Há quem passe pelas casas em que
viveu e quase se não lembre delas. Talvez porque as escolheram como um mal
menor, porque não foram opções próprias ou até porque apenas as utilizaram como
quarto e não têm qualquer consciência do que existe para além dele.
Ao invés há quem nutra uma
verdadeira paixão pelo local em que vive e nem se imagine a habitar um qualquer
outro lugar. No meio há os que se lembram de umas, mas se esqueçam das outras.
Pertenço a uma categoria estranha
de definir. Com efeito, ao longo da minha vida conheci cinco casas. Mas só uma é
que foi e é propriedade minha. Assim vivi na dos meus pais, na dos meus avós, na
minha enquanto não tive filhos, na minha já com filhos e na minha, de novo já
sem os filhos. É esta que possuo e na qual resido há cerca de trinta anos.
A todas me ligam profundas
recordações e em todas ficaram bocados de mim. Nesta última que é, sem dúvida,
uma casa agradável, pensei durante muito tempo, acabar os meus dias. Nela vivi
os momentos mais emocionantes e felizes e nela também vivi a maior tristeza
que é, sem dúvida, a perda de um filho.
Curiosamente, é dela que, hoje,
quero sair. Só muito recentemente percebi porquê. Nela amei profundamente e
nela chorei as mais amargas lágrimas que a morte de um filho pode arrastar. Mas
a pandemia provocou em mim grandes alterações de objetivos e formas de vida.
Talvez por isso, aos poucos, tudo
o que ela representava se foi transformando. E, de repente, um dia, tomei
consciência que esta casa tão desejada, tinha começado a tornar-se pesada. De início
eram apenas sintomas que se manifestavam por nem sempre ter flores a alegrá-la,
ter ido progressivamente retirando para a arrumação bibelôs que sempre me
acompanharam, ter feito desaparecer certas fotos, enfim, um conjunto de atitudes
que me alertaram para um fato: eu tinha deixado de gostar viver aqui.
A partir de então, o meu desejo é
passar a residir num T3 num local calmo, sem subidas nem descidas e, se possivel,
com vista para o mar. E não quero mais ser proprietária de uma casa. Quero ser
arrendatária.
E esta, hei-de vendê-la porque
aqui estão as poupanças de uma vida. As viagens que não fiz. Os vestidos que
não comprei. Os concertos a que não assisti. Enfim, todos os prazeres de que me
privei para a ter. E fugirei da Lapa, claro!
12 comentários:
Quando a casa tem demasiadas memórias, se calhar o melhor mesmo é procurar novas memórias.
Que exemplo de vida! Parar é morrer!Que consiga realizar tudo isso!
Hoje porque sim fiquei emocionada ao ler o seu texto. Lembrei me de ir ouvir um CD do quinteto de Lisboa e a facha A Casa Só porque sim
Concordo e só nos apercebemos com o avançar da idade. Temos que aproveitar cada segundo da vida, pois na vida não há retorno apenas recordações.
(foi o que eu fiz há 6 anos, vendi a moradia e aluguei um T2 com vistas para o Atlântico).
Li e reli o seu texto e fiquei tão sensibilizada.Eu vivo
na minha há 50 anos,Não filhos e os sobrinhos estão na
Irlanda e quando eu e o meu marido morrer também não a virão
habitar.Quem sabe se eu devia fazer o mesmo, só que a minha
não terá o valor monetário da sua, porque é fora de Lisboa.
Os meus cumprimentos.
Irene Alves
HSC, já não sou tão assídua qt antes, e desde que a minha irmã partiu ,no Agosto passado, acho que é a primeira vez que aqui regresso…
Na minha racionalidade há qq coisa que não entendo, diz a HSC: … na minha enquanto não tive filhos, na minha já com filhos e na minha, de novo já sem os filhos. É esta que possuo e na qual resido há cerca de trinta anos”.
Óbvio que pode ter tido outra ( sem filhos), outra com filhos e ainda outra que será esta. Ou será a mesma sem, a mesma de agora? Diz que são 30 anos, mas matematicamente estes anos são muito menos do que o seu filho tem!
Será que estou a ver mal a cronologia?
Que encontre as vistas para o mar que tanto deseja, mas quase lhe garanto que vai ter saudades de viver num sítio onde toda gente a conhece e verdadeiramente a estima. Boa sorte na venda e na compra!
Campo de Ourique?
Querida Helena. Há muito que queria escrever-lhe. Tenho um poema que gostaria de lhe oferecer e uma história de Amor para lhe contar. Caso aceite, por favor diga qual a melhor forma de o fazer. Grande abraço
Fátima Gavinho Rodrigues
Cara Dalma
Em primeiro lugar um abraço pelo motivo que ditou a sua ausência desta casa.
Ri-me bastante com o seu pragmatismo.
Acontece que os meus filhos vivem sozinhos desde muito cedo. O Miguel casou quando fez 18 anos e teve que esperar por essa maioridade, porque aos 17 eu não autorizei o casamento. Hoje se fosse vivo tinha 64 anos.
O Paulo vive sozinho desde os 18 anos porque começou a trabalhar com 15 no jornal O Tempo e vai fazer 60 anos. Como vê há 30 anos eu nem netos tinha...
Cara Fátima escreva para
hsacaduracabral@gmail.com
É a melhor forma de me contactar.
Quem me dera ter dinheiro para alugar uma casa com vista para o mar...
🌷
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