quarta-feira, 2 de julho de 2014

A razão e o coração

Não, não é de problemas de amor que vou escrever hoje. É de algo mais complexo e que respeita à sociedade em geral. Refiro-me à tradicional distinção entre direita e esquerda. Passam os anos, a sociedade transforma-se, os costumes e a moral evoluem, mas a distinção mantém-se, mesmo que os conceitos já não correspondam à realidade. Acontece o mesmo com "o caminho para o socialismo" garantido em texto legal e cuja rota já se desviou não sei quantas vezes, desprestigiando o termo e a casa que o abriga.
Um dia, o meu filho Miguel disse numa entrevista que eu era a mulher de direita mais à esquerda que ele conhecia. Na época, respondi-lhe que estava na altura de ele rever os seus conceitos ou, então, de me conhecer melhor... Ficou com um sorrisinho amarelo, mas creio que me entendeu, pois viríamos, ambos, mais tarde a brincar com isso.
Hoje li um texto em que se fazia referência a um autor que seria de direita mas teria um coração muito à esquerda. Voltei a rir-me com a distinção. 
De facto, quando leio nos jornais internacionais notícias sobre as medidas dos governos ditos de esquerda e de direita, vejo-me à nora para as distinguir. Nomeadamente no campo económico e financeiro. Nem sequer é preciso ir muito longe. Basta comparar as decisões tomadas nestas áreas por países como a França, Espanha, Itália, Dinamarca, para não falar já de outros. Claro que os discursos são diferentes e até acredito que as opções políticas o sejam também. Mas, em clima de crise, com uma margem de manobra cada vez mais estreita, torna-se muito difícil perceber a distinção.
Então o que é, hoje, ser de esquerda ou de direita? Simplificando, sou de direita porque gosto de coisas boas? Sou de esquerda porque estudei com uma bolsa e vivo exclusivamente do meu trabalho?
A verdade é que a maior parte das pessoas - exceptuo os profissionais da política - não se acantona exclusivamente num dos lados do pensamento ideológico. E é por isso, que cada vez que é solicitada a escolher, se abstém...

HSC

13 comentários:

Virginia disse...

Penso que as nossas escolhas são mais personalizadas do que ideológicas ou políticas. É calro que pendemos para um lado, mas isso não exclui certos valores que existem num ou noutro lado da barricada. Damos muita importância às pessoas, esquecidos de que essas mesmas nos podem estar a enganar ou vão desiludir-nos mais cedo ou mais tarde. Também escolhemos conforme a idade....depois do 25/4 quase toda a gente era de esquerda e tinha vergonha de se declarar mais conservadora ou menos revolucionária. Alinhei con pessoas do MES, do PC ou do PS e afinal, anos depois estou muito mais próxima do CDS. O problema é que nenhum dos nossos partidos é fiel a si próprio, todos se governam e o povo não consegue fazer-se ouvir.
Estou muito céptica em relação às próximas eleições, pois receio que o PS, mesmo sem maioria vá dar cabo das finanças do Estado, considerando que tem de repor os estragos causados pela crise.

TERESA PERALTA disse...

Helena, realmente, esta é uma matéria séria que tem a ver com actualidades ideológicas sujeitas a mudanças muito profundas e não assumidas. Mas, sabe, as conversas dos meus amigos/as das "esquerdas" chegam muitas vezes a esse ponto. Normalmente, não falamos de politica, até porque não percebo muito do assunto. Mas, de vez em quando, tentam levar-me à certa, dizem que sou uma pessoa de esquerda na "razão e no coração". Ahahah!!.. Limito-me, apenas, a julgar alguns acontecimentos à luz da ética cristã.
Beijinho e abraço grande.

Fatyly disse...

Ora aqui está espelhado a realidade da maioria e uma explicação para a abstenção.
Dois dos lados e ao centro há gente credível, boa, trabalhadora e empenhada porque não se aproveitar a nata e juntarem-se para melhorar a vida do povo? Essa é que é a questão que me atormenta...nenhum partido olha para quem lhes paga mas sim para o que gira em torno do seu umbigo partidário. Cheguei a uma altura que digo: venha o diabo e escolha por estar muito cansada com a destruição em massa de um povo, de uma geração se não for duas. Querem-nos pôr as culpas mas os verdadeiros culpados escapam a tudo e a todos, o dinheiro? esse vai todo pelo cano abaixo com acesso apenas ao que se sabe.

