segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A palavra do Papa


Numa cimeira que reuniu 190 prelados, a Igreja Católica esforçou-se por pôr em marcha uma "revolução" destinada a colocar as vítimas de pedofilia no centro das preocupações. No discurso de encerramento, mais uma vez muitíssimo virulento, o Papa Francisco apelou a "uma verdadeira purificação", apontando o dedo à pornografia na Igreja e na sociedade. Era já tempo, porque os abusadores falharam duplamente. Não só porque abusaram da sua autoridade de adultos como, e mais grave, abusaram da paternidade espiritual que lhes confere o sacerdócio.
Não creio que haja alguém que professe a fé católica, que se não sinta profundamente triste e revoltado com os escândalos de pedofilia dentro da Igreja.
Embora Francisco não seja o Papa de quem mais gostei até hoje - de facto, os meus eleitos são João XXIII e Bento XVI, por mais diferentes que sejam entre si - não posso deixar de lhe reconhecer uma coragem imensa por ter tomado nas suas mãos este dossier. 
É evidente que o problema terá sempre de ser visto - pelo menos - por três ópticas diferentes, que são as vítimas, os abusadores e o crime público do sacerdote/cidadão.
Ouvidas as palavras de encerramento do Sumo Pontífice, acreditamos que uma parte  das vítimas ficou desiludida, outra parte acreditará que daqui para o futuro nada será como dantes e os restantes cidadãos ficaram surpreendidos ao perceberem que os abusadores poderão vir a ser tratados como cidadãos comuns.
Pese embora eu tente fazer do catolicismo a minha prática de vida, compreendo que haja quem tenha ficado gorado nas suas expectativas. É que a Igreja tem um tempo próprio, que leva, algumas vezes, ao afastamento daqueles que tendo um dia acreditado, se cansaram da espera na tomada de decisões. 
Mas também é nesse seu tempo que reside, por estranho que pareça, uma parte da força da Igreja. Ou seja, não será pela precipitação que ela erra. Será, antes, por demorar tempo demais a tomar a devida atenção à evolução dos usos e dos costumes.
Tenho, como muitos católicos, algumas divergências com a Igreja. Nem por isso a abandono. Como tive com os meus pais e os meus filhos. Que também não abandonei. Essas divergências são naturais. É mesmo saudável que existam. Não podem é ser escondidas.
Transposta a situação para a pedofilia - que acredito tem raízes doentias e que convém não confundir com homossexualidade -, julgo que, tratando-se de um crime público, ela não irá, de facto, ficar restringida à Justiça eclesiástica e aos seus Tribunais. 
Os prevaricadores, padres ou não, serão todos submetidos e julgados pela mesma Justiça.  Porque se assim não for, a frase de Bernanos - "o escândalo que me vem dela feriu-me no mais profundo da minha alma, na raiz da própria esperança", fará amanhã ainda, todo o sentido. É a esperança que está em jogo, hoje em dia. É nela que depositamos a nossa fé.
Com efeito, parece que o quotidiano eclesiástico se limita a gerir e descobrir estes casos de clérigos indignos e prelados dúplices.  Pura ilusão. A Igreja é essencialmente feita de padres fiéis e respeitáveis, de laicos em missão, de jovens que visitam reclusos e doentes. Alguns, mesmo, verdadeiros santos!

