quarta-feira, 5 de junho de 2019

Bombas em Portugal

Hoje peço-vos, em meu nome e no de Luis Aguiar Conraria, que muito admiro, e é autor deste artigo, publicado no jornal Público, que assinem uma iniciativa legislativa e uma petição solicitando que a distribuição de bombas de insulina seja alargada aos adultos. Aqui fica o seu texto que compartilho com todos os que me lêem.

"Quando recebemos o diagnóstico, já lá vão quase três anos, de que a nossa filha mais velha tinha diabetes de tipo 1, o choque foi enorme. Como já expliquei, esta é uma doença auto-imune, em que os nossos anticorpos destroem as células do pâncreas, que deixa de produzir insulina. Antes de esta ser descoberta, um diagnóstico da doença era uma sentença de morte. Depois da sua descoberta, a solução parece fácil: se o pâncreas não produz insulina, passamos nós a injectá-la quando necessário.
No início, ainda antes de termos bomba de insulina, parecia fácil. Basicamente tínhamos duas insulinas para administrar: a basal, de efeito lento, tão lento que só era dada à noite, de 24 em 24 horas. Essa injecção destina-se a cobrir as necessidades permanentes do corpo. E uma outra, de efeito rápido, que era para ser injectada de cada vez que se comia.
No início parecia um jogo matemático: tínhamos de perceber quantos açúcares e hidratos de carbono a criança ia ingerir, fazer umas contas com base nuns rácios e dar a insulina correspondente. Só ao fim de algum tempo percebemos que a demanda pelos rácios certos era uma missão quase condenada ao insucesso.
Porquê condenada ao insucesso? Porque há demasiadas variáveis em jogo. A maçã de hoje pode ser mais doce ou mais amarga do que a comida ontem; se a rapariga se está a mexer, a sensibilidade à insulina aumenta; se está mais calor, idem; se está em ovulação, aumenta a resistência; se tem uma doença, o corpo tanto se torna mais como menos sensível, etc. Rapidamente se percebe que ou a criança faz uma alimentação low carb, reduzindo a ingestão de hidratos de carbono ao mínimo, o que médicos e nutricionistas desaconselham vivamente, ou a glicemia andará numa montanha-russa.
É quando tomamos consciência disso que a realidade nos bate com força. A diabetes de tipo 1 deve ser a única doença crónica mortal em que as doses do medicamento (no caso, a insulina) são decididas várias vezes ao dia pelo paciente e não pelo médico. Isto é assustador pela simples razão de que a dose errada pode ser letal. E foi nessa altura que entendi que um dos maiores riscos era o de confundir a insulina lenta com a rápida.
As canetas com que injectamos uma e outra eram praticamente iguais, apenas a cor as distinguia. Mas a dose de insulina lenta a injectar diariamente anda perto das dez unidades, enquanto a dose de insulina rápida a dar no caso raro de um almoço pouco saudável (por exemplo, uma ida ao McDonald’s) não passava das três unidades. Tomámos consciência de que, se numa noite qualquer trocássemos as canetas e injectássemos a insulina de efeito rápido em vez da lenta, isso poderia ser fatal.
Na edição do PÚBLICO de 4 de Outubro do ano passado, Ana Carolina Rocha contou como quase morreu com uma hipoglicemia tremenda apenas porque decidiu dormir mais uns minutos. Se pequenos erros se pagam tão caro, imagine-se um grande erro.
Mais perturbador foi perceber, num grupo privado de Facebook, que de vez em quando essa troca de insulinas acontece entre diabéticos de tipo 1. A solução passa por ir imediatamente para o hospital e ficar umas horas a soro. Este foi um dos principais benefícios que percebi quando a minha miúda passou a ter bomba de insulina: o perigo de confusão simplesmente desaparece. Explico: com a bomba de insulina, apenas se usa um tipo de insulina, a rápida; a lenta é substituída por um fluxo constante da rápida, injectado através de um cateter.
