domingo, 31 de agosto de 2025

A BELEZA QUE NÃO SE VÊ

Quando sentimos que a nossa beleza não se vê, é como se estivéssemos escondidos atrás de uma cortina, que só deixa passar uma sombra de quem realmente somos. Olhamo-nos no espelho à procura sinais, mas parece que o reflexo não devolve aquilo que carregamos por dentro. É uma sensação silenciosa, quase injusta, de estar invisível ao mundo e às vezes, até, a nós mesmos.

Mas existe uma verdade difícil e bela nisto. É que nem toda beleza foi feita para ser vista de imediato. Algumas só se revelam no jeito de ouvir alguém sem pressa, na coragem de recomeçar quando tudo pesa, no brilho discreto dos olhos quando falamos do que amamos. Essa beleza, ainda que não se mostre em vitrines nem a olhares rápidos, é a que transforma, de verdade, quem cruza o nosso caminho.

Talvez o mais doloroso seja acreditar que ela não existe, só porque não é reconhecida. Mas a beleza que não se vê, continua sendo beleza — e, quando alguém a enxerga, mesmo que seja uma única pessoa, ela ganha o valor de um universo inteiro. 

 

sábado, 30 de agosto de 2025

NO INTERLÚDIO DO CORPO

No interlúdio do corpo, quando a pressa já não dita o compasso, aprendemos a ouvir.
O envelhecer não chega como rutura brusca, mas como um diálogo paciente - um murmúrio entre ossos, músculos e lembranças.

A pele torna-se mapa de caminhos percorridos.
Cada linha, um registo, cada marca, uma história que já não precisa ser contada em voz alta.
Os joelhos lembram que já correram mais depressa, os olhos, que já buscaram longe, antes de aprender a repousar no perto.

Nesse intervalo, descobrimos que o corpo não nos abandona, apenas nos convida a outro ritmo.
A vitalidade não desaparece. Ela apenas muda de lugar.
Sai da velocidade dos passos, para habitar a profundidade do olhar,
abandona a urgência do gesto, para firmar-se na delicadeza do toque.

O interlúdio do corpo é esse tempo de conciliação,
não negamos o que já não somos,
mas também não desistimos do que ainda podemos ser.
Conversamos com as rugas, aceitamos as pausas, celebramos a respiração.

Porque envelhecer é permanecer em diálogo com a vida,
é encontrar beleza no intervalo,
é reconhecer que, no corpo que abranda,
há ainda a música inteira — apenas em outro tom.

 

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

A extraordinária beleza de dizer “não sei”

Vivemos num tempo em que a pressão por respostas imediatas e certezas absolutas nos envolve de todos os lados. Espera-se que tenhamos opinião formada sobre tudo, que possamos explicar, argumentar e responder sem hesitação. Mas existe uma beleza rara e poderosa em admitir o contrário: dizer “não sei”.

Esse gesto simples carrega uma honestidade profunda. Reconhecer que não sabemos é um ato de humildade, porque nos coloca diante dos limites do nosso próprio conhecimento. É, também, um ato de coragem, porque desafia a vaidade de parecer sempre seguro e informado.

O “não sei” abre espaço para a curiosidade. Ele convida à busca, à investigação e à aprendizagem contínua. Diferente da falsa certeza, que fecha portas, a dúvida sincera expande horizontes. Quem admite não saber está pronto para descobrir, ouvir e crescer.

Há ainda uma beleza ética nesse gesto: quando dizemos “não sei”, oferecemos ao outro a verdade, em vez de preencher o vazio com respostas precipitadas. Assim, cultivamos relações mais autênticas e transparentes.

No fundo, o “não sei” é um lembrete de que a vida não se resume a controlar tudo ou dominar todo o conhecimento. É a confissão de que somos viajantes num caminho infinito de descobertas. E talvez a maior sabedoria esteja justamente aí: no reconhecimento de que a incerteza é parte essencial de sermos humanos.

