quinta-feira, 31 de julho de 2014

A nova Filipa


Os que me lêem sabem que gosto de cozinha e que sobre o assunto tenho cinco livros publicados. Além disso, a minha biblioteca nesta matéria rivaliza com a de economia. E para não ficar desactualizada, tenho dois canais televisivos que só se ocupam destes prazeres.
Sou uma admiradora incondicional de Maria de Lourdes Modesto, a quem muito devo deste meu gosto e de quem me tornei verdadeiramente amiga. Neste grupo das afinidades gastronómicas, conheci e estimo Filipa Vacondeus, uma senhora a quem a idade nunca travou a vontade de nos mostrar as suas competências na arte de bem comer.
Mas a pessoa de quem hoje vos quero falar é de Filipa Gomes, uma mulher bonita e polposa que tem um programa intitulado O Prato do Dia, onde nos dá conta das suas receitas com produtos do Intermarché. Trata-se de uma jovem que pode considerar-se uma revelação televisiva, pelo à vontade com que se mexe em estúdio e comunica com os telespectadores.
Vestida e penteada muito ao estilo anos sessenta, combina quase na perfeição os dias de hoje com os de então. Apenas um senão que poderá corrigir facilmente e que advém do à vontade - talvez excessivo - com que nos fala. Se conseguir conter um pouco, alguns pequenos trejeitos, ganha ela, ganha o programa e ganhamos nós.
Mas está de parabéns quem a soube escolher para simbolizar, neste século XXI, uma arte tida como vinda, sobretudo, das mulheres do século passado!

HSC

terça-feira, 29 de julho de 2014

Ricardo Salgado


Começo por declarar que nunca tive contas no BES, nem acções ou quaisquer outros títulos. Tão pouco conheço a família Espirito Santo. Temos, isso sim, amigos comuns.
Podia, por isso, já ter comentado o assunto. Mas se o tivesse feito, os comentários seriam baseados em notícias que nem sempre terão correspondido à verdade. E eu já sei, por experiência familiar, como essas coisas acontecem.
Até que a Justiça julgue o caso, os elementos de que disponho já foram objecto das mais variadas interpretações. Tantas, que quase parece não estarem a referir-se à mesma pessoa.
O que me faz abordar hoje o tema é uma questão comportamental e de carácter. Ou, dito por outras palavras, é ver como pessoas que até há quinze dias se vangloriavam de ser íntimas da família, são hoje as primeiras a atirarem-lhes pedras e a levantarem, por via dessa intimidade, as maiores suspeitas. Tudo com um prazer malsão de quem se vinga por ver, finalmente, na cadeia, os ricos que antes admirava.
A Justiça deve ser igual para todos. No bom e no mau. Sabemos que não é. Não tanto por falha sua, mas mais porque uns podem pagar bons advogados e outros não. Aqui é que está a grande injustiça e o cerne da questão.
No caso Ricardo Salgado, prefiro esperar para ter mais certezas nos comentários que fizer, porque no campo dos julgamentos na praça pública, já me chegam os da família!

HSC 

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Luis Castro Mendes


Se estiver no Algarve não perca a noite de 14 de Agosto e pelas  21.00 horas, dê um pulo à Biblioteca Municipal de Loulé - Sophia de Mello Breyner, na rua José Afonso - e vá conversar com o diplomata e poeta Luís Filipe Castro Mendes, um dos nossos grandes nomes da poesia portuguesa contemporânea

Aqui, pode informar-se sobre esta iniciativa e sobre o perfil do autor. O poeta e o organizador do evento, o jornalista Carlos Albino, irão proporcionar-vos um sarau a não perder!

HSC

sábado, 26 de julho de 2014

As palavras de Seguro


No dia em que cumpriu três anos na liderança do partido, Seguro assegurou que nunca prometeu nada que não pudesse cumprir quando o PS voltar a governar o país. E frisou:

"Quero fazer aqui este pacto de confiança, a de que todos juntos, cada um com a sua responsabilidade, de mobilizar o maior número de portugueses para se inscreverem nas primárias e de dizerem de uma vez por todas que quem governa Portugal somos todos e não uma corte de iluminados em Lisboa, que decide e impõe a seu belo prazer aquilo que deve ser feito em Portugal",  

Para o secretário-geral do PS, a "responsabilidade" dos seus apoiantes "não é apenas de ganhar as próximas eleições", mas também de ganhar "a confiança dos portugueses".


