quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

A importância de ser doutor

 Um dos aspectos mais agradáveis de se trabalhar em comunicação é o de sermos chamados pelos nomes e não levarmos acoplado a partícula que define o nosso grau de instrução. Nos 15 anos em que trabalhei em televisão e revistas, nunca fui mais do que a Helena. 

Ao contrário nas restantes funções publicas por onde passei o tratamento era sempre o de senhora dra e por mais que eu insistisse em que me chamassem pelo nome, nunca consegui o objectivo. Curiosamente e, após o 25 de Abril, o novo tratamento usado é o antipático "você" que, pronunciado no plural, por algumas apresentadoras de certos programas, fere o tímpano mais duro, até mesmo ao ponto em que dói. A expressão os "senhores espectadores" desapareceu da linguagem dessas apresentadoras - uso o feminino porque os homens nessa matéria são mais educados - que decidiram tratar-nos a todos pelo fatal jargão.

Ou seja, passou-se do oitenta para o oito. E hoje, em tudo o que é balcão, o você pegou e ja ninguém estranha se lhe perguntarem "você quer a bica cheia ou normal" ou mesmo "você tem de sair porque a casa vai fechar". E por mais educado que se seja, retribuindo com o uso de " a senhora ou o senhor", já nada adianta. O hábito está tão incrustado que nem mesmo alguém de 90 anos se livra de tal tratamento...

Suponho que o mesmo tenha nascido com a pretensão de nos tornar todos iguais. Acontece que o seremos perante a Lei ou a Constituição. Mas nem que tal seja garantido na teoria, a prática mostra que isso não será suficiente. A única arma possível para tornar as pessoas verdadeiramente iguais é a educação. Mas esta acentua cada vez mais a diferença, ao pretender privilegiar aqueles que são diferentes!

HSC

29 comentários:

Anónimo disse...

...são maia educados...

Gralhas

Anónimo disse...

Sra Dra
Tem toda a razão no que diz.Perdeu-se a fineza no trato,infelizmente.
E as apresentadoras de televisão - que deviam dar o exemplo - são uma péssima imagem no que respeita à educação...
Desde falarem com a boca cheia,a cruzarem/traçarem as pernas e darem ao badalo com o pé,etc,etc.Deviam assinar um termo de responsabilidade e devia existir protocolo para exercerem tal profissão de responsabilidade e visibilidade para o público.Mas a era das tininhas é o descalabro da falta de educação. E acham o que o menos é mais.
É de bradar aos céus!
Ainda bem que há quem faça a diferença pois também detesto o você/vocês.
Tenha uma boa noite de Reis.
Pedro

Pedro Coimbra disse...

O Miguel Esteves Cardoso há já alguns anos escrevia acerca do "tutear" (A Causa das Coisas).
Ainda não chegámos lá.
Mas está cada vez mais próximo...

Anónimo disse...

Se forem as tiás do Estoril a tratar os filhos por você já há quem ache chic!

Anónimo disse...

As palavras dão muitas voltas. Você, tratamento que hoje em Portugal não tem sempre o mesmo significado, tem origem na expressão vossa mercê, depois vossemecê e por último, você. «Vossa mercê» era uma forma de tratamento cerimonioso usada com deferência, no início para os reis, em Portugal, depois substituída por alteza, e posteriormente por magestade.

Anónimo disse...


Já me ri consigo. Uma tia minha quando a tratam por você responde sempre com vocemessê e as criaturas ficam um pouco surpreendidas...

Helena Sacadura Cabral disse...


12h24
Essas tias de Cascais já foram à vida, com o rombo que levaram...
Agora, com a pandemia, foram para o Alentejo e os filhos tratam-nas por "tu"!

Anónimo disse...

Penso que nós os portugueses somos muito complicadinhos no que se refere ao modo como comunicamos uns com os outros.

Começamos logo por não usar o TU, segunda pessoa do singular, quando falamos com outra pessoa, o que seria lógica e gramaticalmente correto, mas falamos em diferido, como se não estivéssemos a falar com aquela pessoa, mas com uma terceira pessoa, ELE ou ELA, exagerando um pouco, quase como se não pudéssemos olhar para a cara do interlocutor. Será por causa de toda esta cerimónia caricata, que os portugueses gostam tanto de indiretas, e nunca se sentem culpados de nada?

Isto dá origem a manias e susceptibilidades, na maior parte dos casos, pouco objetivas, e difíceis de descodificar.

