sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Sem vida própria


Há vidas que nunca o chegam a ser, porque decorrem como se fossem as de outras pessoas. Era isto que Teresa, hoje com mais de meio século de vida, pensava enquanto arrumava umas cartas das filhas, agora a estudarem e a viverem no estrangeiro.

Como é que tudo lhe acontecera, quando aos vinte anos sonhava ter uma família e uma carreira? Não sabia responder, porque perdera a noção precisa do momento em que essa viragem se dera 

.Lembrava-se bem, quando a Isabel nascera, da necessidade que sentira de ficar para sempre junto dela e do muito que lhe custou retornar ao trabalho, deixando-a aos cuidados da empregada até ao fim do dia. Quando a Sofia veio ao mundo, decorridos apenas dois anos sobre o primeiro parto, passou a trabalhar em casa, para dar assistência às duas. A decisão foi, sobretudo, sua. A partir daí deixou, de facto, de ter a sua própria vida para se entregar à das filhas

Uma terceira criança havia de aparecer, numa altura em que a vida profissional do Pedro, seu marido, tivera já uma boa progressão. Por estranho que pareça foi, nessa altura, que começou a sentir necessidade de voltar ao trabalho. E, partilhou com o homem com quem dividia a vida, esta sua sensação.

Mas, para sua surpresa, a reação não foi a esperada. A posição que ele atingira na empresa impunha-lhe que estivesse presente numa série de eventos, que não eram compatíveis com carreiras pessoais na família. Ficou triste mas compreendeu que o marido precisava dela e da sua presença. 

Foi assim que, aos pouco, acabou abdicando do seu próprio tempo. E agora, que nem o Pedro nem as filhas precisavam mais desse bem raro, Teresa sentia-se perdida, sem vida pessoal e sem compreender como durante trinta anos se contentara com viver apenas a vida dos seus!

HSC

2 comentários:

Virginia disse...

Isto nunca me aconteceu, mas admiro muito as mulheres que dedicam a vida a familia. É brutal e de uma coragem enorme. Nunca fui capaz de me sacrificar assim pelos filhos, embora tenha feito tudo o que podia por eles.

Anónimo disse...

🌹