Pode-se falar da alma de um país de diversas
formas. Uma – e, a meu ver, das mais originais – é percorrer ruas, bairros,
músicas, modas, ícones – e trazer para os livros os factos que a História, como
disciplina, não contempla. Todavia, são eles que contam a outra face, a da
“estória viva” de uma sociedade, que ainda tem pessoas capazes de recordar as memórias
dessas três décadas.
É o que faz Joana Stichini Vilela, uma
jornalista nascida nos anos oitenta. Curiosamente foi nessa época que eu
renasci, pelo que a data marca para ambas um começo de vida. Ela porque via a
luz do dia. Eu porque, finalmente, iniciava a minha verdadeira vida. Só esta
circunstância bastaria para que aqui falasse do seu ultimo livro - "LX80
- Lisboa entra numa nova era" -, que completa a trilogia aberta com os anos 60 em que se recorda a vida na capital naquela década,
muito marcada pelo consumismo e pelas noites do Bairro Alto.
Jornalista de formação a autora criou uma
colecção de livros que recordam a vida na capital portuguesa nas três últimas
décadas: depois de Lx60 e de Lx70, surgiu agora o
terceiro, a que acima me refiro.
Em 1980 Joana era uma criança cujas memórias
mais marcantes recordam a canção do Vitinho que, na altura anunciava a
hora de deitar. Ao contrário, eu recordo a Lambada, ritmo que veio do Brasil na
mesma ocasião. E ambas, por motivos diferentes, recordamos as idas ao Centro Comercial das Amoreiras, inaugurado em 1985
A Joana Vilela, pareceu óbvio, depois do
livro dos anos 60, continuar com a década seguinte e "naturalmente"
chegar aos anos 80. Fazia, de facto, todo o sentido juntar estas três décadas, que apesar
de bastante diferentes, em conjunto, constituem um bloco.
Mas para atingir os seus objectivos também
era importante retratar os anos 80 e para tal juntou-se a Pedro Fernandes,
o designer gráfico que a acompanha nesta aventura e
que cresceu na mesma época.
Se os anos 60 foram a década da ideologia (e
de sonhar com um país diferente) e os anos 70 foram marcados pela revolução de
Abril (a política estava em todo o lado), esta década de 80 é aquela em
que as pessoas querem uma normalidade, procuram recuperar o atraso
perdido.
À medida que se avança na década percebe-se como, não havendo nada, existia essa urgência de trazer tudo para cá, como uma rampa ascendente. É um tempo marcado pela abertura ao mundo - a entrada na CEE em 1985 foi um momento
decisivo - e pelo dinheiro, a bolsa, o consumo, os excessos.
Sentia-se uma
grande urgência. Havia uma crescente efervescência, uma profunda sensação de que tudo era possível. É uma atitude que se estende aos jornais, ao cinema, à rádio, às bebidas e
aos artistas. Surge alguém como António Variações, que hoje se tornou um ícone da verdadeira música popular de qualidade.
Foi também a época da D. Branca, a
banqueira do povo, que seria condenada a 10 anos de prisão. E de outras coisas menos boas. É que nesta
Lisboa dos anos 80 havia prédios em ruínas, o Chiado ficou reduzido a cinzas, a heroína circulava pela cidade e a Sida começou a fazer parte dos
noticiários. Houve também o rapto de um bébé acabado de nascer no hospital, e
viveu-se um período de medo de que tal voltasse a acontecer.
Cada história é contada de uma maneira
diferente e com uma ética diversa. No final do livro, que também é o final da década, surge "a
campanha mais louca do mundo", a de Marcelo Rebelo de Sousa à Câmara de
Lisboa. E com ela, o candidato a banhar-se no Tejo e a conduzir um táxi. Que acabaria por perder as eleições. Mas ninguém suporia, então, o que ainda lhe (nos) iria acontecer em
2016.
Trata-se de um excelente livro que fala de
Portugal, falando de Lisboa. E que nos retrata com isenção, não escondendo o que
estava mal mas, sobretudo, não esquecendo aquilo que então tanto nos animava.
Já é muito raro haver quem o faça!
HSC