“Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana.”
A memória é, a meu ver, uma das
maiores riquezas do ser humano. É ela que progressivamente vai dando textura à
nossa vida. E só quando estamos frente a alguém que a perdeu ou a não reconhece,
é que percebemos a sua importância.
Todavia, ela não se manifesta nem é
vivenciada da mesma forma por todos nós. Apesar disso, todos temos uma memória,
desde que a consciencializemos e tenhamos vivido o tempo suficiente para que
ela tome forma. Os entendidos dizem que é parco aquilo que conseguimos recordar
com menos de quatro anos de idade. Não sei se será verdadeira a afirmação
porque pessoalmente creio ter lembranças do ventre materno.
Há, diz-se, boa e má memória. Não
acredito. O que há, parece-me, é uma memória selectiva. Que, por um lado,
explica que cada um relembre um mesmo acontecimento de modo diferente. E que,
por outro, tente esvanecer aqueles cuja lembrança possa causar dor.
A minha memória, aquela que
conheço e me acompanha, é feita de emoções, de imagens, de sons e de aromas. Estranhamente
não é uma memória de palavras. Nem tão pouco uma espécie de ficheiro morto de
informações acumuladas, a que se recorre sempre que se torna necessário. Não,
nada disso. Ela é, sim, uma memória viva de sentimentos, de impressões
sentidas, de lugares visitados, enfim, de coloridas imagens, por vezes
aromáticas, que surgem sem causa próxima mas que são de uma enorme nitidez. São
lembranças de vivências a que, por regra, associo uma alegria quase ingénua,
só possível porque a passagem do tempo tornou diáfanos acontecimentos que, á época,
o terão sido menos.
E quanto mais anos passam sobre mim
e sobre os que me rodeiam, mais perceptíveis se vão tornando os sinais desta
gratificante memória, como se, num futuro próximo, o passado e o presente se
fundissem numa única e envolvente realidade.
HSC
4 comentários:
Helena,
só me recordo de coisas a partir dos meus 5 anos.
Tenho, na memória o bolo que a minha mãe fez de 2 andares, barrado com claras quando fiz os
5.
Às vezes contam-me histórias, conversas, com alguns anos e não me recordo.
Mas recordo, como se fosse hoje, dos momentos que passei com os meus avós, nas férias de verão passados no alentejo no monte, dos perús, dos porquinhos acabados de nascer, de dormir no colchão com lã de ovelha, tão fofinho, que todos os dias a minha avó, o amassava como de um pão se trata-se para ficar direito.
Existem, memórias que numca se apagam por muito que os anos passem. Outras apagam-se ou fazemos para se apagarem, porque nelas existe algo menos bom...
Carla
A nossa vida é aquilo de que nos lembramos.
Não é como aconteceu...é a nossa experiência vivida dentro de um universo só nosso, e distorcido pelas nossas emoções.
É difícil distinguir o passado do presente...para mim, eles entrelaçam-se e estão intrinsecamente ligados.
Não tenho uma memória seletiva, às vezes procuro recordar momentos de sofrimento numa atitude quase masoquista para confirmar que ultrapassei tudo isso e sou capaz de enfrentar outros momentos semelhantes.
Receio o futuro precisamente por não ter grandes memórias do passado dos meus pais e do seu envelhecimento a que não assisti.
Mas há algo em que faço finca-pé....recordar tudo de bom que me tem acontecido, o riso, a alegria, a música, o afecto, o Amor...só isso me faz olhar para o presente com coragem e até fervor.
Cara Helena:
Agora que ambos publicamos MEMÓRIAS, talvez venha a propósito comentar o seu texto, como sempre, muito interessante.
Sim, concordo, Helena, a Memória está sempre connosco, é parte integrante de nós. Sem ela, o presente perderia o seu sentido; é por ela que vivemos, que nos alimentamos.
É, no entanto, curioso como para si, Helena, a Memória é sobretudo de sentimentos e não, necessariamente, de palavras. Para mim, creio que é de palavras. É por estas, bem vincadas, bem articuladas e bem presentes, que recordo os sentimentos, as cores, os cheiros…
Mas não estaremos a dizer o mesmo de formas diferentes?
Com um Grande Abraço,
Raúl.
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