Defendeu ainda ser necessária "uma nova forma de fazer política, que separe a política dos negócios, que reconcilie de novo a cidadania com a forma de fazer política e com a governação".

De facto é urgente encontrar uma nova forma de fazer política. E de fazer discursos. É que este é o mesmo que todos ouvimos há 40 anos. Ninguém se dará conta?! 
António José, não certamente, porque há quatro décadas, ele tinha apenas 12 anos...

HSC

sexta-feira, 25 de julho de 2014

O contraditório


"Confesso que não consigo acompanhar a histeria que se está a gerar em Portugal a propósito da entrada da Guiné Equatorial na CPLP, e que já nos custou este ataque cerrado do Jornal de Angola, país que tem defendido muito mais a língua portuguesa do que Portugal, com o disparatado acordo ortográfico em que se meteu. Aqui abaixo, o Pedro chega ao ponto de dizer que prefere a desintegração da CPLP a ver Obiang na mesa de honra.  Só que a CPLP é um dos mais importantes activos de que o país necessita para projectar a sua influência no mundo e a Guiné Equatorial é muito mais do que Obiang. Não se pode reduzir um Estado a um governante, a imitar Luís XIV, com o seu L'État c'est moi.
Não foi por ser governado por um ditador há décadas que Portugal foi impedido de entrar na NATO ou na EFTA. Da mesma forma, não é o facto de ter um ditador também há décadas que deve impedir a Guiné Equatorial de entrar na CPLP. Os ditadores passam, e os países ficam. No fundo, foi uma falta de visão de futuro semelhante que levou Portugal a não reconhecer o governo de Agostinho Neto aquando da independência de Angola, gerando uma inimizade entre os dois Estados que durou anos. O Brasil, passados cinco minutos depois da meia-noite de 11 de Novembro de 1975, já tinha reconhecido o Governo de Agostinho Neto.
Portugal também se obstinou em não querer deixar entrar a Guiné Equatorial, causando estranheza geral em todos os outros países da CPLP. Viajo imenso por esses países e há muito que me apercebi que a posição de Portugal não só estava isolada, como acima de tudo não era compreendida. A missão das organizações é ter sucesso e a expansão geográfica é uma forma de sucesso. Ora, a Guiné Equatorial tem o maior PIB per capita de África e um índice de desenvolvimento humano acima de outros países da CPLP, como a Guiné-Bissau ou mesmo Moçambique. Há assim todo o interesse em que entre na CPLP, permitindo que esta se torne uma organização económica forte, e não apenas cultural.
A União Europeia foi chão que deu uvas, tendo atirado Portugal às feras da troika. Só não tivemos uma crise muito pior devido ao investimento angolano em Portugal. Não vejo por isso razão para Portugal acrescentar o facto de ser pobre a ser mal agradecido, pondo-se contra todos os outros países da CPLP, rejeitando a entrada de um novo Estado, cuja adesão é importante para a organização.
A Guiné Equatorial tem uma enorme importância em África, com o seu território continental, Rio Muni, e as Ilhas de Bioko — onde fica a capital, Malabo —  Ano Bom, Corisco, e Elobey. Pode não ser um país lusófono, mas tem uma forte influência lusíada. Como se pode ler aqui, o país foi descoberto por Fernando Pó em 1471 e permaneceu português até 1778, altura em que foi cedido à Espanha por tratado. Há assim todo o interesse histórico em recuperar a influência portuguesa no país, para o que este se mostra disponível. Tal até devia ser motivo de orgulho para Portugal, que consegue recuperar influência num território que abandonou por exclusiva decisão sua há 200 anos.
Não se fala português na Guiné Equatorial? É um facto, mas também não se fala português em Timor-Leste, mas sim tétum, não sendo o português sequer usado como língua de comunicação. Na Guiné-Bissau, a língua de comunicação é o crioulo, sendo o português pouco usado. Nos confins de Moçambique não consegui falar português com ninguém. O que interessa é a história comum e essa existiu durante mais de 300 anos. Os Obiang deste mundo passarão e os países e as organizações ficarão, sendo importante que Portugal mantenha as suas relações com os países da CPLP. Mais do que Realpolitik, o que se exige é visão de futuro."

