Não, não venho falar de Clara Pinto Correia. Já muitos, antes
de mim, o fizeram e com mais conhecimento de causa do que eu, que pouco a
conheci. Venho falar de um homem que era meu amigo, salvou a minha vida e era
pai da Clara. Venho falar do Professor José Pinto Correia, consensualmente
aclamado como um dos maiores vultos da Gastroenterologia nacional e
internacional, e que deixou pegadas demasiado marcadas para que o tempo o
consiga apagar. Foi das melhores mais brilhantes pessoas que conheci. E que,
enquanto viveu foi o médico que sempre me acompanhou.
Conhecemo-nos numa reunião da então JUC – Juventude Universitária
Católica- e a partir daí, foram várias as razões que nos juntaram, para além da
saúde. Havia um lado de humor e até de diversão nele, que só os mais próximos sabiam.
Conheci, assim, os pais muito antes das filhas. Mas a existência
delas, sentia-se nos pais que conheci. Havia neles um amor repartido, treinado
na partilha, um cuidado que sabia multiplicar-se sem perder profundidade. Não
falavam de uma filha só, mas de um pequeno mundo construído a várias vozes.
Nos gestos, via-se a experiência de quem criou mais do que
uma vida: a paciência, a atenção ao detalhe, a capacidade de ouvir. Clara vinha
desse espaço cheio, onde ninguém cresce sozinho, onde se aprende cedo a existir
com o outro ao lado.
Ao conhecer os pais, percebi que Clara — e as irmãs — eram
fruto desse equilíbrio discreto: um amor firme, silencioso, que não distingue
para diminuir, mas que sustenta todas por igual.