Pedro Santos Guerreiropsg@expresso.impresa.pt
Hoje. Ao fundo, um homem sai de um gabinete. O gabinete do chefe.
Do ex-chefe. Do ex-chefe que ainda é chefe, ex é ele: ex-empregado. Acaba de
ser despedido. É um de um rol de muitos, um nome a mais numa lista, uma fila a
menos numa folha de cálculo. Sai calado, pelo espaço aberto, outros olhos
viram-se primeiro para ele, depois para baixo. Outro nome é chamado, lá vai
ele, o mesmo gabinete, o mesmo destino. Hoje a empresa não é uma empresa, é um
matadouro. Morrem empregos. Saiu nas notícias e tudo. É um dia na vida.
A vida já
continuará, mas hoje não. “Fui eu? Foram eles? O que fiz de errado? O que farei
agora? Como vou dizer? Como vou fazer? Quero um abraço. Não quero ver ninguém.
Quero viver. Quero morrer. Merda para isto. Respira fundo. Mas para quê? Rosna.
Chora. Põe-te de pé! Desaba… Com esta idade? Com esta idade.”
Todos os
dias são um dia na vida. De quem é chamado para sair. De quem não é chamado e
fica, às vezes com mais culpa que alívio. Ou mais raiva que tristeza. Fuma-se
lá fora, conversa-se lá dentro, recebe-se chamadas aflitas, “não, eu safei-me”.
O que se faz aos braços, esmurra-se, cruzam-se? Num jogo de cadeiras, só os que
tocam música não estão a jogar. De manhã, a empresa fora sacudida pelo
comunicado. Alguns diretores são chamados para a consumação. Outros diretores
tiraram férias, fugindo à notícia da razia. Veio o administrador, despedimento
coletivo, reestruturação, corte de custos, a crise.
Ontem.
Dez de Junho. “Portugueses, este ano de 2014 abre um caminho de esperança. Mas,
para ter esperança no futuro, devemos continuar a trabalhar no presente. Não
podemos ficar à espera, passivamente, que a situação se altere por si mesma.”
Passivamente.
O
discurso político é o mesmo desde 2011. É tudo muito difícil, é tudo sem
alternativa, é preciso reformas estruturais, é preciso um largo consenso entre
partidos e que inclua também os parceiros sociais. Tirando o
não-há-alternativa, o discurso fazia sentido em 2011 e faz sentido em 2014 e é
isso que não faz sentido nenhum. A devastação económica e social destes três
anos tinha de ter tido um propósito de regeneração que não teve. Se tivesse
tido, o discurso já seria outro. Isso é o imperdoável. Esse é o falhanço. Se
ainda precisamos do que precisávamos ainda estamos como estávamos. Tirando
estarmos mais pobres. E mais desiguais. E mais desempregados. “A vida das
pessoas não está melhor mas o país está muito melhor”.
Todos os
dias são um dia na vida de alguém. Hoje foi naquela empresa, ontem foi noutra,
e tudo seria compreensível se fizesse parte do ciclo da vida. Faz parte do
ciclo da morte. O desemprego de longa duração, o desemprego de jovens e de
velhos, a redução dos apoios sociais (flexisegurança sem segurança) não é
sentido de justiça nem uma sociedade a funcionar. É uma nação que exclui. Quem
perde sai. Às vezes até é notícia. Hoje foi. Um dia de cada vez. Um dia é de
vez.
Amanhã?
"I read the news today oh boy
About a lucky man who made the grade
And though the news was rather sad
Well I just had to laugh
I saw the photograph
He blew his mind out in a car
He didn't notice that the lights had changed
A crowd of people stood and stared
They'd seen his face before
Nobody was really sure
If he was from the House of Lords"
A Day in the Life, The Beatles
Para quem não tenha tido a oportunidade de ler, aqui fica um excelente artigo de Pedro Guerreiro e o retrato do que estão a viver alguns amigos meus com os quais me solidarizo inteiramente.
HSC