HSC

domingo, 24 de fevereiro de 2019

A Favorita





Fui ontem ver a Favorita do jovem e auspicioso cineasta grego Yorgos Lanthimos, que começa a ser um dos autores mais relevantes dos tempos atuais, devido à consistência dos seus quase dez anos de trabalho, em que se destacam a obra grega Dente Canino, e os primeiros projetos na língua inglesa, como O Lagosta, ou O Sacrifício do Cervo Sagrado, longa metragem que adaptou a tragédia grega de Ifigénia em Áulide do dramaturgo Eurípides.
Assim, era grande a minha expectativa deste seu novo filme, estrelado pelo trio de atrizes Olivia Colman, Emma Stone e Rachel Weisz.
Nesta película o realizador leva-nos para a Inglaterra do século XVIII, onde Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough, governa o país como confidente e conselheira da frágil Rainha Anne.
Mas em plena guerra com a França, vai chegar à corte Abigail Masham, nova e ambiciosa serva que, aos poucos se irá aproximar da monarca. Esta nova amizade entre ambas provoca a ira da duquesa. A partir daí, começa uma batalha entre as duas pela posição de favorita da rainha.
São muitos os factores que impressionam na Favorita, em particular o elevado lobby desenvolvido para a grande temporada de prémios que se iniciou ainda no final de 2018 e inclui a cerimónia da Academia, no começo deste ano. Não poderia, aliás, ser diferente, porque quer os aspectos técnicos - desde a fotografia e edição, à produção de arte ostensiva, com vistosos figurinos e maquilagens exageradas, típicas da época -, quer o enredo, o impunham, dado que se trata de uma história de espaço e sobretudo de poder que é transmitida através das suas actrizes.
A câmara de Ryan movimenta-se usando a curiosa e cirúrgica lente  "fisheye", sobretudo quando precisa apresentar a sumptuosidade do palácio real. Esta lente foi uma escolha curiosa já que, ao focar o caminhar das personagens pelos inúmeros corredores do palácio, cria uma sensação ilusória de longitude destes espaços, dando a impressão que não possuem fim, salientando deste modo a sua grandiosidade.
A Favorita surge dividida em capítulos, cada um com título específico. Até ao terceiro capítulo, a narrativa parece um pouco desajeitada, sem impulso e movimento. Mas, quando se chega ao quarto episódio, o fio narrativo explode e encontra o seu eixo, atingindo um patamar que os anteriores não tinham.
Por fim, vale a pena salientar o triângulo - mais odioso do que amoroso - composto pelas três atrizes de Hollywood, que têm uma notável interpretação, já que é na interação entre elas, que o filme se vai desenvolver, revelando as perversas personalidades de cada uma.
Rachel Weiss, logo no inicio, é quem causa impressão mais forte pelo seu cinismo e ironia. É também a personagem que oferece mais capacidade de algum riso neste trágico drama real.
Emma Stone, interpreta alguém que, vindo da servidão, passa por várias transformações e consegue, no final, posicionar-se numa situação completamente oposta àquela em que havia chegado.
Olivia Colman – como, aliás, o roteiro - irá crescer de forma surpreendente, à medida que os capítulos avançam. E, nos últimos, o seu brilho consegue, em alguns momentos, ofuscar o das suas colegas.
Foi, para mim, confesso, difícil sair do cinema sem saber exactamente porque tinha gostado do filme. E mais difícil ainda, definir o que nele me havia desagradado. Mas, trata-se, sem duvida, de uma obra a não perder!

HSC

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Os livros


Gosto de livros. Talvez porque cresci no meio deles. E tenho-os das mais variadas áreas. Quatro são, contudo, dominantes: os Diários, os de Arte Nova, os de Economia e os de Gastronomia.
Sou bastante epicurista e por isso pouco sensível ao que é politicamente correcto gostar. Devo ter sido das primeiras mulheres licenciadas a lançar um livro de cozinha, há já bastantes anos. E entre os trinta que já tenho publicados, seis são de culinária. Trato-os com grande carinho e não os considero menos importantes na minha vida, do que aqueles que me ajudaram a ser quem sou.
Felizmente a culinária ganhou um espaço novo, cada vez maior, e não há televisão que se preze, que não tenha programas neste campo. Do meu ponto de vista ainda bem, embora o seu nível esteja, por enquanto, muito distante do que foi o altíssimo contributo de Maria de Lurdes Modesto para dignificação da gastronomia nacional.
Aliás, julgo que terá sido por causa dela, que me interessei por esta área. Se um dia o trabalho me faltar, a comidinha para fora, não me deixaria sem ocupação. É que, surpreendam-se, há algumas amigas para quem faço umas especialidades, quando estas estão em aflições por causa de um almoço ou jantar que tenham de preparar. 
E esta novidade, hein?! Sou mesmo o que se chama uma caixinha de surpresas...

