça foi indicado para integrar o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV).
O lugar que agora vai ser ocupado pelo padre José Tolentino de Mendonça foi deixado vago pela saída do presidente do CNECV, o médico Miguel Oliveira da Silva, nomeado pelo Governo para dirigir clinicamente o Hospital de Santa Maria/ Pulido Valente, em Lisboa, na sequência da demissão de Maria do Céu Machado.
Todos os que, como eu, admiram o padre, o homem e o poeta, terão decerto ficado muito satisfeitos com tal proposta.
HSC

Ainda a Patrícia


Acabei há umas horas de ler o livro da Patricia Reis e preparava-me para escrever sobre ele. Mas, no Delito de Opinião, o Luis Naves postara, hoje, o belo texto que se segue e me permiti roubar.
Fiquei sem jeito. Tudo o que eu dissesse sairia menos bom. E eu não queria. Assim, aqui ficam as palavras dele. As minhas virão quando estas me sairem da cabeça!

"No mais recente livro de Patrícia Reis, O que nos Separa dos Outros, o narrador tem 54 anos. Eu tenho 53 e, tal como o protagonista, vejo com espanto e certa melancolia os efeitos do tempo na vida que passa.
A afinidade entre leitor e livro é um encontro feliz a que chamamos habitualmente qualidade literária. Por isso decidi escrever esta nota de leitura. A novela foi ontem apresentada em Lisboa, lê-se sem dificuldade, sinal inconfundível de boa escrita. A autora escolheu uma forma simples, o monólogo interior, mas o tema é complexo: perda, sensação de fracasso, a ideia de que se gastou uma vida inteira para quase nada. O narrador, um professor de escrita ou talvez escritor falhado, enfrasca-se em Macau a observar a empregada chinesa de um bar anónimo, a falar com ela em imaginação (como se a rapariga pudesse perceber as palavras dele). Temos ali o cansaço e o desencanto, a impossibilidade de comunicar, a fantasia sobre a vida dos outros.
O livro de Patrícia Reis tem uma escrita transparente e despretensiosa, sem floreados ou excesso de imagens, deixando aos leitores amplo espaço para imaginar as omissões do enredo. Em O Que nos Separa dos Outros por causa de um copo de Whisky (na versão longa do título) há pequenas passagens de grande intensidade dramática e personagens apenas esboçadas, mas que sentimos em toda a sua riqueza humana. A mãe do narrador, por exemplo, que vemos aflita durante um funeral e depois, senil, num lar de idosos: “Quando se vê ao espelho, será que pensa em alguma coisa?”. Ou o falecido irmão, um solitário, cujo desespero nunca chegamos a perceber.
O narrador, silencioso e fatigado, observa uma chinesa ligeiramente estrábica, tenta adivinhar a vida dela e vai desfiando memórias, num fluxo de pensamento falsamente aleatório. Por vezes, interroga-se sobre a personagem muda que julga observar: “Não consigo perceber que idade tens. É intrigante”. Em ruído de fundo da sua mágoa está o suicídio do irmão (que talvez seja acidente), o casamento nulo e a falta de amor, o desaparecimento do pai (porventura outra história complicada).
A escritora conseguiu ligar os diferentes fios da intriga num conjunto harmonioso e um leitor não pode deixar de sentir a solidão destas figuras dispersas. A melhor paisagem para confessar o que ninguém ouve é um lugar estrangeiro. Num bar do outro lado do planeta, na companhia de um copo de whisky, a personagem tenta recordar o que durante a inexorável passagem do tempo se perdeu na sua vida: “Esse desconhecido é-me confortável. Faço o copo rodar na minha mão, as pedras de gelo a diluírem-se, e tenho pena dessa morte lenta da água”.

HSC