quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Da ternura


Há famílias que têm muita dificuldade em lidar com os afectos. Não por amarem menos, mas porque terão sido educadas numa época em que as manifestações exteriores de ternura eram bastante censuradas e quem as mostrava era olhado com uma certa dose de censura. Sobretudo, entre homens. Ora muitos desses hábitos transmitiram-se de geração em geração, mesmo quando os tempos já haviam mudado muito. 
Sei do que falo. Na família materna havia os "doces" e os "tesos", ou seja, os fracos e os fortes. No lado paterno, idem, mas com predominância destes últimos. Fui educada pelos duros e exigentes, que esperavam sempre de mim que os não defraudasse. Guardava, assim, bem escondido, um lado que só me poderia trazer dissabores. 
Depois cruzei-me com gente forte ou, dito de outra forma, com gente que fazia das fragilidades senão um tabu, pelo menos, algo que não merecia especial respeito. Foi durante este período que desenvolvi o que chamo do meu lado germânico... Pela graça divina, por muito esforço meu e por grandes lições que a vida me deu, ele havia de ficar confinado ao campo profissional.
Andaria pelos vinte e poucos, quando alguém - o Padre Abel Varzim, então meu director espiritual - chamou a minha atenção para a importância das ditas manifestações de afecto. Hoje pode parecer ridículo - e naturalmente até seria -, uma tal circunstância, quando impera a liberdade nesse campo. 
Mas o que é certo é que foi longo o caminho percorrido. E, quando agora penso nisso, quase não entendo como tal foi possível ter-me acontecido porque, se não sou uma "pinga afectos", sou seguramente uma mulher com alguma doçura e que tem muita dificuldade em conviver com pessoas que se envergonham de mostrar esse seu lado.
Considero, hoje, depois de tudo o que vivi, que a prática da ternura também se treina e que se todos fossemos educados nela, possivelmente o mundo seria um pouco melhor!


HSC

10 comentários:

maria disse...

São precisamente 21:15 de uma quarta-feira qualquer, qualquer não, de uma quarta-feira agitada, e não imagina o quanto me fez bem ler este seu texto. Por vezes dou comigo a pensar que essa coisa de ternura é algo terrível e tem que ser escondida o mais possível. Ninguém se encosta a alguém (encosta no sentido de porto de abrigo) num momento de aflição se essa pessoa for considerada uma pessoa dada a ternuras, não, uma pessoa tem que passar uma imagem de forte, sempre. Cá ternuras. Isso não serve para nada. Cansaço de pessoas sempre fortes. As pessoas sempre fortes revelam demasiadas fragilidades para o meu gosto.

TERESA PERALTA disse...

Na vida, não existe nada melhor - mas, nada mesmo- do que dar e receber carinhos e ternuras.
Assim sendo, daqui envio duas mãos cheias de ternura acompanhadas de vários abraços e beijinhos para a minha querida Helena.

bea disse...

Concordo, o mundo ficaria pelo menos mais vivível. A ternura sente-se mas o bom de ela haver é poder transmiti-la aos outros. Não na mira da permuta, apenas para ser expressão nossa neles. A ternura é assim a modos como o líquido neuronal que preenche a fenda sináptica e permite a passagem do influxo nervoso entre neurónios.

Anónimo disse...

Assim sim,estamos em sintonia.Seremos o mel e o melaço.E o que é doce nunca amargou...


Ghost Casper

Virginia disse...

Acho que de geração para geração as coisas mudam....no meu tempo, nem sequer dávamos um beijo aos pais antes de ir para a cama. Havia a ordem de marcha e todos obedecíamos. Quando tive os meus filhos a minha ternura controlada descontrolou-se. Fui sempre uma mãe de afectos, carinhosa, adorava ter os filhos ao colo, festinhas e mimos. Acho que isso os compensou da frieza do pai, que era incapaz de um abraço ou até dum elogio merecido. Tinha sido educado assim....

CS disse...


O importante não é justificar o erro,
mas impedir que ele se repita !

Che Guevara

Anónimo disse...

Lindo texto e conclusão verdadeira, pena o relevo dado à figura e ás palavras de um sanguinário e opressor de um povo, penso que terá sido para mostrar que até ele tinha sentimentos, mas nestes casos lembro-me sempre de hitler e a sua ternura com os seu gatos.

Anónimo disse...

Teríamos por certo!

Anónimo disse...


Helena,
sempre ouvi dizer que parecia nórdica, numca fui de demonstrar afectos.
Os meus pais em crianças, pediam a bênção aos meus avós, o simples afecto que tinham era este, nada mais.
Quando tiveram filhos, não me lembro de abraços nem de beijos, só o cumprimentar à chegada e saída.
Hoje, vejo a minha mãe a ter uma atitude totalmente diferente com a minha filha, quase que a come com beijos.
Eu, vindo de uma geração onde os afectos não eram demonstrados, sou uma mãe tipo lapa, adoro dar carinho à Rita, e sou retribuída com os mesmos gestos. Com a minha avó faço o mesmo.
Já com os outros, vou aos poucos demonstrando, fui mundando com as circunstâncias da vida...
Dizer/fazer em vida, para não ficar a culpa, o arrependimento de não o ter feito!

Carla

M,Franco disse...

http://youtu.be/IRLpYP4TKfI

Para si, com toda a ternura que
sempre me inspira a sua escrita.
M.Júlia