Ao longo da minha vida mantive sempre uma característica, que veio estritamente da educação recebida dos meus pais e da magnífica experiência vivida na minha vida familiar - hoje é assim que a vejo, pese embora, quando criança, eu apenas a julgasse original -, e que defino como a necessidade de trabalhar para conseguir manter um mínimo de certezas. Neste mínimo incluía a minha independência material e pessoal. E por ambas fiz esforços, por vezes, sobre-humanos. Não estou arrependida porque foram eles que forjaram o meu carácter, o qual, sem qualquer pinta de falsa modéstia, continua a marcar a minha vida.
Julgo que isto terá acontecido com muitos daqueles que, como eu, sofreram na pele as consequências da segunda guerra mundial. E até vivíamos acreditando que os sacrifícios feitos nos permitiriam ter uma velhice descansada...
Só que, desde a década de setenta, o mundo mudou tanto que os valores que tinham norteado a vida de cada um foram à vida e convenceram-nos que nesta, nada mais está já garantido. Foi então que vieram a voragem dos divórcios, das uniões de facto, dos abortos, do casamento entre pessoas do mesmo sexo, das barrigas de aluguer, do desemprego, das drogas, do sucesso mediático, enfim, a lista seria imensa e muito diversificada. O que, até, poderia não merecer grandes julgamentos morais oficiais, se todas as condições de bem estar se tivessem mantido. Seriam, eram, escolhas que cada um podia, ou não, fazer.
Mas a entrada no novo século trouxe com ela a crise e esta trouxe consigo a incerteza. E é esta incerteza quanto ao dia de amanhã - já nem falo do futuro - que está a minar a nossa vida pessoal e a nossa vida colectiva.
No mundo actual nada está garantido e, talvez por isso, uma grande parte das pessoas não se envolve em projectos e limita-se a viver o dia a dia, incerto, que a vida lhe reservou. Mas como esse tipo de vivência, a partir de certa altura, se torna demasiado insatisfatório, a ansiedade, a depressão, a loucura tomam conta de muitos, que se sentem profundamente infelizes por a sua existência, de tão incerta, carecer de sentido. E é este sentimento que une, hoje, tristemente, os portugueses...
HSC
8 comentários:
Um post "insólito" ,querida Helena, neste seu blogue que tanto optimismo exala e que nos dá todos os dias razões para acreditar na Vida. Também hoje me sinto "despirited", apesar de ir almoçar com o meu filho que conseguiu sair da Pesqueira ( apesar das férias judiciais, vai trabalhar lá atè Agosto).
O tempo não ajuda e penso que nós portugueses somos bastante influenciados por ele.
Quanto aos projectos, o meu filho mais velho tem dois grandes em mãos em telecomunicações e está a ter um relativo sucesso, apesar de levar uma "vida de cão". Acredita que pode mudar o mundo....e sinto-me orgulhosa por ele.
Isto são fases, olhe que os anos 60 tb trouxeram muita incerteza e a vida dos hippies foi tudo menos consensual :)
Desejo-lhe um fim de semana sorridente. E digo como a minha sogra : Quando mal, nunca pior...
Confesso que essa é uma forma de viver com a qual não me identifico,ou melhor,não simpatizo!A certeza do incerto é coisa para me dar cabo de vários dias...Isso de ser independente é uma bênção divina à custa de muito esforço pessoal (nosso),mas e aqueles que se esforçaram tanto,ou até mais que nós,e não conseguiram?
Foi na década de 70 que o mundo começou a acabar...Um mundo sem valores não é mundo e falta mundo às pessoas...As pessoas andam desnorteadas e ´desgarantidas'... Vivem divorciadas da vida e toda a união é um aborto!E até se alugam pessoas e sentimentos...E depois criticamos quem aluga outras coisas!O desemprego é um lugar comum,muito diversificado e enriquecedor tal como todos os julgamentos que achamos que podemos fazer...Um sucesso!Somos um sucesso...É demasiado bem estar e demasiado arrebatamento.Nós merecemos!Anos e anos a preocuparmo-nos tanto,mas tanto,com os outros...Esse tanto cresceu imenso!Agora tchammmm CRISE!!!Certa...Já não temos projectos nem vida!Mas podemos sempre ser infelizes e não termos sentido... Mas isto não é grave,desde que os outros o sejam também...Enfim!
Virgínia e Til
Eu também não vivo assim. Mas fiz projectos que hoje se tornaram inviáveis, porque, do certo, passei ao incerto. Consegui adaptar-me. É que depois de se perder um filho ou o homem que se ama, nada mais é certo na nossa vida. Foi preciso "refazer-me". Refiz-me.
Mas olho os meus concidadãos que não puderam ou não souberam adaptar-se - e são muitos - e dói-me imenso a sua angústia pelo dia de amanhã.
Gosto de a ler, Cara Doutora. Creio que a descobri ao ler o seu blogue e porque o seu nome me dizia algo que aprendi na minha infância. Depois, e porque procuro há uns meses para cá à me frotter" àqueles que sabem escrever a minha língua, gosto da filosofia daqueles que viveram os tempos da guerra.