 

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

AQUILO QUE NÃO DIZEMOS

Aquilo que não dizemos não desaparece. Fica guardado nos cantos mais silenciosos de nós próprios, como uma forma de respiração suspensa. Há palavras que não encontramos coragem de soltar, não porque sejam pequenas, mas justamente porque carregam um peso que nos desnuda.

No silêncio, elas transformam-se em olhares demorados, em pausas longas demais numa frase simples, em gestos que disfarçam a intensidade. Talvez temamos o que possa acontecer se elas forem ditas: a mudança irreversível, o risco de perder o que já existe ou, simplesmente, o medo de não serem recebidas como as sentimos.

Aquilo que não se diz é, ao mesmo tempo, refúgio e prisão. Refúgio, porque nos protege de expor tudo o que sentimos. Prisão, porque nos impede de viver com a leveza de quem nada esconde.

No fundo, sabemos que o não-dito, não é vazio. Ele fala de outra forma. E, talvez um dia, consigamos aprender a deixar que as nossas palavras encontrem o caminho, sem que o coração precise de se esconder atrás do silêncio.

 

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

AS LÁGRIMAS

No sentido simbólico, as lágrimas carregam um valor profundo — não como fraqueza, mas como linguagem secreta da alma.

Elas são palavras que escorrem pelo rosto quando a voz se cala, são memórias líquidas que carregam tanto de dor quanto de ternura. Uma lágrima pode significar saudade, amor, arrependimento, gratidão ou até um alívio depois de uma longa espera.

De certo modo, cada lágrima é uma espécie de oferta silenciosa. Entrega- se ao mundo aquilo que não se conseguiu traduzir em palavras ou gestos. E, ao mesmo tempo, devolve -se a nós próprios um pouco de clareza, como se lavássemos o olhar para que víssemos, de novo, o que importa.

Por isso, valem não pelo que resolvem, mas pelo que revelam, ou seja, pelo que ainda sentimos, que ainda nos importamos, que ainda estamos vivos.

 

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

A ALEGRIA, MOTOR DE VIDA

A alegria não significa ausência de problemas, mas a energia vital que nos motiva a seguir em frente, a criar, a transformar e a ter esperança de encontrar sentido no caminho. É como um combustível interno: quanto mais a cultivamos, mais força temos para viver plenamente.

A alegria é um motor de vida. Ela não elimina as dificuldades, mas dá-nos a energia necessária para as enfrentar com coragem e esperança. É a centelha que ilumina os dias nublados, a força silenciosa que nos levanta, quando tudo parece pesar demais.

Quando cultivamos alegria, não estamos a negar a realidade, mas a escolher olhar para ela com gratidão e abertura. É no gesto simples de sorrir, no abraço sincero, no canto dos pássaros ou no pôr do sol que encontramos combustível para seguir em frente.

A alegria não é um luxo, é uma necessidade vital. Ela nos torna mais resilientes, mais humanos e mais próximos uns dos outros. Viver com alegria é lembrar, todos os dias, que apesar das sombras, há sempre uma chama dentro de nós, capaz de nos mover em direção à vida.

Alimentar a alegria, não é a fugir da realidade —  é, sim, ampliar a nossa capacidade de a enfrentar. É essa energia que transforma a rotina em presença, o cansaço em esperança, e a dor em aprendizagem.

Ela não elimina a dor nem nega o absurdo da existência, mas mostra-nos que, apesar de todas as dificuldades, a vida pode ser digna de ser vivida. A alegria é resistência contra o vazio, é afirmação de que somos mais do que circunstâncias passageiras.

Quando a cultivamos, compreendemos que viver não é esperar a ausência de dificuldades, mas aprender a mover-se com leveza no meio a elas. A alegria, afinal, não é um fim. É a afirmação de que somos mais do que quaisquer circunstâncias passageiras.

 

sábado, 23 de agosto de 2025

A CALÚNIA

Nunca tinha sido alvo da calúnia. Foi preciso chegar a esta idade e a 30 anos de comunicação social, para ter tido essa experiência, que me magoou muito, mas simultaneamente me permitiu ver quem, de facto, me aprecia e defendeu.