HSC

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Acontece aos melhores...


Nutro por Ricardo Araujo Pereira o que se chama de mixed feelings. No inicio, quando os Gato Fedorento apareceram, considerei que estava a preparar-se a geração pós Herman e que isso seria benéfico para o humor nacional, apesar de considerar que não seria tarefa fácil.
Depois, veio uma época em que ele fez muita publicidade e outra de "muito respeitinho" que a classe política lhe dispensava. Tanto, que se se prestou a algumas cenas infelizes, não por culpa de RAP, mas porque este se soube aproveitar bem, do facto da dita se pôr a jeito. Todos foram ao beija mão de um seu programa de entrevistas, incluindo o meu filho Paulo. Discordei da ida, mas o politico era ele e, nessa matéria, a minha posição é conhecida.
Tenho seguido o seu percurso com grande atenção e, confesso, tenho hoje por ele admiração, pese embora esta ter sido duramente conquistada. É que como não sabia explicar a antipatia que, em certo momento ele me me provocou, decidi que o importante era o facto de lhe dever - como, aliás, devo ao Herman - alguns dos mais gostosos momentos de riso da minha vida. E, até aqui já confessei, que ele me havia conseguido conquistar pelo humor inteligente e subtil que o caracteriza.
Assim, ao Domingo lá estou eu, após o Global Portas, à espera de ver "Gente que não sabe estar". Desta ultima vez, fiquei numa situação embaraçosa. É que as imagens da ida à Assembleia da senhora que dirigia a cadeia onde se filmou a festa de aniversario de um recluso, eram de uma comicidade confrangedora e seria muito difícil não rir com elas. Só que o riso provinha da falta de senso do discurso da senhora e da sua quase total ingenuidade. O que, claro, punha em evidência a sua falta de capacidade para dirigir uma prisão de alta segurança onde faltam guardas e onde outros estão de baixa contínua. 
Todos rimos - era quase impossível não o fazer - mas esse riso não foi justo, porque as palavras retiradas do seu contexto podem ser muito cruéis! E, neste caso, foram-no.
Eu sei que os humoristas entendem que tudo é passível de humor e que este não tem que ter limites. Eu não penso assim. Mas também não sou humorista.
Continuo a considerar Ricardo Araujo Pereira como um humorista muito especial e que lhe devemos umas horas igualmente especiais. Por saber isso é que fiquei triste, apesar de e por causa de, me ter, de facto, rido. Foi o que se chama, quer para mim, quer para ele, de um momento pouco feliz, de gente que sabe estar. Acontece aos melhores!

HSC

Da moda e da palavra



O título deste post traz-nos duas noticias. Uma má, a morte do costureiro Karl Lagerfeld que há anos orientava a Casa Chanel e uma boa, a publicação, no dia 15 do próximo mês de Março, de uma Nova Gramática do Latim, desta feita, elaborada por Frederico Lourenço que, com ela, interrompe o lançamento consecutivo da saga bíblica traduzida do grego. 
Quem se interessa pelas línguas originárias do latim, vai encontrar uma obra com um modo diferente e desempoeirado de abordagem relativamente às tradicionais gramáticas existentes, e que, curiosamente, é feita por alguém que possuindo um curriculum invejável, tem apenas 51 anos.
Karl Lagerfeld, um verdadeiro inovador, faleceu hoje no Hospital Americano de Paris, onde havia sido internado na segunda-feira. O designer da Chanel tinha 85 anos e era o rosto da moda de autor e de luxo da era pós-costureiros. De facto, simbolizava o homem que, simultaneamente, estava nos dois mundos, o dos ateliers de produção luxuosa da primeira metade do século XX e o do prêt-à-porter, mais pop, que marcou as grandes mudanças no sistema da moda nos últimos 30 anos.

HSC