Às vezes
dou comigo a olhar o ecrã do computador, à espera que as palavras venham. Como
se escrever fosse um gesto mágico, íntimo, único. Algo que brota da alma e
encontra forma. Mas hoje, ao lado da minha tentativa, há uma outra presença,
silenciosa, veloz, eficiente. Uma inteligência artificial que sugere frases,
corrige desvios, antecipa as minhas ideias. E eu pergunto-me de quem é, afinal,
o que está a ser escrito?
Não é
medo — ou talvez seja. Um receio subtil de dissolução. A sensação de que algo
que antes era exclusivamente humano, agora está sendo dividido. A autoria, essa
expressão de identidade, começa a escorrer pelos dedos. Como água. Como código.
Mas
talvez não se trate de um fim. Talvez seja só uma mudança de forma. A IA não
sonha, não sofre, não ama. Pelo menos, não ainda. Ela produz, mas não sente. E
é aqui que ainda estamos. No sentir. No silêncio, antes da palavra. No gesto de
quem hesita antes de escrever, porque tem algo mais do que linguagem, dentro de
si.
A autoria
humana, talvez não desapareça. Talvez se torne mais rara. Mais preciosa. Como
cartas escritas à mão, num mundo de mensagens instantâneas. Como um suspiro que
escapa, entre palavras geradas em massa.
A questão não é se a IA vai tomar nosso lugar. A questão é
saber o que vamos fazer com o que ainda é só nosso?
A pausa. A dúvida. A memória.
O erro que se revela.
A dor que escreve.
Enquanto houver isto, talvez a autoria humana não acabe e apenas mude de tom.
MÃOS PEQUENAS, CORAÇÃO GRANDE
Já no top de vendas das livrarias.
1 comentário:
Não devemos temer a realidade.
Devemos saber conviver com ela.
E estar sempre presentes e disponíveis.
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