A calúnia é uma das formas mais cruéis de injustiça, porque ataca aquilo que é mais precioso numa pessoa: a sua honra e a sua dignidade. Diferente de uma agressão física, que deixa marcas visíveis, a calúnia age de maneira silenciosa e corrosiva, espalhando desconfiança, mágoas e ruturas muitas vezes irreparáveis. Uma palavra distorcida, uma mentira repetida, pode destruir amizades, abalar famílias, manchar reputações construídas ao longo de anos e, até, comprometer a vida profissional e social de alguém.

O mais doloroso é que, depois de espalhada, a calúnia dificilmente pode ser totalmente reparada. Mesmo quando a verdade vem à tona, as dúvidas já foram lançadas, e o olhar das pessoas nunca mais é o mesmo. É como uma mancha que permanece, mesmo após tentativas de limpeza.

A devastação da calúnia não atinge apenas a vítima direta. Ela corrói laços de confiança na comunidade, incentiva a injustiça e alimenta a maldade. Quem calunia fere não só o outro, mas também a si mesmo, pois revela a própria fragilidade de carácter.

Por isso, é fundamental refletir antes de falar e cultivar a responsabilidade nas palavras. A verdade pode ferir, mas liberta.  A calúnia, por sua vez, aprisiona todos num ciclo de dor e desconfiança.

 

sábado, 16 de agosto de 2025

O Íntimo e o Privado das Figuras Públicas I

A condição de figura pública carrega consigo uma dupla dimensão: a visibilidade e a exposição. Políticos, artistas, atletas, influenciadores e outros indivíduos conhecidos da sociedade acabam sendo constantemente observados, analisados e, muitas vezes, julgados. Entretanto, é importante compreender a distinção entre o que é de interesse público e o que pertence ao campo da vida privada.

O íntimo refere-se ao núcleo mais restrito da existência pessoal: sentimentos, relações afetivas, escolhas espirituais, familiares ou de saúde, aspectos que, por sua própria natureza, dizem respeito apenas ao indivíduo e ao seu círculo mais próximo. Já o privado abrange uma esfera um pouco mais ampla, como preferências pessoais, momentos de lazer, rotinas domésticas ou opções de estilo de vida, que não necessariamente se conectam com a função social ou profissional exercida por aquela pessoa.

Embora o fato de alguém ocupar espaço na mídia desperte a curiosidade do público, isso não autoriza a invasão irrestrita de sua vida íntima e privada. A liberdade de imprensa e o direito à informação encontram limites no respeito à dignidade humana, princípio fundamental em sociedades democráticas. O que é de interesse público — como condutas que impactam a coletividade, atos de corrupção, discursos, decisões profissionais ou políticas — não deve se confundir com o interesse do público, que muitas vezes se volta apenas para a curiosidade ou o entretenimento.

Assim, preservar o íntimo e o privado das figuras públicas é um exercício de equilíbrio entre a transparência necessária à vida social e o direito individual de cada pessoa à intimidade. Reconhecer esses limites é também uma forma de reafirmar que, apesar da notoriedade, celebridades e autoridades continuam sendo seres humanos que merecem respeito, dignidade e proteção de sua esfera pessoal.

 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

A TEGGY

Conheci a Teresa Caeiro há muitos anos. Apesar da sua brilhante carreira política, aquilo que hoje me interessa ressaltar é, obviamente, a mulher, que se encontrava escondida debaixo da armadura da política.

Era, talvez, das pessoas mais carentes de afeto que encontrei ao longo da vida. E, também, das pessoas mais protegidas por esse afeto, de que ela tanto carecia.

Dotada de um grande sentido do humor, sempre que estávamos juntas não era de política que falávamos, mas sim, daquilo de que todos os seres humanos carecem, para se sentirem felizes. E, também, para rir.

Ela achava-me uma mulher forte e eu dizia-lhe que ela ainda só aprendera a reconhecer as suas fragilidades. Faltava ir mais fundo para, verdadeiramente, se encontrar.

Eu sabia que a Teresa podia ser forte, porque houve ocasiões em que essa caraterística veio ao de cima. Assisti a algumas delas. Infelizmente, outros fatores e dependências, arrastavam-na para o lado difícil da vida.

