sexta-feira, 25 de julho de 2014

O contraditório


"Confesso que não consigo acompanhar a histeria que se está a gerar em Portugal a propósito da entrada da Guiné Equatorial na CPLP, e que já nos custou este ataque cerrado do Jornal de Angola, país que tem defendido muito mais a língua portuguesa do que Portugal, com o disparatado acordo ortográfico em que se meteu. Aqui abaixo, o Pedro chega ao ponto de dizer que prefere a desintegração da CPLP a ver Obiang na mesa de honra.  Só que a CPLP é um dos mais importantes activos de que o país necessita para projectar a sua influência no mundo e a Guiné Equatorial é muito mais do que Obiang. Não se pode reduzir um Estado a um governante, a imitar Luís XIV, com o seu L'État c'est moi.
Não foi por ser governado por um ditador há décadas que Portugal foi impedido de entrar na NATO ou na EFTA. Da mesma forma, não é o facto de ter um ditador também há décadas que deve impedir a Guiné Equatorial de entrar na CPLP. Os ditadores passam, e os países ficam. No fundo, foi uma falta de visão de futuro semelhante que levou Portugal a não reconhecer o governo de Agostinho Neto aquando da independência de Angola, gerando uma inimizade entre os dois Estados que durou anos. O Brasil, passados cinco minutos depois da meia-noite de 11 de Novembro de 1975, já tinha reconhecido o Governo de Agostinho Neto.
Portugal também se obstinou em não querer deixar entrar a Guiné Equatorial, causando estranheza geral em todos os outros países da CPLP. Viajo imenso por esses países e há muito que me apercebi que a posição de Portugal não só estava isolada, como acima de tudo não era compreendida. A missão das organizações é ter sucesso e a expansão geográfica é uma forma de sucesso. Ora, a Guiné Equatorial tem o maior PIB per capita de África e um índice de desenvolvimento humano acima de outros países da CPLP, como a Guiné-Bissau ou mesmo Moçambique. Há assim todo o interesse em que entre na CPLP, permitindo que esta se torne uma organização económica forte, e não apenas cultural.
A União Europeia foi chão que deu uvas, tendo atirado Portugal às feras da troika. Só não tivemos uma crise muito pior devido ao investimento angolano em Portugal. Não vejo por isso razão para Portugal acrescentar o facto de ser pobre a ser mal agradecido, pondo-se contra todos os outros países da CPLP, rejeitando a entrada de um novo Estado, cuja adesão é importante para a organização.
A Guiné Equatorial tem uma enorme importância em África, com o seu território continental, Rio Muni, e as Ilhas de Bioko — onde fica a capital, Malabo —  Ano Bom, Corisco, e Elobey. Pode não ser um país lusófono, mas tem uma forte influência lusíada. Como se pode ler aqui, o país foi descoberto por Fernando Pó em 1471 e permaneceu português até 1778, altura em que foi cedido à Espanha por tratado. Há assim todo o interesse histórico em recuperar a influência portuguesa no país, para o que este se mostra disponível. Tal até devia ser motivo de orgulho para Portugal, que consegue recuperar influência num território que abandonou por exclusiva decisão sua há 200 anos.
Não se fala português na Guiné Equatorial? É um facto, mas também não se fala português em Timor-Leste, mas sim tétum, não sendo o português sequer usado como língua de comunicação. Na Guiné-Bissau, a língua de comunicação é o crioulo, sendo o português pouco usado. Nos confins de Moçambique não consegui falar português com ninguém. O que interessa é a história comum e essa existiu durante mais de 300 anos. Os Obiang deste mundo passarão e os países e as organizações ficarão, sendo importante que Portugal mantenha as suas relações com os países da CPLP. Mais do que Realpolitik, o que se exige é visão de futuro."

Aqui fica o texto de Luís Menezes Leitão - advogado que não carece de apresentação - publicado hoje, também no Delito de Opinião, no qual se analisa a questão da adesão da Guiné Equatorial de modo pragmático. Apesar destes argumentos não conseguirem derimir o que penso, e que foi exposto, de forma talvez mais emotiva, no post anterior, julgo que vale sempre a pena ouvir e dar a conhecer outras vozes e outros argumentos!

HSC


10 comentários:

patricio branco disse...

é tudo teatro diz a cançao, pois talvez tenha havido uma ridicula encenação, tudo estava escrito e ensaiado, até o (falso) espanto de portugal, a olhar para o vazio, sem aplaudir, o outro a entrar dos bastidores e com o seu lugar à mesa reservado, e ninguem se perguntou para quem seria essa cadeira e microfone? sim, grande comédia...
deixem lá a guiné do equador e o seu chefe, a unica objecção possivel é que no país ainda não se fala português, tambem moçambique entrou para a commonwealth e não foi colónia inglesa! e já agora, que foi cavaco fazer lá se nem dilma foi, bastava coelho, ou o mne, sim que bem sabem representar surpresa e atrapalhação, mas que grande farsa, etc etc

João Menéres disse...

Entendo !
O interesse económico sobrepõe-se aos Direitos Humanos !
Uma palhaçada, é o que é...