Aqui fica o texto de Luís Menezes Leitão - advogado que não carece de apresentação - publicado hoje, também no Delito de Opinião, no qual se analisa a questão da adesão da Guiné Equatorial de modo pragmático. Apesar destes argumentos não conseguirem derimir o que penso, e que foi exposto, de forma talvez mais emotiva, no post anterior, julgo que vale sempre a pena ouvir e dar a conhecer outras vozes e outros argumentos!

HSC


quinta-feira, 24 de julho de 2014

O poder do dinheiro


"Senti hoje vergonha, como português, ao ver o Presidente Cavaco Silva e o primeiro-ministro Passos Coelho na cimeira da CPLP, em Díli, que aclamou o ditador da Guiné Equatorial, ali presente na qualidade de dirigente de um novo estado-membro da organização.
Esta adesão adultera profundamente a essência da CPLP, comunidade de nações que têm por base o nosso idioma comum, um dos mais falados do mundo. Ora ninguém na Guiné Equatorial fala português -- a começar por Teodoro Obiang, que assistiu aos trabalhos com auriculares que lhe asseguravam a tradução simultânea e no final, questionado pelos jornalistas, se limitou a dizer que se sentia satisfecho".

Estes são os dois primeiros parágrafos de um post de Pedro Correia, no Delito de Opinião. Aconselho vivamente a sua leitura integral. 
O meu único comentário, como portuguesa e como cidadã, é dizer-vos que ontem me senti envergonhada. E muito revoltada por verificar que no século XXI, em democracia, se continua a aceitar que o poder do dinheiro sirva para dar poder aos ditadores.

HSC
  

quarta-feira, 23 de julho de 2014

O odor


Prefiro a palavra "cheiro" ao politicamente correcto "olfacto". É o meu segundo sentido, depois do tacto, e quase tão importante como ele. Relembro sempre, a este propósito, a alegria com que os meus filhos jogavam, na cama de casal, "à almofadada" e como se digladiavam pela minha, dizendo, com ternura, que "cheirava a mãe".
Mais tarde, seria eu que abraçaria todas as roupas da minha progenitora e pensava, em silêncio, que elas tinham o odor da sua pele e do seu perfume. Ainda hoje, em certas ocasiões, sinto o cheiro do seu corpo bem hidratado, ao sair do banho e parece-me que, por segundos, a tenho, de novo, comigo. Foi uma mulher lindíssima e de uma enorme fidelidade às suas duas águas de colónia favoritas, uma de inverno e outra de verão.
A certos odores associo, também, algumas situações da minha vida. Assim, a alfazema estará sempre ligada à primavera e aos meus avós maternos, ou a limpezas e arrumações de estação, como os primeiros fumos da castanha assada presumem o outono, a minha estação preferida.
Detesto incensos que me recordam perdas e velórios, como me incomodam algumas águas de colónia masculinas, que identifico com certos intelectuais de pacotilha - estou a ser boazinha - que conheci e cujo perfume  era uma espécie de imagem de marca.
Gosto do odor de certos corpos lavados mas não perfumados, porque ele identifica o seu proprietário e acredito que pode até constituir "meio caminho andado" para se "olhar melhor" alguém.
Finalmente, não sendo tão fiel como a minha mãe, há muitos anos que tenho dois perfumes de eleição para cada uma das duas principais estações. Todos florais e cítricos já que, tendo a pele muito branca, a tendência natural é para adocicar as essências. E até há quem adivinhe a minha presença num local, justamente por causa dessas fragrâncias!

HSC

Inúteis, é pouco!

“Foi necessário que, na passada semana, Bagão Felix tivesse utilizado o seu "megafone" mediático para que as Finanças cuidassem de vir pressurosamente a terreiro, por fonte ainda assim anónima, a clarificar o que não era claro: que os funcionários públicos na reforma não estão impedidos de dar contributos que lhe sejam solicitados por entidades públicas, desde que pro bono, a título gracioso.