Choro por isso, por saber que, com tantos amigos a protegê-la, ela não tivesse tido a capacidade e a vontade, de sublimar as pedras que a vida, por vezes, põe no nosso caminho para nos testar! Adeus, querida Teresa. E que, finalmente, encontres a paz!

 

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Educação Sexual nas Escolas: um pilar para a formação integral


Pertenço a uma geração em que a sexualidade era tabu nas famílias e muito mais nas escolas. Assim, se não fosse a mãe que tive, o que saberia era a pouquíssima abordagem da matéria em livros proibidos. Nunca me conformei com esse condicionamento.

Para já, a educação sexual nas escolas, deve ir muito além do ensino sobre anatomia ou prevenção de doenças. Ela é uma ferramenta essencial para promover o conhecimento, o respeito e a autonomia dos estudantes sobre os seus próprios corpos e relacionamentos. Quando tratada de forma responsável e adequada à faixa etária, ajuda a combater tabus, a reduzir a desinformação e a prevenir situações de risco.

O ensino estruturado da sexualidade aborda temas como consentimento, diversidade, igualdade de género, prevenção de infeções sexualmente transmissíveis, menstruação, métodos contracetivos e desenvolvimento afetivo. Essas informações, transmitidas de maneira clara e respeitosa, fortalecem a autoestima e a capacidade de tomar decisões conscientes.

Além disso, a presença da educação sexual nas escolas contribui para diminuir casos de gravidez na adolescência, violência sexual e discriminação. E também cria um ambiente mais seguro, onde os estudantes se sentem à vontade, para esclarecer dúvidas e aprender, sem medo de julgamentos ou ideologias, porque estas matérias estão muito acima disso.

Negar esse acesso é deixar jovens à mercê de informações distorcidas, muitas vezes obtidas de forma insegura na internet, ou em conversas informais. A escola, como espaço de formação dos cidadãos, tem o papel de preparar os seus alunos não apenas para o mercado de trabalho, mas para a vida em sociedade. E a educação sexual é parte fundamental desse processo.

Peregrinação Interior

Há um caminho que não se traça em mapas.
Não há setas pintadas nas pedras, nem placas a indicar o rumo.
É uma estrada que começa no silêncio,
quando o mundo lá fora se dissolve
e a única bússola que resta é o pulsar do próprio coração

Peregrinar por dentro é atravessar desertos invisíveis,
encarar tempestades que ninguém vê,
e caminhar por florestas de lembranças, onde a luz entra aos poucos.
E aceitar que algumas distâncias não se medem em passos,
mas em coragem.

Nesse percurso, encontramos ruínas de antigas versões de nós próprios
e, entre as fendas, sementes que aguardam germinar.
O chão é feito de memórias,
as pontes, de perdão.
E, se há montanhas, são de medos —
que se desmancham ao serem olhados de perto.

A peregrinação interior não tem chegada triunfal.
Tem um retorno.
Voltamos ao mundo com os olhos lavados,
o coração menos pesado,
e a certeza de que, onde quer que estejamos,
há sempre mais estrada dentro de nós.

terça-feira, 12 de agosto de 2025

CEDO DEMAIS

Todos nós, alguma vez, esperámos muito tempo, por alguma coisa ou por alguém, que não aparecia. E, se o problema não for esperar demais, mas receber cedo demais?

Às vezes, o desejo bate à porta antes de aprendermos a morar dentro de nós. E o que parecia presente torna peso, porque não temos ainda mãos firmes para segurar.

Chega como fruta verde: bonita por fora, mas amarga no gosto. Tentamos morder, mas o dente encontra resistência, e o sabor não é o que imaginávamos. Não é culpa da fruta. Nem nossa. É só o tempo — esse maestro que sabe quando a música está pronta para ser tocada.

Ter algo ou alguém cedo demais é, quase, como perder. Porque, sem a devida preparação, o que vem não encontra espaço para se encaixar.

