Há famílias que têm muita dificuldade em lidar com os afectos. Não
por amarem menos, mas porque terão sido educadas numa época em que as
manifestações exteriores de ternura eram bastante censuradas e quem as mostrava
era olhado com uma certa dose de censura. Sobretudo, entre homens. Ora muitos
desses hábitos transmitiram-se de geração em geração, mesmo quando os tempos já
haviam mudado muito.
Sei do que falo. Na família materna havia os "doces" e
os "tesos", ou seja, os fracos e os fortes. No lado paterno, idem,
mas com predominância destes últimos. Fui educada pelos duros e exigentes, que
esperavam sempre de mim que os não defraudasse. Guardava, assim, bem escondido,
um lado que só me poderia trazer dissabores.
Depois cruzei-me com gente forte ou, dito de outra forma, com
gente que fazia das fragilidades senão um tabu, pelo menos, algo que não
merecia especial respeito. Foi durante este período que desenvolvi o que chamo
do meu lado germânico... Pela graça divina, por muito esforço meu e por grandes
lições que a vida me deu, ele havia de ficar confinado ao campo profissional.
Andaria pelos vinte e poucos, quando alguém - o Padre Abel Varzim,
então meu director espiritual - chamou a minha atenção para a importância das
ditas manifestações de afecto. Hoje pode parecer ridículo - e naturalmente até
seria -, uma tal circunstância, quando impera a liberdade nesse campo.
Mas o que é certo é que foi longo o caminho percorrido. E, quando
agora penso nisso, quase não entendo como tal foi possível ter-me acontecido
porque, se não sou uma "pinga afectos", sou seguramente uma mulher
com alguma doçura e que tem muita dificuldade em conviver com pessoas que se
envergonham de mostrar esse seu lado.
Considero, hoje, depois de tudo o que vivi, que a prática da
ternura também se treina e que se todos fossemos educados nela, possivelmente o
mundo seria um pouco melhor!
HSC
10 comentários:
São precisamente 21:15 de uma quarta-feira qualquer, qualquer não, de uma quarta-feira agitada, e não imagina o quanto me fez bem ler este seu texto. Por vezes dou comigo a pensar que essa coisa de ternura é algo terrível e tem que ser escondida o mais possível. Ninguém se encosta a alguém (encosta no sentido de porto de abrigo) num momento de aflição se essa pessoa for considerada uma pessoa dada a ternuras, não, uma pessoa tem que passar uma imagem de forte, sempre. Cá ternuras. Isso não serve para nada. Cansaço de pessoas sempre fortes. As pessoas sempre fortes revelam demasiadas fragilidades para o meu gosto.
Na vida, não existe nada melhor - mas, nada mesmo- do que dar e receber carinhos e ternuras.
Assim sendo, daqui envio duas mãos cheias de ternura acompanhadas de vários abraços e beijinhos para a minha querida Helena.
Concordo, o mundo ficaria pelo menos mais vivível. A ternura sente-se mas o bom de ela haver é poder transmiti-la aos outros. Não na mira da permuta, apenas para ser expressão nossa neles. A ternura é assim a modos como o líquido neuronal que preenche a fenda sináptica e permite a passagem do influxo nervoso entre neurónios.
Assim sim,estamos em sintonia.Seremos o mel e o melaço.E o que é doce nunca amargou...
Ghost Casper
Acho que de geração para geração as coisas mudam....no meu tempo, nem sequer dávamos um beijo aos pais antes de ir para a cama. Havia a ordem de marcha e todos obedecíamos. Quando tive os meus filhos a minha ternura controlada descontrolou-se. Fui sempre uma mãe de afectos, carinhosa, adorava ter os filhos ao colo, festinhas e mimos. Acho que isso os compensou da frieza do pai, que era incapaz de um abraço ou até dum elogio merecido. Tinha sido educado assim....
O importante não é justificar o erro,
mas impedir que ele se repita !
Che Guevara
Lindo texto e conclusão verdadeira, pena o relevo dado à figura e ás palavras de um sanguinário e opressor de um povo, penso que terá sido para mostrar que até ele tinha sentimentos, mas nestes casos lembro-me sempre de hitler e a sua ternura com os seu gatos.
Teríamos por certo!
Helena,
sempre ouvi dizer que parecia nórdica, numca fui de demonstrar afectos.
Os meus pais em crianças, pediam a bênção aos meus avós, o simples afecto que tinham era este, nada mais.
Quando tiveram filhos, não me lembro de abraços nem de beijos, só o cumprimentar à chegada e saída.
Hoje, vejo a minha mãe a ter uma atitude totalmente diferente com a minha filha, quase que a come com beijos.
Eu, vindo de uma geração onde os afectos não eram demonstrados, sou uma mãe tipo lapa, adoro dar carinho à Rita, e sou retribuída com os mesmos gestos. Com a minha avó faço o mesmo.
Já com os outros, vou aos poucos demonstrando, fui mundando com as circunstâncias da vida...
Dizer/fazer em vida, para não ficar a culpa, o arrependimento de não o ter feito!
Carla
http://youtu.be/IRLpYP4TKfI
Para si, com toda a ternura que
sempre me inspira a sua escrita.
M.Júlia
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