sábado, 30 de janeiro de 2021

No meu caso

Eu sei que todos temos direito a pensar livremente, ou melhor acredito que assim será e continuará a ser.

Ontem foi votada uma lei na Assembleia da Republica que respeita ás condições em que uma pessoa pode pedir e alcançar pôr fim à sua vida. Votação feita numa altura em que todo o país se mobiliza para salvar vidas. Se fosse humorista, estava garantida matéria suficiente para uma série de rábulas. Como não tenho esse mister, para mim a questão põe-se a outro nível e o resultado alcançado enche-me de tristeza. Mas sei, também, que quem tivesse dinheiro acabava com a sua vida ou com a dum filho que trouxesse no ventre, indo ao estrangeiro fazê-lo. São factos. Num caso todos os contribuintes suportam a decisão de um. No outro, é o próprio que decide e suporta a sua decisão. Estamos aqui no plano economicista.

Mas existem outros ângulos pelos quais a questão pode ser vista. Uma é ética e dela depende o juramento de Hipocrates que todos os médicos fazem, de tudo tentarem para salvar a vida que deles depende. Não creio que esses médicos sejam, alguma vez, obrigados a fazer  o contrario. É outro facto.

Nova visão possível é a que deriva de uma posição religiosa. Não tenho conhecimentos suficientes para saber se haverá alguma religião que aceite - já não falo em preconize - a livre escolha de morrer. Mas, para países onde uma parte importante da população se diz católica e para a qual o bem supremo é a vida, o dia de hoje é de uma enorme tristeza. Arrisco-me a pensar que essa tristeza é mais funda, por estarmos a viver um período em que os mortos diários não param de crescer, nem a luta titânica para os salvar.

Não quero tomar posições moralistas porque a minha é totalmente ditada pela religião que pratico, a qual não me coloca num plano diferente dos demais. Ninguém pede para morrer, se estiver em situação de normalidade. Pede para morrer, quem já não se encontra psicologicamente em condições de querer viver.

A lei, quando se aplicar, não obriga ninguém a segui-la. Pode apenas não ser praticada por aqueles que sigam critérios éticos semelhantes aos meus. E esses estarão hoje mais tristes. Se um dia eu for colocada perante tal provação, o que peço é que, não havendo nada a fazer, seja esse o critério a seguir. Nada fazer. Ou seja, não quero que me prolonguem desnecessariamente a vida. Desliguem as maquinas e deixem o meu corpo seguir o seu natural caminho para Deus.

HSC

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22 comentários:

Anónimo disse...

Estou plenamente de acordo com o que a Drª Helena escreve. Também penso assim.
Ontem também fiquei triste e pensei em tudo o que a humanidade está a passar e o que assistimos todos os dias. Será justo e urgente perder tempo com a aprovação desta lei? Neste momento? Quando todos se deviam mobilizar para dar sentido à vida!? Claro que todos são livres de pensar e decidir por si. Não sei se estou errada, mas é um tema que me deixa triste e preocupada.
Obrigada pela partilha
Maria

Anónimo disse...

🌷

Anónimo disse...

Uma tristeza e já se sabe que vai haver abusos, a chamada rampa deslizante. Existem em países considerados civilizados, como a Bélgica e a Holanda - onde a última novidade é os pais poderem eutanasiar os filhos menores de 12 anos, pois os maiores já podem decidir por si - o que não será aqui...

Anónimo disse...

Se o bem supremo para os católicos é a vida, então também não se poderia pedir que se desliguem as máquinas, porque isso é desistir da vida.
E quem decidiria quando se desligam as máquinas?
O doente A poderia querer desligá-las antes do doente B.
Logo teria sempre de haver validação dos médicos.
E seria ético os médicos desligarem as máquinas para o doente A e para o doente B, eles que fizeram o juramento de salvar vidas, quando se pode por sempre a hipótese de «casos raros», «milagres», que a ligação das máquinas permitiriam.
Qual a diferença entre validar o desligar das máquinas e validar a eutanásia?
Deixar pessoas em sofrimento extremo durante anos, sabendo os médicos que não existe solução, é como deixar as máquinas sempre ligadas.

Dalma disse...

HSC, atualmente já não é obrigatório fazer o Juramento de Hippocrates, portanto fazê-lo ou não está ao arbítrio do novo médico fazê-lo. A minha sobrinha há quatro anos fê-lo mas se desejasse podia ter recusado!

Pedro Coimbra disse...

Foi o tema de dissertação que escolhi no final do meu estágio de advocacia há já muitos anos - eutanásia e distanásia.
Um tema muito difícil, a exigir grande debate, profunda reflexão.
E é isso que me mete impressão, a ausência de debate, o momento escolhido para fazer aprovar a lei.
Tenha uma boa semana

Anónimo disse...

Distingo entre religião e igreja.

A religião/as religiões, podem ser a procura da espiritualidade, do transcendente, da compaixão, da libertação, do sentido pessoal e coletivo da vida e da morte.