Mais tarde, talvez, olhássemos para aquilo com mais cuidado, mais calma, mais reverência. Mas naquele instante, o que chega cedo vem junto com a pressa, o medo, a confusão.

E a vida, paciente, observa.
Porque ela sabe que o que é nosso pode, até, chegar antes da hora — mas só floresce quando nós já aprendemos a ser jardim.

 

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

O TER E O QUERER

Vivemos entre dois verbos que moldam grande parte da nossa existência: ter e querer.
O ter representa o que já conquistámos — bens, títulos, experiências, relações. Ele traz segurança, estabilidade e, muitas vezes, orgulho. Mas o ter é estático; é a fotografia do que já foi alcançado.

O querer, por outro lado, é movimento. É o desejo que nos impulsiona para a frente, a chama que acende a ambição, o sonho e a curiosidade. Mas ele também pode ser inquieto, insaciável, a pedir sempre mais.

Quando vivemos apenas no ter, corremos o risco de nos acomodar, de prender o olhar ao que já está nas mãos, esquecendo que a vida é mudança. Quando vivemos apenas no querer, podemos cair na eterna insatisfação, correndo atrás de algo que nunca chega — ou que, quando chega, já não basta.

O equilíbrio está em reconhecer e valorizar o que temos, sem matar a capacidade de sonhar e buscar. É saber que o ter dá raízes e o querer dá asas. Porque a vida pede as duas coisas: pés firmes no chão e olhos que enxergam o horizonte.

 

domingo, 10 de agosto de 2025

O AMOR

O amor é maravilhoso em qualquer idade. Ele não se prende ao calendário, não teme rugas nem se embaraça com a contagem dos anos.
O amor é uma chama que se adapta ao tempo. Na juventude, chama intensa, carregada de sonhos e descobertas. Na maturidade, transforma-se em calor constante, que aquece de dentro para fora e dá segurança nos dias frios.

Na juventude, o amor é a pressa de viver tudo de uma vez. São noites passadas em conversas intermináveis, promessas feitas com brilho nos olhos, aquele frio na barriga que parece nunca acabar. É um mergulho sem medo de profundidade, movido pela curiosidade e desejo de conhecer o outro e a si mesmo.

Com o passar dos anos, o amor amadurece. Ele não perde a beleza — ganha novas cores. Deixa de ser tempestade para se tornar rio, que flui sereno, mas segue profundo. É o gesto do abraço profundo, do beijo prolongado, dos corpos aninhados, do silêncio confortável, que dispensa palavras. É entender que amar não é se perder no outro, mas se encontrar nele.

E quando ele chega mais tarde, na vida, torna-se ainda mais precioso. É reencontro connosco e, ao mesmo tempo, a descoberta de um novo lar no olhar do outro. É saber que o tempo é finito, mas ainda assim escolher viver cada momento com intensidade, porque cada riso, cada abraço, cada conversa tem sabor de eternidade.

O amor não exige idade para nascer. Ele floresce onde encontra espaço, cuidado e reciprocidade. E, quando verdadeiro, é sempre jovem — mesmo que os corpos carreguem histórias, mesmo que os cabelos contem o tempo!

Porque amar é viver.
E viver, quando se ama, é sempre um milagre.

 

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

O que sentimos, silenciosos, no meio da multidão

Há um tipo de silêncio que só quem já esteve no meio de muita gente entende.
Não é o silêncio do som — é o silêncio dentro de nós.

Às vezes estamos ali, parados no metro, numa festa, no corredor da escola, no trabalho, entre risos, vozes, movimentos. E algo dentro de nós se retrai.
Como se houvesse uma distância invisível entre o corpo e o mundo.
Como se estivéssemos presentes só de corpo, mas a alma estivesse olhando de longe, com as mãos no bolso, perguntando:
"O que é que eu estou a fazer aqui?"

Nesse momento, surge uma tristeza muda.
Não é um choro, nem um drama. É só um vazio quieto.
Como quem queria ser notado, mas não quer chamar a atenção.
Como quem queria um abraço, mas não sabe como o pedir.
Como quem quer conversar, mas não encontra palavras que caibam no peito.