Quando foi diagnosticada diabetes à minha filha, fiz uma declaração de interessesdizendo que a partir daquele momento me ia tornar um activista. Por coincidência, e não por qualquer efeito de lobbying meu, pouco tempo depois saiu um decreto-lei que garantia a todos os menores de 18 anos o acesso gratuito a uma bomba de insulina. Foi aprovado um monitor contínuo de glicemia que permite aos diabéticos controlá-la sem ter de andar sempre a picar o dedo para extrair sangue.
Sei, por experiência própria, como estas novas tecnologias ajudam. E, como sei isso, não consigo deixar de lamentar que as bombas não sejam distribuídas a adultos. Corrijo, são distribuídas umas quantas por ano, mas a um ritmo tão lento que nunca atingirão toda população adulta.
Percebo perfeitamente que a prioridade seja dada às crianças. Um estudo recente publicado na revista médica Lancet mostra que a esperança média de vida de uma criança a quem foi diagnosticada esta doença é 16 a 18 anos menor. Já alguém a quem lhe foi diagnosticada em adulto “apenas” perde dez anos de vida.
Convém, no entanto, ter em atenção que muitos dos actuais adultos conheceram o seu diagnóstico em criança, pelo que novas tecnologias que lhes permitam fazer uma melhor gestão da doença são fundamentais. E mesmo quem receba o diagnóstico já em adulto pode beneficiar muito deste tratamento. Afinal de contas, é por isso que tantos nos orgulhamos do nosso Sistema Nacional de Saúde, não é? O existir para que quem tem menos posses financeiras possa usufruir dos melhores cuidados médicos.
É por isso que hoje lhe peço que assine uma iniciativa legislativa (de que sou subscritor e que necessita de 20.000 assinaturas) e uma petição (que já não precisa de tantas) dirigidas à Assembleia da República pedindo que a distribuição de bombas de insulina seja alargada a todos os adultos, com prioridade para grávidas e mediante recomendação médica. Com a iniciativa legislativa propõe-se uma lei, com a petição apenas se pede à AR que discuta o assunto.
Compreendo a dúvida que esteja a sentir: faz sentido acrescentar mais esta despesa ao SNS? Não conheço estudos para Portugal, pelo que apenas lhe posso responder com os de outros países. Um recente, feito para a província canadiana Alberta, conclui que o melhor controlo glicémico que se obtém graças às bombas de insulina permite ao sistema de saúde poupar dinheiro, já que o custo de fornecer as bombas é mais do que compensado pela poupança com a diminuição de futuras complicações (problemas de visão, rins, má circulação, neuropatia, etc.). É uma solução boa para os doentes e para as finanças públicas.
Não quero enganar ninguém, conheço um estudo para outro país que conclui que, apesar da melhoria na qualidade de vida dos diabéticos, de um ponto de vista estritamente financeiro, o fornecimento de bombas não permite ao Estado poupar dinheiro. Essa é outra das vantagens destas iniciativas: criar um incentivo para que se façam estudos destes para Portugal que nos permitam tomar decisões informadas."
Para subscrever a iniciativa legislativa, vá a este link. Terá de se registar e confirmar a sua assinatura. Se achar o processo complicado, pode ir a esta páginae imprimir uma folha para assinaturas manuais. Nesse site encontrará a morada para onde as poderá enviar pelo correio. A petição pode ser subscrita aqui.

Sejamos solidários. A diabetes é uma doença que pode ser melhor controlada se todos fizermos um pequeno esforço. Nomeadamente, o de obrigar o governo a estender aos adultos o âmbito  desta medida. 

HSC

6 comentários:

João Menéres disse...

E como e onde assinar ?

Helena Sacadura Cabral disse...

Meu caro João Menéres
Tinham faltado umas linhas no texto. Agora já está completo e pode assinar se assim o entender. Obrigada pelo aviso!

Anónimo disse...

Helena
Obrigado. Só a solidariedade consegue, por vezes, endireitar o que está torto. Já assinei ambos.

Maria Eugénia disse...

Já assinei! Inteiramente justo! Cumprimentos da Maria do Porto

Anónimo disse...

De inteira justiça. Já assinei.
Pedro

João Menéres disse...

Já assinei.