Anónimo disse...

Faço as compras de supermercado, e outras, online. E quando recebo o e-mail de confirmação da encomenda, tratam-me sempre pelo nome próprio (sem o apelido). Não acho mal, mas duvido que os profissionais do super que me enviam os e-mails, gostassem que eu os tratasse também só pelo nome próprio.
Neste «one-up, one-down» é que está o constrangimento.

Anónimo disse...

As formas de tratamento refletem as relações de desigualdade ou de igualdade social, o lugar que cada um ocupa, a importância que cada um tem (ou julga ter) na pirâmide social. É sempre uma questão de superioridade/ inferioridade, ou de igualdade e paridade no tratamento.
Por exemplo o eletricista tratava o cliente por Sr Dr, e o cliente tratava o eletricista por Sr seguido do apelido ou apenas do nome, e também por você.
- Boa tarde Sr Dr (ou Sr seguido do apelido, nunca apenas do nome)
- Boa tarde Sr Santos (ou Sr António). Quanto é que você leva à hora?
Muitas vezes hoje vê-se o tratamento ao contrário: o cliente insiste em tratar o profissional por Sr e o profissional insiste em tratar o cliente por você.
Felizmente hoje já não existem os exageros de salamaleques do Vossa Excelência no tratamento do dia a dia, penso que apenas nos documentos governamentais.
Enfim, existe uma grande confusão, que resulta de uma espécie de luta de classes, verbal, confusão que não se explica, na maior parte dos casos, por falta de respeito ou de educação.
Existe também influência do «você» brasileiro que, ainda por cima, é muito diferente do «você» português, tal como o ciao em Portugal é usado de modo diferente de Itália. Em Portugal ciao é adeus, em Itália é olá.

Anónimo disse...

Sempre existiu o tratamento íntimo, o «tu» em Portugal, o tratamento de cortesia que noutros tempos foi «vós» e não «tu» (por exemplo entre fidalgos) e o tratamento de privilégio, que noutros tempos, sem falar do tratamento real, foi «vossa senhoria» e depois da república, «vossa excelência». Na minha opinião, hoje existem pessoas que tratam os outros por «você» por motivos muito diferentes (desde o estilo agressivo ao estilo bem intencionado):
- para sublinhar uma posição de igualdade de valor social;
- para contestar uma posição de inferioridade;
- para rejeitar a posição de superioridade daquele com quem fala;
- e pura e simplesmente (talvez na maior parte dos casos) porque tratar «por você» não é tratar «por tu», que seria demasiado íntimo e até abusivo (em Portugal), mas também não é tratar com demasiada deferência e senhoria, é um tratamento intermédio.
Temos ainda de ter em conta a comunicação não verbal, o tom de voz, o contexto, de parte a parte.
E temos ainda que considerar, que em muitos serviços, o tratamento resulta da tradução do que é habitual noutros países: dizer «Senhora Helena» e não «Dona Helena» ou «Doutora Helena«, por exemplo.

Anónimo disse...

Muitas vezes tratar por tu, por você, ou pelo nome, são apenas técnicas de marketing para uma aproximação menos formal e mais «íntima» com o consumidor!

Anónimo disse...

O uso do você na sociedade portuguesa, dá origem a mal-estar, conflitos e mal-entendidos. Nunca uso o você e não me faz falta nenhuma. Para família, amigos e colegas, uso tu. Para pessoas com alguma proximidade, mas não íntimas, uso o nome e a terceira pessoa: «A Manuela é de Lisboa?». Para um tratamento um pouco mais formal, utilizo Sr/Sra Dona/Dona e a terceira pessoa. Para um pouco mais de cerimónia, o Sr Dr/ Sr Engenheiro/ Professor, etc.
E faço assim, tem os seus quês, mas o você não é necessário e só complica.

Anónimo disse...

A verdade é que 'você', através da história, caiu do alto coturno de 'vossa mercê» para trato de superior a inferior. E hoje muitos atiram com um você à cara de outros, por vários motivos, mas também como uma espécie de devolução histórica, em ricochete- 'durante muito tempo deste-nos com o você, agora toma lá o você'.

Anónimo disse...

