segunda-feira, 7 de outubro de 2019

No Devagar Depressa dos Tempos


Marcelo Duarte Mathias nasceu numa família ligada ao anterior regime. Com efeito, o seu pai, um homem cativante, foi diplomata e ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar. O filho, que estudou em Oxford, seguir-lhe-ia as pisadas e entrou para o Ministério dos Negócios Estrangeiros aos 31 anos, onde fez uma carreira brilhante. 
Passou por Brasília, Bruxelas, Nova Iorque, Nova Deli e Paris (UNESCO). A síntese desta vida encontra-se em No Devagar Depressa dos Tempos, uma antologia agora publicada pela D. Quixote e que é uma compilação do que de mais relevante Marcello Duarte Mathias escreveu nos seus Diários. 
Trata-se de uma compilação de textos descritos com humor e perspicácia e que nos revelam as riquíssimas vivências de um diplomata e os seus encontros com figuras importantes ao longo da sua carreira.
Marcello Duarte Mathias começou a escrever com cerca de 24 anos sem bem perceber, na altura, porque o fez. Mas, porque a escrita foi intermitente, só começa a publicar, em 1980, os seus diários. O primeiro recobre o período de 1962 a 1969. Passariam mais de vinte anos até voltar a reunir em volume as suas notas diarísticas, congregadas então em torno da sua experiência como Embaixador na Índia ((1993-1997). Depois deste Diário da Índiasurge o posterior Diário de Paris (2001-2003) e, em ambos, surgem notas de viagem e estadia pontual noutros lugares, sejam elas de estadia no estrangeiro ou de “regresso” ou passagem pela sua casa em Cascais. 
É quando volta a Portugal, em 2007, depois de vários postos na carreira, que recomeça a escrita e irá surgir o Diário da Abuxarda (2007-2013), para mim um dos que mais me tocou.
Para o autor, escrever é uma forma de redenção e de se encontrar. Escrever um diário é, também, a necessidade, a certa altura, de a pessoa fazer um balanço da sua vida.
Lúcio Cardoso sugere, sobre este tipo de livros intimistas, que o diário é feito da ausência de acontecimentos, de uma introspeção, de um momento de repouso, enfim, de um no man’s land. Mas é nessa terra de ninguém que, afinal, se vai exumar aquilo que nos dilacera, aquilo que nos comove, aquilo que nos cativa. 
O autor confessa que o seu Pai foi a pessoa que mais admirou, mas hoje, admite que, talvez - quem sabe -, essa admiração, por ter sido tão grande, o possa ter inibido de se afirmar.
Sou, de há muitos anos, uma leitora atenta deste tipo de escrita tão pessoal e peculiar. Portugal não é fértil na escrita diarista. Mas Marcello Duarte Mathias é, neste campo, um dos melhores. 
Vale, por isso, a pena fazer essa longa peregrinação interior na sua companhia!

HSC

9 comentários:

Anónimo disse...

Deve ser uma obra interessante.

Anónimo disse...

Li alguns e também gostei muito do Diário da Abuxarda.

Anónimo disse...

Penso que o Embaixador Marcelo Duarte Matias começou talvez um pouco tarde a olhar para si e para o que era capaz de fazer. Mas é muito gratificante lê-lo. Como a Helena eu também aprecio essa escrita onde onde nos encontramos e os outros nos encontram.
Apenas conheço socialmente o autor porque temos amigos comuns. E gosto particularmente dessa sua espécie de ausência presente que sinto nele.
Fui hoje comprar o livro e vou começar a lê-lo pela ordem que mais me cativar.
Ah! e Lucio Cardoso tem toda a razão e fez-me lembrar uma outra frase sua: "Não sei que caos é este a que se referem nossos articulistas políticos, e que, segundo eles, já se aproxima. Engano: há muito estamos nele"!

Rodrigo Themudo

Anónimo disse...

Sou da carreira e há muito que aprecio Marcelo Mathias, cuja obra aconselho vivamente!

Anónimo disse...

Dra Helena

Estou a lê-lo. É, de facto, um livro que merece ser publicitado e lido com atenção, onde finalmente se encontra o olhar de uma pessoa culta e não formatada pelo politicamente correto.

Anónimo disse...

🌷

Anónimo disse...

Diplomacia o expoente máximo do politicamente correcto.
A literatura talvez o seu antídoto.

Anónimo disse...

Estou a ler seguindo o seu conselho. Interessantíssimo!
Obrigada.

Amadeo

Anónimo disse...

Fui compra-lo e estou a fazer uma leitura muito atenta porque uma parte do que lá está pertence ao "meu tempo". E estou completamente cativado e grato por mo ter dado a conhecer!