A criminalidade aumenta a olhos vistos e é o Deus nos acuda!

Maria disse...

Esse discurso é tão ridículo que se chega a ouvir defender que há regimes ditaturiais bons, se forem de esquerda e maus se forem de direita, seja lá o que isso queira dizer. São ditaduras, ponto! Porquê um silêncio quase total sobre as barbaridades cometidas durante e após implantação dos regimes totalitários que existiram na Europa durante várias décadas?
Vá-se lá saber porquê...

Blondewithaphd disse...

Uma vez submeti-me a um teste parvo para identificar a minha posição no espectro politico. Deu uma coisa com que eu me identifico na verdade e que, na verdade também, é aquém do meu pensamento e dos meus valores.
Identifico-me com o texto.

Anónimo disse...

Helena, a minha familia posso dizer sem pudor algum que é quase toda da esquerda, a minha avó é do tempo em que 1 sardinha tinha que dar para vários membros da familia, eram 6 irmãos aquele que se levantasse mais tarde ficava sem sapatos,os meus avós trabalhavam de sol a sol numa herdade, onde os patrões tinham professores particulares para os filhos, aulas essas dadas em casa, os seus empregados mal tinham para comer, histórias contadas pelo meus avós.
Como estas sei de outras, a minha familia é alentejana do tempo da Catarina Ofêmea...
Nasci a ouvir, a esquerda defende o povo, a direita os patrões, identico-me com a politica do seu filho Miguel, mas ao mesmo tempo admiro o Paulo que defende e bem causas que a meu ver são justas não é nada fácil governar um país, com isto tudo estou no meio das 2, gosto das coisas boas, trabalho ,felizmente tenho um nível acima de alguns portugueses mas não esqueço a desigualdade, as minhas origens.

Paulo Abrunhosa ( irmão de Pedro Abrunhosa), no livro por si editado postumamente, Diário de um Dromedário:
«Se eu um dia me tornar uma vedeta, quero ter sempre um pé na sarjeta.

Ontem falei de si, do seu blog ao meu psicanalista claro que não disse o seu nome nem do blog, mas disse-lhe o bem que me fazia ser sua leitora.

Carla

Anónimo disse...

desculpe Virginia, e não tem medo que o PSD continue a sua destruição total? das finanças do estado, das instituições, das pessoas, dos jovens, dos idosos e de tudo o que lhe surgir na frente. Está certo!

Helena Sacadura Cabral disse...

Carla, compreendo-a bem.
Eu venho da burguesia beirã cruzada com a burguesia alentejana. Mas na minha infância as roupas passavam se uns para outros e os casacos quando velhotes viravam-se do avesso. Ganhei o meu primeiro dinheiro a dar explicações com 13 anos e tomava o eléctrico de operários às 7h da manhã para a Faculdade, porque a vinda era gratuita.
Nunca tive facilidades e estou grata à vida por isso.
E, ainda agora, trabalho 8h por dia e faço tudo em casa.
A empregada vem 7h por semana e só limpa. Eu cozinho, passo a ferro e escrevo. Vivo exclusivamente do meu trabalho e agradeço todos os dias por te-lo e ter saúde!
Como você, estou entre dois mundos e recuso que me classifiquem do que quer que seja!

Anónimo disse...