No Brasil a questão é mais simples: «você/ocê/cê» é como «tu» em Portugal, em situações de igualdade, entre pessoas próximas. Mas, mesmo desconhecidos, por exemplo jovens da mesma idade, tratam por você. No Brasil não existe o «tu» a não ser em uma ou duas regiões. Mas um jovem não trata uma pessoa mais velha por «você», mas por «Sr/Sra». No entanto, hoje há seniores que reclamam sorrindo, com o Sr/Sra, porque se sentem definidos como idosos, e toda a gente quer ser jovem. No Brasil pode-se chamar a uma moça, Senhorita, que corresponde ao Menina em Portugal- «A Senhorita dança?»- mas No Brasil Menina e Menino é mais para as crianças.

Anónimo disse...

O modo de nos relacionarmos em Portugal é muito emaranhado, quando não temos uma relação próxima, recorremos à terceira pessoa do singular «ELE/ELA», mas caiu em desuso a segunda do plural «VÓS SOIS», há muitas voltinhas e manias a dar nisto tudo. Mas penso que a maior das pessoas que recorre ao «VOCÊ» não está consciente dos seus muitos significados e fá-lo porque não quer tratar aquelas pessoas por tu, mas também não quer ser muito formal.

Anónimo disse...

Numa discoteca um rapaz e uma rapariga que não se conhecem, começam a dançar.
Notando que ele sua muito, ela diz «Você sua né?» e ele responde lisonjeado: «Vou ser seu também».

Anónimo disse...

As nossas maneiras não têm aquela simplicidade estética, que têm origem na gentileza, no respeito pelos outros, na empatia. As nossas maneiras resultam mais de uma luta pelo estatuto, pela superioridade, pelo poder. Veja-se «Senhora Dona», uma autêntica aberração, uma redundância, como se fosse «senhora ao quadrado», como se fosse preciso reforçar, para não haver dúvidas de que se trata de uma senhora, quando nas outras línguas Mrs, Ms, Doña, Donna, Signora, bastam.

Anónimo disse...

O Soutor, Sótor, Setor, ainda é uma instituição nacional não é?

Anónimo disse...

Os casais betos tratam-se por você «Oiça, você foi amoroso, um querido, quando me ofereceu o vison, e sem covid!»

Anónimo disse...

às vezes o senhor, senhora serve para arrumar as pessoas na prateleira dos velhinhos, fazendo juízos rápidos- 'Soudona Maria sabe usar o computador, consegue-me ouvir?' e gritam-lhe aos ouvidos, quando a Dona Maria ouve perfeitamente e é um ás em tecnologias!

Anónimo disse...

Devemos estar atentos e seguir as regas de cada cultura, caso contrário podemos criar situações incómodas.

Mas nós os portugueses, cada um tem as suas regras, muitas vezes classistas, e é tudo muito subjectivo.

É preciso usar «pinças».

Nada fácil.

Anónimo disse...

E não é só o doutor, o engenheiro, é muito valorizado, no nosso país, muito mais do que o arquiteto, tal como se pode ver nesta história que se passou com um amigo.

O meu amigo estava a falar com um empreiteiro numa obra.
O empreiteiro tratava-o de «sr engenheiro pr'aqui, sr engenheiro pr'ali» e o meu amigo disse-lhe «eu não sou engenheiro». O empreiteiro ficou em suspenso, incrédulo, e o meu amigo concluiu «sou arquiteto».

O empreiteiro respirou de alívio e acrescentou «ah bom, o sr engenheiro é arquiteto!». Eeheehheeh

Anónimo disse...

A propósito de você/o Sr/ tu/ vós

A Porta os Fundos/ título «Português Fluente»

https://www.youtube.com/watch?v=BOtg6dGTnLc

Anónimo disse...

Devíamos tratar-nos todos por quiducha e quiducho, ou por fofucha e fofucho.
«Quiducha» diz o polícia «você ia em excesso de velocidade»

YOLO
(you only live once)

Anónimo disse...

É Sr Dr, Sr Engº, Sr isto e aquilo, mas não se diz Sr Escultor, nem Sra Pintora, Sr Escritor, e ainda bem!

Anónimo disse...

YOLO
Fez-me rir mas, na minha opinião, ficava melhor sem o você:
«A Quiducha ia com excesso de velocidade» diz o polícia
ou «Mãos ao ar, temos provas de que foi o Quiducho que assaltou o BES».

Anónimo disse...

🌷

Anónimo disse...

E as apresentadoras/es que definem áreas como sendo ZONAS!
A zona de jantar,a zona de estar,a zona de dormir,etc,etc.
É de fazer DOER os tímpanos!!!
Pedro