…Como muitas outras pessoas nas mesmas circunstâncias, interroguei-me quando vi publicada a Lei 11/14, de 6 de março. Contrariamente ao anónimo oráculo do Terreiro do Paço, não tomei o "wording" do texto legal à conta de um pretenso "excesso de zelo" (ficando por clarificar o que entendem por "zelo"). Tomei-o pelo que ele era, de facto, e que, agora e sob pressão do escândalo, o poder político teve atabalhoadamente de retificar, ainda assim com um mero "parecer"
...
Estes dois parágrafos foram extraídos do post intitulado "Os inúteis" de autoria de Francisco Seixas da Costa e hoje colocado no seu blogue Duas ou Tres Coisas - http://duas-ou-tres.blogspot.pt - cuja leitura completa vivamente aconselho.
A minha posição familiar não me pode impedir de constatar os erros que se cometam. Ainda bem que o nosso Embaixador abordou o assunto, porque o fez melhor do que eu o faria.
Mas eu vou mais longe. O trabalho deve ser sempre remunerado. A excepção será aquele que se faz por solidariedade. Ora o caso vertente é, apenas, mais uma obsessiva perseguição aos reformados. E como este governo não precisa de solidariedade, é pena que não haja uma saída colectiva de todos os visados, dos lugares onde prestam serviço, para ver como o Ministério das Finanças iria resolver o assunto.

HSC

terça-feira, 22 de julho de 2014

O tacto


Cada indivíduo tem as suas particularidades. Eu, por exemplo, quando conheço alguém, o que primeiro chama a minha atenção são as mãos. Não porque sejam bem cuidadas ou maltratadas. Não é esse o sinal que elas me dão, dado que, neste caso, quando muito, a diferença entre ambas, seja a origem social. 
É com as mão que faço quase tudo que respeita ao tacto, um dos sentidos mais importantes do ser humano, embora face aos outros quatro seja, muitas vezes, menorizado. Por isso elas me falam tanto. Gosto de mãos vigorosas, que quando pegam as nossas o fazem de modo firme e caloroso.  
Seria capaz de reconhecer entre muitas, mas mesmo muitas, as mãos das pessoas que amei, as mãos dos meus filhos, as dos meus pais. Não sei exactamente a razão desta minha preferência, mas sempre tive a leitura de que as mãos reflectem muito dos seus proprietários. 
Para além de tudo isto, o tacto dá-me o lado sensual da vida, aquele que, por muito que o desvalorizemos, é uma parte importantíssima dela. E esta forma de sensualidade estende-se aos mais diversos campos. No meu caso, a impressão táctil vai do papel dos livros à textura dos tecidos, ao contacto da pele do corpo. Se entre mim e aquilo em que toco não houver o "clic" que torna essa espécie de rasto agradável, a reacção de recusa é imediata. Mas se, ao contrário, esse toque me apraz, ele vai ser o fio condutor do meu interesse, o qual pode, até, transformar-se numa descoberta. Como acontece com os invisuais, também para mim, o tacto é uma outra forma de olhar. De que gosto e de que preciso!

HSC

O silêncio das palavras


Todos os conhecemos esses silêncios que falam, encerrados num olhar, num gesto de ternura, numa mão que limpa uma lágrima, num abraço forte que se dá ou recebe e que mais não são, do que formas de dizer a uma pessoa que a amamos e que não queremos vê-la sofrer. Ou, também, que ficamos felizes com a sua felicidade.
Sendo a palavra o meio de comunicar por excelência, o facto é que este tipo de gestos contem, dentro de si, um mundo de silêncios que se sobrepõe a tudo o que poderia ser dito por palavras.
Quando nasceu o meu filho Miguel, eu não fui capaz de dizer nada. Tê-lo no meu colo depois do seu primeiro grito, olhá-lo depois de o trazer nove meses dentro de mim, só foi compatível com gestos de ternura. Levei muito tempo até me sentir capaz de exteriorizar o que me ia na alma. Tudo o que eu tinha para dizer, estava ali contido no meu olhar. 
A família vozeava as parecenças com o pai, com o tio, com a avó. Eu nem sequer lhes dava atenção. Apenas queria ter o meu filho nos meus braços e, em silêncio, poder garantir-lhe que, para sempre, eu estava ali.
Mais tarde, na minha vida, outros silêncios haviam de falar mais alto do que as palavras, quase sempre ligados às alegrias ou às dores dos meus ou daqueles que me estão próximos. 
Todos os que me lêem sabem a mágoa que tenho de ter tido marido e filhos na política. Ela destruiu o meu casamento e não destruiu o resto porque, a tempo, percebi que o meu silêncio sobre certos assuntos, era o maior apoio que lhes poderia dar. Ou, quando tal fosse impossível, que, pelo menos, o discurso fosse neutro e o humor tornasse a palavra mais suave. Foi assim que geri - e continuo a gerir - durante cerca de cinquenta anos, o profundo sentimento que sempre nos uniu, privilegiando mais o gesto de ternura do que a palavra racional. 
Foi, afinal, toda uma aprendizagem de vida que lhes fiquei a dever e que, de algum modo, fez vir ao de cima, o que terei de melhor!

