Acabei há umas horas de ler o livro da Patricia Reis e preparava-me para escrever sobre ele. Mas, no Delito de Opinião, o Luis Naves postara, hoje, o belo texto que se segue e me permiti roubar.
Fiquei sem jeito. Tudo o que eu dissesse sairia menos bom. E eu não queria. Assim, aqui ficam as palavras dele. As minhas virão quando estas me sairem da cabeça!
"No
mais recente livro de Patrícia Reis, O que nos
Separa dos Outros, o narrador tem 54 anos. Eu tenho 53 e, tal como
o protagonista, vejo com espanto e certa melancolia os efeitos do tempo na vida
que passa.
A
afinidade entre leitor e livro é um encontro feliz a que chamamos habitualmente
qualidade literária. Por isso decidi escrever esta nota de leitura. A novela
foi ontem apresentada em Lisboa, lê-se sem dificuldade, sinal inconfundível de
boa escrita. A autora escolheu uma forma simples, o monólogo interior, mas o
tema é complexo: perda, sensação de fracasso, a ideia de que se gastou uma vida
inteira para quase nada. O narrador, um professor de escrita ou talvez escritor
falhado, enfrasca-se em Macau a observar a empregada chinesa de um bar anónimo,
a falar com ela em imaginação (como se a rapariga pudesse perceber as palavras
dele). Temos ali o cansaço e o desencanto, a impossibilidade de comunicar, a
fantasia sobre a vida dos outros.
O livro de Patrícia Reis tem uma escrita transparente e
despretensiosa, sem floreados ou excesso de imagens, deixando aos leitores
amplo espaço para imaginar as omissões do enredo. Em O Que nos Separa dos Outros por causa
de um copo de Whisky (na
versão longa do título) há pequenas passagens de grande intensidade dramática e
personagens apenas esboçadas, mas que sentimos em toda a sua riqueza humana. A
mãe do narrador, por exemplo, que vemos aflita durante um funeral e depois,
senil, num lar de idosos: “Quando se vê ao espelho, será que pensa em alguma
coisa?”. Ou o falecido irmão, um solitário, cujo desespero nunca chegamos a
perceber.
O narrador, silencioso e fatigado, observa uma chinesa
ligeiramente estrábica, tenta adivinhar a vida dela e vai desfiando memórias,
num fluxo de pensamento falsamente aleatório. Por vezes, interroga-se sobre a
personagem muda que julga observar: “Não consigo perceber que idade tens. É
intrigante”. Em ruído de fundo da sua mágoa está o suicídio do irmão (que
talvez seja acidente), o casamento nulo e a falta de amor, o desaparecimento do
pai (porventura outra história complicada).
A escritora conseguiu ligar os diferentes fios da intriga num
conjunto harmonioso e um leitor não pode deixar de sentir a solidão destas
figuras dispersas. A melhor paisagem para confessar o que ninguém ouve é um
lugar estrangeiro. Num bar do outro lado do planeta, na companhia de um copo de
whisky, a personagem tenta recordar o que durante a inexorável passagem do
tempo se perdeu na sua vida: “Esse desconhecido é-me confortável. Faço o copo
rodar na minha mão, as pedras de gelo a diluírem-se, e tenho pena dessa morte
lenta da água”.
HSC