Entre outras, descrevo duas "coisas" já vividas e que me influenciaram na minha forma de pensar/estar:
1ª Gasto desmesurado e incontrolado dos dinheiros públicos por parte de sucessivos governos socialistas.
2ª Há anos atrás, na comemoração dos 25 anos do 25 de Abril, vivia eu à época em Lisboa. A Avª da Liberdade encheu-se de manifestantes, militantes, cidadãos, enfim, de pessoas felizes pelo 25 de Abril. Quase tudo de cravo à lapela, abraços, palavras fraternas e discursos democráticos. Horas depois, uma pequena parte rumou para o Centro Comercial Vasco da Gama. Embora pequena, encheu o piso da restauração. E, aqui, tudo se transformou. Se horas antes, se abraçavam e partilhavam ferverosamente ideais, neste fase, nem as cadeiras conseguiam partilhar!
É verdade, ocuparam-se das mesas, colocaram carteiras/malas a ocupar outras e, indiferentes aos que estavam em pé de tabuleiro na mão, alguns até com crianças pequenas ao colo, ninguém, mas ninguém, dava um jeitinho, nem que fosse tirar a mala de cima de uma cadeira!
Parecia que tínhamos sido teletransportados para outra realidade … e fomos: saímos do mundo bonito do “eu estive lá. Viram como sou democrático e igualitário?” e passámos para o mundo real, o mundo do “eu e só eu!”
Lá se foi a fraternidade, a igualdade, a entreajuda, só restou mesmo a liberdade de cada um fazer apenas aquilo que lhe apetece … fiquei pasmada.
E profundamente desiludida com os chamados ideais de esquerda ou lá que isso significa.

Anónimo disse...


Bom dia Helena!
As dificuldades, adversidades da vida, fazem que possamos ver os mundo dos 2 lados.
Fez-me bem saber das histórias dos meus avós, os meus pais sempre foram pessoas humildades viviam do seu trabalho, meu pai operário fabril/ mãe empregada numa loja de roupa, como vê com salários baixos mas numca me faltou nada. No Natal vestiamos sempre roupa nova, o meu pai comprou-me uma máquina de escrever que naquele tempo custou 80 euros, não foi barata ainda hoje a guardo está nova!
A gestão da casa era feita no sentido da poupança juntar algum dinheiro no banco,só assim conseguiram ter casa própria, pagar estudos dos filhos,comprar carro e outros bens, os meus avós ajudavam-nos com coisas da horta todos os anos matavam um porco/ borrego tudo isto dividido por outro filho, o meu padrinho...
Quando casei tentei seguir os valores dos meus pais, sempre fui contida nos gastos, mesmo tendo um nível superior ao da vida deles, hoje já o transmiti à minha filha.
Tenho empregada, trabalho 7,30h quando chego a casa cozinho e como existe sempre algo por fazer, sou eu que o faço. O meu marido diz sempre que tudo o que temos foi devido à minha gestão, sem ela não era possível, neste ponto estou grata aos meus pais!!
A minha mãe dizia:
Não é quem ganha muito que têm muito, mas sim quem sabe poupar!
Depois dos 40 passei a ser mais consumista, mas também o fiz para merecer depois de mais de 20 anos de trabalho!

( entre o trabalho espreito o seu blog, escrevo muitas vezes à pressa, por isso os erros, como a diário escrevo muito em español dou por mim a escrever neste idioma, já sabe o porque do "creo")

Hasta la vuelta, voy de vacaciones, si puedo me asomo a su blog.
La quiero!

Carla

Raúl Mesquita disse...

Cara Helena:

Evidentemente que este assunto é delicado. Mas, do meu ponto de vista, não se trata de na actualidade não se poder distinguir bem Direita e Esquerda. A distinção existe sempre, creio. O que acontece e aconteceu é que cada um de nós pode não se identificar com todas as práticas dos paridos (e não das ideologias) do seu partido. Um exemplo, pode-se ser das esquerdas e ser contra o aborto…

Raúl.

patricio branco disse...

o espanhol, um governo ideologicamente afim, teoricamente, mas quanta diferença na sua actuação, nas preocupações com as pessoas, jovens, filhos, humanização de impostos, perceber que a dinamica interna impulsiona a economia, um humanismo que ao daqui não tem, etc

Anónimo disse...

Por vezes, não consigo distinguir a esquerda da direita. Politicamente falando, claro.
Presumo que existindo um 'lado' direito e um esquerdo, existirá um meio, um centro, whatever.
O que se incluirá nesse meio ou centro?

Por outro lado, confesso que gosto ou não das pessoas, independentemente da filiação política. É mais por aí.

Gosto de pessoas, adoro algumas.
Políticos enquanto 'carimbados' com a partidarite ... tem dias.