Era Outono e eu estava em Paris, em trabalho. Fui jantar ao Drugstore dos Campos Elísios, porque queria ir ver o filme que estava no cinema em frente.
Quando comecei a comer, aproximou-se de mim um homem, saído da gente que aguardava mesa, que me perguntou se eu não me importava que ele se sentasse. Curta e directa disse-lhe que me importava e que desejava tomar a minha refeição sozinha. O homem recuou para donde havia saído e ficou a aguardar à minha frente, causando-me, confesso, algum incómodo. Na altura do café fiz-lhe sinal para avançar. Agradeceu e eu saí para o cinema.
Já o filme havia começado, quando uma lanterna indicou o lugar vazio, ao meu lado. Sentou-se um vulto. De esguelha percebi que se tratava do mesmo indivíduo. Puro acaso, acreditei.
Terminada a sessão e já a caminho do Hotel que não ficava longe, senti uma voz a perguntar "puis-je vous tenir compagnie?".
Hesitei entre o riso e a irritação. Optei pelo primeiro e respondi que a companhia seria curta porque o hotel era perto. Chegados à porta convidou-me para tomar qualquer coisa no bar. Neguei à primeira porque apanhava o avião cedo. Mas aceitei à segunda.
Ayan era egípcio, engenheiro e ia todos os meses a Paris, em trabalho. Partia, também, no dia seguinte. Julgou que eu era francesa e ficou muito admirado quando lhe disse ser portuguesa. Conversámos até de madrugada e despedimo-nos com um "até um dia".
No dia seguinte, já nos Invalides - nesse tempo o dinheiro não dava para táxis - vejo um homem a correr para tomar o meu autocarro. Era ele. A conversa foi amena e chegada a hora da largada, levou-me até ao local de embarque. Quando ia despedir-se de novo entregou-me um pequeno embrulho e disse "espero ter acertado". Baralhada, mas já em cima da hora, levei o pacote comigo. No avião, já descansada, abri finalmente o presente. Era um frasco de Dioríssimo, o perfume que usei anos a fio. Sorri perante o acerto, a intuição, a gentileza.
Guardei esse frasco trinta anos. Abri-o, finalmente, há um mês. Estava praticamente vazio.
Não sei porquê mas senti um nó na garganta... Quem sabe, talvez, por aquilo que não havia feito!
NotaEste texto é uma pequena homenagem à Margarida Pereira e ao seu excelente blogue "Criativemo-nos". Um dos seus post's fez-me recordar esta história...
H.S.C