"Sou ateu até à medula dos ossos – saí assim. Estou por isso em condições privilegiadas para dizer que hoje morreu alguém que mais se aproximou da ideia que faço de um santo: D. Manuel Falcão, Bispo Emérito de Beja.
Nunca me foi dado ver pessoa tão desprendida dos seus cuidados materiais. Embora pertencesse a uma família abastada, tinha que ser a irmã a mudar-lhe em segredo o guarda-roupa quando os fatos já se encontravam quase no fio. O automóvel de serviço, era ele, sempre que possível, quem o consertava em caso de avaria, dando uso à sua formação de engenheiro. O dinheiro de que dispunha, dissipava-o em pequenos auxílios discretos ou numa obra monumental, lenta e prudente: o levantamento, restauração e conservação do património histórico e artístico da diocese de Beja. Isto dito assim parece coisa institucional e maçadora, mas não era, porque estando entregue a José António Falcão (apesar do nome não tem qualquer laço familiar) tornou-se “apenas” um case study.
Foi em Janeiro de 1975 que Manuel Falcão recebeu o bispado de Beja. É difícil conceber cargo mais complicado, dada a hora e o local. Como ele o desempenhou, se quiserem saber, falem com pessoas de Beja, sobretudo comunistas, que elas vos dirão.
Manuel Falcão não era um homem efusivo e prazenteiro, mas era de trato cordial e sobretudo ponderado. Ou seja, procurava sempre salvar o pecador do seu pecado, em vez de brandir as penas do inferno, por maior que fosse o erro. Sei do que falo e com ele aprendi que o anti-clericalismo é insensato. Percebi também que ser ateu em paz e descanso, sem correr riscos de ver a cabeça separada dos ombros ou acabar com o corpo em chamas, é uma prerrogativa das sociedades cristãs contemporâneas. Bem sei que isto contrasta com alguns preconceitos dominantes, mas é a vida…
Pelo Natal, Manuel Falcão entregava a cada um dos 79 sobrinhos-netos um envelope com €20. Dava-lhes também a responsabilidade de entregarem esse dinheiro à instituição de caridade ou beneficência que entendessem."
4 comentários:
Cara Helena:
Também eu sou ateu, às vezes digo que sou agnóstico (embora conheça muito bem a diferença semântica), mas não é de mim que vou falar, e dou-lhe os meu ªParabéns pela publicação deste artigo. Quem é Grande é sempre Grande!
Raúl.
P.S. Agora nos blogs é preciso ser paleontólogo.
era um homem ascético e seco de carnes e dentro da medida fez um trabalho interessante na sua diocese
e deixa boas recordações em muita gente
o que não se pode dizer do cónego Melo e de outros membros da ecclesia
Podes até ser ateu, mas vai por mim Zé: és um homem de fé.
O D. Manuel é daqueles Homens que ficará na nossa memória.
Vai-nos fazer falta.
Ana Falcão Centeno
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