Melhores cumprimentos.

Anónimo disse...

O que tem de mais apelativo a Guiné Equatorial é, sem sombra de dúvida, o petróleo.

Anónimo disse...

Querida Helenamiga

Luís Menezes Leitão pode ser um advogado que não carece de apresentação mas mostra-se neste texto o advogado do Diabo.

Por mal dos meus pecados, há seis anos, mais coisa, menos coisa, estive na Guiné Equatorial, acompanhando um amigo espanhol que ali tentava ter negócios.

Fui apenas porque ele me convidou sabendo da minha experiência sobre África e porque o castelhano é a minha segunda língua.

Do que vi nem queria lembrar-me. PIB? E a pena de morte? Petróleo? E a censura? Gás? E a PIDE de lá?
Desenvolvimento humano? Não vi. Vi, sim, um país com tamanho grau de corrupção que uma pessoa importante do círculo de Teodoro Obiang me perguntou quanto eu lhe dava para entrevistar o deus/presidente. Sublinho: fui eu quem viveu essa criminosa situação.

Por isso penso que a CPLP devia passar a chamar-se CPLPP; o último P é Petróleo.

Cavaco & Coelho foram fazer figura de urso? Parece-me que sim, mas urso pecador, ups, pescador.
Qjs

Fatyly disse...

Encenações com objectivos que escapam a muitos, tal como a mim que não percebo nada, apenas sei que "as riquezas de África" sempre foram o maior "manjar do vale tudo" por parte de Salazar e os respectivos sucessores até à actualidade, porque o petróleo, um dos ingredientes desse manjar falam sempre mais alto.

Quero lá saber da entrada da Guiné Equatorial na CPLP (é o único ditador que consta da lista dos estados?), quero sim é saber quando é que deixa de haver corruptos, quando começa a justiça a funcionar, a educação e a educação a melhorar e sobretudo empregos para todos de forma a não haver fome e miséria.

Toda esta encenação é para nos desviar dos graves problemas internos, e quem foi, aproveitar umas férias à custa dos nossos impostos.

Tenho imensa pena de não ir integrada na comitiva que também foi a Angola, mas aí já não voltaria:):):):)

Um abraço Dª. Helena e um bom fim de semana!



Ältere Leute disse...

O próximo a entrar pode ser o Gabão ! Tem um presidente "liberal" para as várias crenças, um regime (policiado) pelo menos de fachada democrática, tem a cooperação da C.Europeia em projectos de desenvolvimento ( juntamente com S.Tomé e a G.Equatorial ), fala Francês... e também tem petróleo ! Sei do que falo. MªAugusta Alves

Anónimo disse...

Depois de ler os dois textos fico com aquela: "Nem tudo é o que parece"...Os governantes morrem, os países ficam...A final também já andamos por lá anteriormente!

Anónimo disse...

Entretanto naquela zona é assim :

http://www.icc-ccs.org/piracy-reporting-centre/live-piracy-map


jonavigator

Raúl Mesquita disse...

Cara Helena:

Como diz um comentador seu anónimo, "já andámos por lá". A Língua é a melhor e a mais pacífica arma e "as ditaduras passam mas os países ficam". Se falarmos exclusivamente de de Direitos Humanos (que deveríamos falar), então teríamos de cortar relações com Israel e com muitos outros…

Raúl.

Anónimo disse...

Bom dia
Desconheço o Dr.LML, por isso, pesquisei-o na Google.
A interpretação que o Dr. LML faz da reação geral da opinião pública e do facto em si é bastante subjectiva. Assim como a minha.
E tem tanto de visão de futuro como eu de dinheiro na minha conta bancária: “nickles”!
Irá Portugal recuperar alguma influência em território africano?!? Portugal, enquanto país europeu, é apenas uma porta de entrada no mundo ocidental, ou seja, a tal porta que alguns países da CPLP precisam para projectarem a sua influência no mundo, nada mais.
Financeiramente, somos praticamente governados por eles, deixam-nos sentar na cadeira principal e brincam connosco como se fossemos marionetas, só não tratam (por cá e ainda) o povo português como tratam o deles, porque temos uma União Europeia por trás, caso contrário, voltaríamos ao passado, mas com mais fome e miséria.
Acho, permita-me, histérica a afirmação de que a Guiné Equatorial tem o maior PIB per capita de África e um índice de desenvolvimento humano acima de outros países da CPLP. Não que em si a afirmação não seja objectiva, a praticabilidade é que é duvidosa ...
A CPLP é uma organização económica, está visto, mas a sua origem cultural deve implicar a adopção de medidas económicas e financeiras, e consequente tomada de acções, cujos objectivos sejam o desenvolvimento humano e social dos povos. A CPLP não pode acentuar as diferenças entre os povos e tornar os ricos mais ricos.
Discordo totalmente da opinião (vencedora) do Dr. LML. E nem por isso estou histérica ou até humilhada. Desapontada, certamente.
Um dia, talvez as posições se invertam e as decisões que governam a vida dos povos venham a ser tomadas por pessoas humanas, não por pessoas superPowermoney!
Cumprimentos,
Cláudia