Creio que fizemos parte do mesmo batalhão que, cedo, compreenderam que era preciso lutar para sair da mediocridade ambiente . A sede de liberdade também ajudou ao movimento.
Claro que o mundo de hoje é muito diferente daquele que conhecemos antes.
Por vezes ainda encontramos no nosso caminho seres para quem a ética e certos valores de sociedade têm significação.
Penso na Copa brasileira, bem evidenciado num jornal da Amazónia.
Enquanto torcedores do Brasil e de outros países se retiravam dos estádios, deixando montanhas de lixo, sem sequer olhar para trás, os japoneses recolhiam discretamente garrafas e copos de plástico, papel, bandejazinhas de isopor, latas de cervejas e de refrigerantes, canudinhos, restos de alimentos, embalagens usadas, enfim todo lixo produzido por eles.
Esse gesto civilizatório foi o legado mais eloquente da Copa. Com o exemplo, o japonês ensina ao mundo como tratar com respeito e civilidade o espaço público, como se relacionar com o meio ambiente e com os outros habitantes do planeta. A colecta do lixo, feita em sacos com a imagem impressa do sol nascente, foi uma lição de ética e de cidadania.
É a qualidade dos gestos que torna a condição humana possível. Enquanto houver alguém juntando o lixo e deixando-nos envergonhados da nossa imundície, o mundo não está totalmente perdido. Uma florzinha brota no esterco.
"Ailleurs", tenho a impressão que caminhamos de " nulle part para zero"! Na realidade não sei se alguém sabe para onde vamos e o que devemos fazer. Quem devemos crer ? Aqueles que nos dizem que o crescimento deve ser limitado ou o contrario? Que devemos proteger a nossa cultura e as nossas tradições, ou fundirmo-nos com outra mercantilista ao extremo? Mergulhar no consumismo "à outrance" , submersos na vaga devastadora dos produtos propostos a clientes que não têm os meios para os pagar , quando já nem sabemos avaliar o que é útil e o que está ultrapassado!? Submetermo-nos ao pensamento único e à protecção institucionalizada dos poderosos?
Quanto à sociedade, como harmonizar as relações entre os homens e as mulheres? Iguais ou concorrentes? Onde estão os valores da família?
Em Junho 2014, qual é preocupação dos americanos segundo a capa da "Time Magazine"? O triunfo do "transgénero". Magnifico de poder celebrar a confusão dos sexos como a mais recente e a mais gloriosa vitoria da nossa cultura ! Não é de admirar que os Russos pensem que estamos todos doidos e que não querem mais tratar connosco.
E as nossas relações com o ecossistema, com o qual estamos bloqueados sem ver o perigo?
Se vimos as coisas como deve ser, devíamos sim, preparar-nos activamente ao fim do automóvel individual, mas preferimos alimentar o conto de fadas do "milagre da fractura hidráulica" porque nos oferece a ilusão reconfortante que poderemos continuar a ir ao Auchan ou ao Pingo Doce indefinidamente com o nosso carro! E que faltará o dinheiro para a manutenção de tantas estradas, auto-estradas, pontes e ruas necessárias para tantos automóveis.
A nossa sociedade está em grande perigo mas não o quer saber. A panaceia dum PIB em crescimento infindo não é nada mais que um artifício estatístico para satisfazer novos editores sem miolos, dilapidar o dinheiro em aventuras financeiras perigosas e levar no rolo os eleitores.
Esta dinâmica revela uma falta de reflexão terrível, particularmente porque ela não analisa as consequências eventuais – possibilidade duma revolta, duma revoluçao, de desordens civis, de confusão e de morte. Para o momento estamos na confusão. Como muito bem escreve.
" Por toda a parte onde reina a civilização ocidental todos os elos humanos cessaram com a excepção daqueles que tinham como razão de ser o interesse".
Atribuido a Louis Aragon, 1925.
Caro Defreitas, comecei por ler atentamente os seus comentários no Blogue do Embaixador, porque me sentia próxima do que dizia.
Agora, gosto muito de o ver aqui. E é verdade que devemos ter vivido algo de geracional muito próximo.
Bem haja pelas suas palavras!
Uma triste realidade a vida em que vivemos que futuro para os nossos netos ? é uma triste realidade que irá levar á loucura os que nos seguirem.
Os meus cumprimentos.
Manuela
O que mais me custa e dói é ver que há milhares de jovens que de tantos NÃOS aos seus objectivos bem estruturados, estão cansados, derrotados, porque em concursos, em mil e uma entrevistas de um hipotético trabalho, a "velha cunha" e ou "ser partidário", tomou formas dantescas e sem qualquer isenção entram "os que não deviam em detrimento de quem realmente merecia o lugar".
Pelo que leio e sei, até a outros níveis mais altos, as comissões de júri e ou avaliadores...vai na mesma onda.
"Nada é garantido" um facto e recordo-me dos tempos da ditadura... hoje transformados em "mercados, Pib, corrupção, etc." transformam as pessoas em "descartáveis" e nada como manter um povo curvado, depressivo, para fazerem o que querem.
Tudo isto só para lhe dizer que concordo consigo.
Um bom domingo
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