A igreja/as igrejas podem ser a opulência, a ostentação, a opressão, o pecado e a penitência, o castigo divino, o elogio da dor, a flagelação, a hipocrisia, a domesticação do rebanho, a vida e a morte fatalistas, entregues à crueldade da natureza, ao Deus dará.

Helena Sacadura Cabral disse...

Anonimo das 17:48
A lei que refere não é assim tão fácil de ser usada como afirma.
A diferença entre dar uma injeção para acabar com a vida é diferente de desligar as máquinas que a mantinham viva e deixar que o corpo, sem dor, siga o seu caminho natural.

Anónimo disse...

Um exemplo: se eu me encontrasse um dia numa situação em que ficasse paraplégico do pescoço para baixo, sem poder mover o que quer que fosse do meu corpo a partir do pescoço, totalmente dependente de terceiros para comer, ler, higiene pessoal, etc, tudo, qual seria o meu interesse em viver? NENHUM!
Houve aqui há uns anos um belíssimo filme americano que abordava precisamente um caso destes. Ele e ela levavam uma vida feliz e um dia ele sofre um acidente e fica paralítico do pescoço para baixo. Segue-se todo um drama da parte de ambos, ele no hospital, ela a visitá-lo e depois a finalmente perceberem que ela nunca mais recuperaria. Então ele pede para que lhe permitam morrer. Era um homem no final dos trinta anos e não queria viver mais uns 50 ou 60 anos naquela situação. Até que finalmente lhe fazem a vontade. No momento que antecede a morte por injecção (se bem me lembro) ele está sereno, tranquilo e em paz. Ninguém tinha o direito de o obrigar a viver naquela situação clínica por décadas. Ninguém. E assim morreu, tranquilo e feliz com ele.
Eu reagiria exactamente da mesma forma se me sucedesse o mesmo.
Deste modo, AINDA BEM que a Eutanásia foi aprovada!
As pessoas que são contra são egoístas, não fazem ideia nenhuma do que é sofrer e não querer continuar a sofrer. Quanto à religião, não deve ser chamada para o caso. Era o que nos faltava ter a Igreja ou outra confissão religiosa a intervir em assuntos desta natureza. É uma reacção política essa da Igreja. E egoísta, pouco caritativa.
Tive um familiar próximo que sofrendo de um mal irrecuperável e não querendo continuar a assistir à sua degradação pediu para que lhe acabassem com a vida de forma indolor. Como não o fizeram, acabou por se suicidar.
E assim, com tanta parvalheira contra a Eutanásia assiste-se a soluções destas.
Porque Diabo não me hei-de ir embora desta vida, voluntariamente, se tiver ficado paraplégico do pescoço para baixo, ou ter uma doença degenerativa, ou outra que implique sofrimento? A que título é que a Igreja e o Conservadorismo político me podem obrigar a continuara a sofrer, quer psicologicamente (no caso do paraplégico) , quer fisicamente (nos outros)? Que direito têm eles? Que violência política é essa?
Ainda bem que a Eutanásia foi aprovada! Assim, sei que se um dia estiver numa situação dessas posso deixar esta vida em vez de a continuar a viver sem Dignidade!
Deixemo-nos de lérias religiosas e política pouco sérias e nada caritativas!
a)C. Gomes

Anónimo disse...

Se é para seguir o caminho «natural» para quê tomar medicamentos, ligar às máquinas?

Anónimo disse...

Ou nascemos e morremos como os animais, sem maternidades, sem cesarianas, sem intervenção nos prematuros e portadores de deficiência, sem tratamentos, intervenções cirúrgicas e cuidados médicos quando adoecemos, ou aceitamos apoio médico no nascimento, durante a vida e na morte.

Porque pode haver apoio espiritual, do padre, na morte, mas não pode haver apoio médico, na morte?

Conheci em tempos um «naturista» radical que dizia barbaridades contra as práticas da medicina (e tinha muitos seguidores) afirmando que a cirurgia, era uma «abertura» que podia deixar entrar muita negatividade no paciente. Existem ainda hoje posturas e crenças inimagináveis.

Muito cabe na cisão «natura versus cultura».

Nenhum médico é obrigado a intervir na eutanásia, mas a beatice «obriga» os doentes a sofrer, se estes e as suas famílias o permitirem.

Todas as práticas clínicas comportam riscos, umas mais do que outras, riscos ou por dificuldades inerentes, ou por negligência, ou até, em último caso, por crime.

Por isso, em toda esta polémica, o importante é uma legislação atenta e adequada.

Anónimo disse...

Just see the Way ... Believe

https://youtu.be/HiNNEHEK-5E

Ghost


Anónimo disse...

The dance of Life - To Live or To Die

https://youtu.be/_z-gvAi23Dk

:-)

Anónimo disse...

é penoso falar deste tema, logo neste momento.

Silenciosamente ouvindo... disse...

