Jesus é um homem periférico e os católicos têm de abraçar as periferias:
Nona meditação do P.
Tolentino Mendonça ao papa (síntese)
A periferia está na identidade cristã mais profunda e é um horizonte no qual a Igreja deve redescobrir-se, sublinhou na tarde desta quinta-feira o P. José Tolentino Mendonça.
O sacerdote português intervinha nestes
termos naquela que foi a nona e penúltima meditação apresentada ao papa
Francisco e membros da Cúria Romana que participam nos exercícios espirituais
da Quaresma, que decorrem desde domingo até amanhã em Ariccia, próximo do
Vaticano.
«Onde está o nosso irmão?» A pergunta de
Deus no livro do Génesis inspirou a reflexão do biblista, dedicada a «escutar a
sede das periferias». O convite do poeta e ensaísta é de «olhar de olhos bem
abertos a realidade do mundo» e procurar o nosso irmão entre os pobres e
últimos do mundo, não separando a «sede espiritual» da «sede literal».
Um dos critérios para perceber o que é o
centro e o que é a periferia do mundo é precisamente o acesso à água, direito
inalienável. Como é realçado na encíclica “Laudato si’” e acentuado por dados
de organizações internacionais, mais de mil milhões de seres humanos não têm a
possibilidade de fruir de água potável.
Trata-se de uma multidão literalmente
sedenta, perante a qual é «urgente adotar uma autêntica conversão dos estilos
de vida e de coração», que «vá em direção contrária à cultura do descarte e da
desigualdade social». Enquanto que os países ricos depauperam os seus recursos,
«os outros vivem no suplício», afirmou o vice-reitor da Universidade Católica.
Jesus, homem periférico
Neste contexto, «a Igreja não deve ter
medo de ser profética e de meter o dedo na chaga», pelo que só pode
confrontar-se com as periferias do mundo. «Um discípulo de Jesus deve sabê-lo
convictamente», antes de mais porque «o próprio Jesus é um homem periférico».
Com efeito, prosseguiu o P. Tolentino
Mendonça, Ele não era cidadão romano nem fazia parte da elite judaica, nasceu
na periferia da Judeia, porsua vez periferia de Israel e do império romano. E é
às periferias que Ele se dirige, dando dignidade aos doentes, pobres,
estrangeiros e pecadores.
«A periferia está no ADN cristão,
aproxima-o do seu contexto originário, mas também do seu programa. É uma chave
indispensável para a sua interpretação espiritual e existencial. Em todas as
épocas permanecerá para a experiência cristã o lugar privilegiado onde
encontrar e reencontrar Jesus», assinalou.
Nas periferias está a vitalidade
do projeto cristão
O próprio cristianismo é, pela sua
natureza, uma «realidade periférica», como se pode constatar pelo facto de os
centros das cidades se terem tornados polos «de atividade burocrática e
comercial», bem como «uma montra do passado» para os turistas.
Ao mesmo tempo, «a vitalidade do projeto
cristão joga-se nas periferias», onde «muitas vezes não há sequer a presença de
uma igreja dentro de paredes e onde tudo é mais precário, rarefeito ou apenas
esboçado», observou. Por isso, para a Igreja a periferia é um horizonte, e não
um problema, e é onde pode sair de si mesma e redescobrir-se.
«A escolha do encontro com as periferias
não é unicamente um imperativo da caridade, é uma mobilização histórica e
geográfica que permite o encontro com aquilo que o cristianismo foi e com
aquilo que é. Mesmo as periferias da Igreja têm sede: de serem escutadas»,
vincou o P. Tolentino Mendonça.
Como advertia S. João Crisóstomo, a Igreja
deve evitar o «terrível cisma» entre «aquilo que separa o sacramento do altar
do sacramento do irmão, aquilo que perigosamente distancia o sacramento da
Eucaristia do sacramento do pobre».
Periferias como lugares da alma
As periferias existenciais não são apenas
económicas, e «sabemos todos como entre nós e quem está ao nosso lado há muitas
vezes distâncias infinitas a abraçar e combater». Por isso a humanidade é para
ser abraçada, e mesmo que não consigamos impedir as lágrima no rosto do
próximo, podemos dar-lhe um lenço e dizer-lhe «estou aqui», «não estás só».
As periferias, com efeito, «não são apenas
lugares físicos, são também pontos internos da nossa existência, são lugares da
alma que precisam de ser pastoreados», salientou.
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