Olhamos em volta e vemos gente demais.
Mas parece que ninguém nos vê de verdade.
Todo mundo a falar, a rir, a tocar-se — e nós ali,
silenciosos, tentando não afundar por dentro.

Não é inveja.
Não é raiva.
É só aquela sensação de estar fora de lugar até dentro de nós mesmo.

É estranho, porque a solidão na multidão não grita.
Ela cochicha. Ela sussurra dentro da mente:
"Ninguém aqui te entende."

E talvez seja isso mesmo.
Ou talvez seja só uma fase.
Talvez todos estejam a sentir-se assim também, mas ninguém sabe como dizer.

Então seguimos…
Silenciosos.
Esperando que, no meio dessa multidão, alguém veja.
Não o nosso rosto, não o nosso nome.
Mas aquilo que quase ninguém enxerga:
A vontade de ser encontrado, mesmo estando ali o tempo todo.

 

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

As tuas mãos no meu corpo

As tuas mãos no meu corpo são silêncio e tempestade.
Trazem a calma de um porto seguro, mas também o incêndio que me consome por dentro.
Quando me tocas, não é só pele — é alma.
É como se cada gesto teu soubesse exatamente onde mora a minha sede.

Os teus dedos desenham em mim caminhos que nem eu sabia que existiam.
Mapeiam-me, descobrem-me, domam e libertam tudo aquilo que escondo no fundo do peito.
Com um simples toque, fazes-me esquecer o tempo, as dúvidas, o mundo lá fora.

É nos teus gestos que encontro abrigo.
É no calor das tuas mãos que o meu corpo se rende, inteiro,
não por fraqueza, mas por desejo.
Porque quando me tocas, eu deixo de ser só eu —
e passo a ser teu.

 

Esclarecimento com carinho

Tenho recebido comentários que interpretam alguns dos meus textos como relatos da minha própria vida. Por isso, achei importante esclarecer algo.

Embora muitos textos estejam escritos na primeira pessoa, isso não significa que sejam autobiográficos. Alguns, nascem de memórias que outras pessoas me confiaram e que eu descrevo com os meus olhos, com a minha escuta e a minha sensibilidade. Outros, são pura ficção, inventados palavra por palavra.

É verdade que quem escreve, deixa sempre algo de si, em cada linha — um traço, uma sensação, uma sombra. Mas isso não faz da história, a minha própria.

Escrevo para dar voz a muitas vidas, não apenas à minha.

 

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Quando as palavras não saem

Às vezes, o silêncio fala mais alto do que mil palavras. Quando estas não saem, talvez o coração esteja a dizer tanto, que a boca não consegue acompanhar. Pode ser tristeza, cansaço, medo, ou até um sentimento belo demais, para caber em frases.

Quando as palavras não saem

Há um lugar entre o peito e a garganta onde mora o que não se diz.
Não é bem silêncio - é mais denso. Um quase-som.
Um grito que esqueceu como se grita.
Um choro que não encontrou o olho certo para escapar.

Fica ali, latejando.
Não se nomeia o que ainda está sendo sentido.
Não se organiza o que é caos dentro.
E como dizer isso que nem a própria alma entende?

A língua pesa.
A boca seca.
O mundo espera que se diga, que se explique, que se resolva.
Mas como desfazer o nó?
Como explicar o invisível, com palavras que só alcançam a superfície?

Então escolhe-se o silêncio.
Mas não por fraqueza. Por cuidado.
Porque às vezes, o que não se diz… é o que mais verdade carrega.

Mas tudo bem.
Nem todo sentimento precisa sair inteiro para ser real.
Nem toda dor precisa virar discurso para ser válida.
Às vezes, sentir já é dizer tudo.

 

terça-feira, 5 de agosto de 2025

ESTAREMOS A MUDAR?

Na sociedade contemporânea, o conceito de sucesso tornou-se cada vez mais multifacetado e subjetivo. Durante muito tempo, ter sucesso era associado quase exclusivamente a conquistas materiais. Ou seja, ter uma carreira sólida, estabilidade financeira, bens de alto valor e status social. Hoje, embora esses elementos ainda tenham peso, há uma mudança significativa na forma como as pessoas definem o que é, de facto, “ter sucesso”.