Drª. Helena, tenho alguma dificuldade em compreender/aceitar
a eutanásia.Mas, também não consigo estar totalmente contra,
é-me difícil decidir.Talvez prefira que a lei exisa e que
seja bem aplicada.
Os meus cumprimentos.
Irene Alves

Helena Sacadura Cabral disse...


Caros comentadores
A vossa posição, seja ela qual for, é tão válida como a minha. E eu não depreciei nenhuma delas como fez C Gomes que me considera idiota com as minhas tretas religiosas. Limitei-me a expor o que penso e tenho determinado - sim, porque possivelmente C Gomes ainda não terá feito o seu testamento vital- e portanto fala de alto e critica quem não pensa como ele.

Sandra disse...

Bom dia,
Independentemente do que se pense, foi inconveniente fazer a votação nesta fase. Esperemos que seja utilizada com responsabilidade, sem obrigar os médicos a coisa alguma.
Cumprimentos
Sandra

Anónimo disse...

Sou a favor da eutanásia.
Uma vez a lei aprovada, cada um fará o que achar melhor para si.
Ninguém deveria impor que outros sofram sem um fim à vista… assim como ninguém vai impor que se pratique eutanásia a alguém que não o quer fazer!

Anónimo disse...

Há verdadeiramente duas coisas diferentes: saber e crer que se sabe. A ciência consiste em saber; em crer que se sabe reside a ignorância. -Hipócrates

A humanidade muitas vezes se preocupa em ser humana para ajudar a acabar com a vida de animais que estão em processo de morte e sofrimento e a vida/existencia não pode ser salva. Neste momento, sao humanos, nao sentindo pena, então há uma questão em colocar-se que os cães nao são humanos? Qualidade de vida ou preferencia morte (?!)-.
O progresso evolutivo sobre este planeta Terra, leva a uma extensão da vida humana, mas não a uma melhoria na qualidade de vida! E-, para aqueles que defendem a vida como um bem supremo e dom vital, o primeiro direito que essa lei deve defender é o dos cuidados paliativos de todo ser HUMANO, que neste projeto mental evolutivo está em um nível secundário ou em segundo plano. Somos uma sociedade humanitária, solidária e comunitária? Aqueles, os quais - nós - que acredita-mos em Deus e seu Dom possuidor da Vida propõem não esquecer esse significado.
-MorgadinhadosCanaviais

Anónimo disse...


A democracia se estabelece quando os pobres (‘hoipénetes’), tendo vencido seus inimigos, massacram alguns, banem os outros e partilham igualmente com os restantes o governo e as magistraturas.-Platão

A lei é importante para muitos e para outros nao tanto, por outras razões porque permite considerar a cosmovisão das pessoas e permitir que elas se realizem, tanto em termos de eutanásia quanto no direito de escolha da pessoa. Um dos principais eixos/diretrizes dos defensores de 'Lei da Eutanásia' é o princípio da autonomia sobre a própria vida, e/ou o direito do paciente de exercê-la. Defender o direito universal de todos seres humanos terem acesso digno a cuidados paliativos e acompanhamento verdaeiramente humano no final da sua existencia 'terminar da sua vida terrenal' sobre este planeta, deveria ser a primeira preocupação de um Estado guiado por uma cultura de vida e a proteção de seus cidadãos. A Bíblia diz que Deus é nosso criador, "a fonte da vida" (Salmo 36: 9; Atos 17:28). A vida é muito preciosa para ele, por isso ele condena o assassinato, seja tirando a vida de alguém ou a nossa própria (Êxodo 20:13; 1 João 3:15). Além disso, a Bíblia indica que devemos tomar precauções razoáveis ​​para proteger nossas vidas e a vida de outras pessoas (Deuteronômio 22: 8). É claro que Deus quer que valorizemos o Dom da Vida.

Anónimo disse...

...«natura versus cultura».

Aristóteles afirmou em determinada epoca, que o homem é por natureza um animal político, o que significa que ele é por natureza destinado a viver em sociedade com outros animais da 'sua propria especie'.

Outro filósofo, como Thomas Hobbs, têm argumentado que o que diferencia o homem dos animais é a fala. Outros, como Platão ou John Locke, acreditam que a verdadeira diferença com os animais é que o homem possui cognição (Homo Sapiens);do mito de Prometeu, atribuído às protagoras sofistas, acreditam que a principal diferença com os animais é que o homem inventa e fabrica ferramentas(HomoFaber), com as quais ele pode intervir e modificar seu ambiente cada vez, de acordo com suas necessidades fundamentais ou vitais-A VIDA, por exemplo!

manocas disse...

Emano do seu pensamento, límpido transversal e pragmático; também no início da mini-saia, no pós guerra, houveram vozes discordantes, mas não foi por isso, que deixamos de fazer o nosso caminho, e hoje até é fundamental no assumir de um ato libertário, e feminino; não falo em feministas. Bem haja pelo contraditório. MEF