HSC

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O peso das palavras...


Por oposição ao meu último post, neste vou falar da palavra, daquela que é falada. Deixarei para outro post, as outras, aquelas que estão contidas num olhar, numa mão que nos acaricia, numa lágrima que, de modo sorrateiro, alguém nos limpa.
Fui sempre defensora do valor da palavra. Escrita ou falada. Talvez por isso, é dela que vivo. Mas também sei que pode ser através dela que nos escape aquilo que, apesar de pensarmos, não devemos dizer...
Assim, a palavra é uma moeda de duas faces. Se, por um lado, constitui a via, por excelência, de aproximação das pessoas, por outro, pode ser a ferramenta fatal que as dilacera.
Há muitos anos, mesmo muitos, uma amiga minha, grávida do seu primeiro filho, almoçava em minha casa com um grupo de amigos. Todos éramos, à época católicos praticantes. Demasiado praticantes, como na época entendi.
A meio da refeição, um deles pergunta ao marido da futura mãe, quem ele escolheria, no caso do médico vir a pôr a questão. Rápido, tão rápido que quase feriu, ele respondeu que optaria pelo filho, como mandava a Igreja, já que este estava no princípio da sua vida.
Eu fiquei gelada e ainda consegui dizer que ninguém escolhe ou é capaz de escolher desta forma. Para, depois, acrescentar que a mãe era única, eles poderiam ter mais filhos e que não era aquela exactamente a posição da Igreja. Mas, à época, assemelhava-se muito, de facto.
Tantos anos passados, nas arrumações que ando a fazer, peguei na "Escolha de Sofia" - um romance de 1979 de William Styron - e lembrei-me deste episódio e do que, na altura. ele me marcou. Porque se fosse ao contrário, a minha amiga teria, sei, então, escolhido o pai.
Haviam de separar-se depois sem que, alguma vez, o catolicíssimo pai, tivesse tido, felizmente, de optar. Mas a escolha virtual havia sido feita e a palavra proferida... Aqui, sim, é que o silêncio teria sido de ouro!

HSC

O som do silêncio...


Nunca tinha reparado que o silêncio tinha som, até que numa determinada noite percebi que ele existia mesmo. Tinha 30 anos e o meu marido acabava de levar os últimos livros da nossa casa. Tudo o resto, já havia saído.
Para lhe dar inteira liberdade, jantei fora com uma amiga e depois fomos ao cinema. Como se a vida prosseguisse sem qualquer alteração. Era assim que eu havia desejado que fosse.
Retornei ao lar - lar não, porque afinal havia deixado de o ser - ou, antes, a minha casa cerca da 01:30 da manhã. Enquanto o elevador subia, senti que aquela seria a primeira das muitas noites dos anos que se iriam seguir, e que era fundamental que não chorasse, que me não sentisse impotente para o que o futuro me reservasse. Tinha dois filhos e era neles que, naquela ocasião, eu tinha de pensar. Não em mim ou nas minhas dores.
Meti a chave à porta e entrei numa casa em total silêncio. Não fui sequer ao quarto dos crianças. Não fui capaz. Entrei directa na sala e desabei - é o termo - sobre o sofá. 
À minha frente, a janela rasgada mostrava pequenas luzes luxuriantes de uma Lisboa adormecida, em que um ou outro lar era, ainda, visível. Dentro da minha cabeça, a pergunta que me assaltava, ia-se, a escassos intervalos, sempre repetindo "será que serei capaz de conduzir sozinha este barco?".
Foi então que me apercebi que o silêncio da noite continha pequenos ruídos, dos quais, durante 10 anos, jamais me havia dado conta. Quase imperceptíveis ao ouvido comum, mas definidos e precisos, para quem, como eu, estava com os sentidos afinadíssimos.
Não chorei, de facto, mas fiquei ali, quieta, perdida, horas. Eram 6 da manhã quando, sentindo o corpo dormente, me levantei e fui espreitar os filhos que dormiam tranquilos.
Tomei um duche quente e deixei que a água me lavasse a alma. Passaram quase cinquenta anos e eu nunca mais esqueci o som do silêncio. Em especial daquele que veio, talvez, quem sabe, de dentro de mim!


HSC