Cada vez mais, o sucesso é visto como a capacidade de viver de acordo com os próprios valores e encontrar equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Muitas pessoas já não consideram suficiente ganhar bem ou ocupar um cargo importante, se isso custar a sua saúde mental, os seus relacionamentos ou a sua felicidade. O sucesso, neste novo olhar, está mais relacionado com o bem-estar, a liberdade de escolha e o propósito de vida.

Além disso, há um reconhecimento crescente de que o sucesso não é universal nem definitivo. Para alguns, ele pode significar empreender um negócio próprio; para outros, criar uma família, viajar pelo mundo ou, até mesmo, encontrar paz interior. Essa pluralidade mostra que o sucesso deixou de ser um padrão imposto e passou a ser uma construção pessoal.

Nesse contexto, o autoconhecimento e a autenticidade, tornaram-se elementos centrais da ideia de sucesso. Ter sucesso hoje é, muitas vezes, sinónimo de viver de maneira alinhada consigo próprio - mesmo que isso signifique seguir um caminho diferente do que a sociedade tradicionalmente valorizava.

 

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

O Cheiro do Café

O cheiro do café tem algo de mágico. Ele acorda a casa, antes mesmo que os olhos se abram. Espalha-se pelos quartos como um anúncio silencioso de que o dia começou. É aroma de aconchego, de lembrança, de rotina com afeto. Há quem diga que o café só é bom mesmo quente e forte — mas, para muitos, o verdadeiro prazer está no cheiro que vem antes do primeiro gole.

Esse cheiro tem memória. Lembra manhãs na casa da avó, a chaleira apitando no fogão e o coador de pano pendurado como se fosse parte da decoração. Lembra conversas de domingo, tardes de chuva, pausas no trabalho, reencontros e despedidas. Lembra silêncio e companhia. É como se cada pessoa tivesse o seu próprio café, guardado na memória — com um aroma que não se esquece.

O cheiro do café tem o poder de confortar e de recomeçar. É convite e promessa. Promessa de que o dia pode ser melhor, de que há tempo para um respiro e de que entre um gole e outro, há espaço para viver.

 

domingo, 3 de agosto de 2025

UMA CARTA…

Às vezes, dou comigo a pensar naquele instante, que parece simples para o mundo, mas que vive em mim, como um eco eterno: o teu olhar.
Ainda te lembras? Talvez não. Ou talvez te tenhas lembrado, por tempo demasiado, à espera de que eu dissesse algo, fizesse algo.

Naquele dia — aquele, que tu provavelmente esqueceste, com mágoa — havia um brilho nos teus olhos. Mas não era alegria. Era um brilho estranho, contido, como quem segura um mar inteiro, dentro do peito.
E eu… eu não soube ver.
Ou vi e fingi que não.
Por medo, por orgulho, ou por mera incapacidade.

Hoje, entendo que naquele olhar, havia palavras não ditas, gestos suspensos, uma despedida silenciosa.
E eu, perdido nas minhas distrações, deixei passar o que, talvez, fosse o nosso último momento inteiro.

Sinto falta de tudo o que não foi.
De tudo o que teu olhar me tentou dizer.
E da versão de mim, que te teria escutado, com o coração.

Aceita a minha saudade e profundo arrependimento, se fores capaz.

 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

FOI AO VIRAR DA ESQUINA


 

FOI AO VIRAR DA ESQUINA
que o tempo parou de correr.
Um perfume antigo no ar,
um olhar que não quis esquecer.

Era outono ou era sonho?
A brisa sussurrava segredos.
E ali, entre o ontem e o agora,
o coração perdeu os seus medos.

As folhas dançavam no chão,
como cartas de um velho romance.
E cada passo em silêncio
guardava a chance de um reenlace.

A rua, de pedras gastas,
sabia mais do que dizia.
Tantas histórias pisadas,
tantas promessas vazias.