sexta-feira, 13 de junho de 2014

Pedro Santos Guerreiropsg@expresso.impresa.pt
Um dia na vida
Hoje. Ao fundo, um homem sai de um gabinete. O gabinete do chefe. Do ex-chefe. Do ex-chefe que ainda é chefe, ex é ele: ex-empregado. Acaba de ser despedido. É um de um rol de muitos, um nome a mais numa lista, uma fila a menos numa folha de cálculo. Sai calado, pelo espaço aberto, outros olhos viram-se primeiro para ele, depois para baixo. Outro nome é chamado, lá vai ele, o mesmo gabinete, o mesmo destino. Hoje a empresa não é uma empresa, é um matadouro. Morrem empregos. Saiu nas notícias e tudo. É um dia na vida.
A vida já continuará, mas hoje não. “Fui eu? Foram eles? O que fiz de errado? O que farei agora? Como vou dizer? Como vou fazer? Quero um abraço. Não quero ver ninguém. Quero viver. Quero morrer. Merda para isto. Respira fundo. Mas para quê? Rosna. Chora. Põe-te de pé! Desaba… Com esta idade? Com esta idade.”
Todos os dias são um dia na vida. De quem é chamado para sair. De quem não é chamado e fica, às vezes com mais culpa que alívio. Ou mais raiva que tristeza. Fuma-se lá fora, conversa-se lá dentro, recebe-se chamadas aflitas, “não, eu safei-me”. O que se faz aos braços, esmurra-se, cruzam-se? Num jogo de cadeiras, só os que tocam música não estão a jogar. De manhã, a empresa fora sacudida pelo comunicado. Alguns diretores são chamados para a consumação. Outros diretores tiraram férias, fugindo à notícia da razia. Veio o administrador, despedimento coletivo, reestruturação, corte de custos, a crise.
Ontem. Dez de Junho. “Portugueses, este ano de 2014 abre um caminho de esperança. Mas, para ter esperança no futuro, devemos continuar a trabalhar no presente. Não podemos ficar à espera, passivamente, que a situação se altere por si mesma.” Passivamente.
O discurso político é o mesmo desde 2011. É tudo muito difícil, é tudo sem alternativa, é preciso reformas estruturais, é preciso um largo consenso entre partidos e que inclua também os parceiros sociais. Tirando o não-há-alternativa, o discurso fazia sentido em 2011 e faz sentido em 2014 e é isso que não faz sentido nenhum. A devastação económica e social destes três anos tinha de ter tido um propósito de regeneração que não teve. Se tivesse tido, o discurso já seria outro. Isso é o imperdoável. Esse é o falhanço. Se ainda precisamos do que precisávamos ainda estamos como estávamos. Tirando estarmos mais pobres. E mais desiguais. E mais desempregados. “A vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor”.
Todos os dias são um dia na vida de alguém. Hoje foi naquela empresa, ontem foi noutra, e tudo seria compreensível se fizesse parte do ciclo da vida. Faz parte do ciclo da morte. O desemprego de longa duração, o desemprego de jovens e de velhos, a redução dos apoios sociais (flexisegurança sem segurança) não é sentido de justiça nem uma sociedade a funcionar. É uma nação que exclui. Quem perde sai. Às vezes até é notícia. Hoje foi. Um dia de cada vez. Um dia é de vez.
Amanhã?



"I read the news today oh boy
About a lucky man who made the grade
And though the news was rather sad
Well I just had to laugh
I saw the photograph
He blew his mind out in a car
He didn't notice that the lights had changed
A crowd of people stood and stared
They'd seen his face before
Nobody was really sure
If he was from the House of Lords"
A Day in the Life, The Beatles


Para quem não tenha tido a oportunidade de ler, aqui fica um excelente artigo de Pedro Guerreiro e o retrato do que estão a viver alguns amigos meus com os quais me solidarizo inteiramente. 

HSC


4 comentários:

Anónimo disse...

Olá dra Helena!
Que tal os sem trabalho arranjarem uma marionette em Lisboa e actuarem em pontos turísticos?!

http://youtu.be/N-lhtB6K-tM

Kkkkkkkk

Anónimo disse...

Está mesmo muito bom.

Obrigada pela partilha,
Vânia Batista

Sandra disse...

E o desemprego continua...Este texto retrata muito bem o que «sentem na pele» aqueles que são assolados pelo flagelo do desemprego. Coragem para todos eles.

Anónimo disse...

Olá dra,boa noite!
Espero que não leve a mal as minhas tontisses :-)
Há razões que a razão desconheçe,e o humor é a melhor opção.
Este é um assunto grave e muito sério.

As melhoras do seu irmão,ele vai ficar bom,vou acender uma vela como fiz para a sua amiga e vai ver...
E o titio Paulo que descanse mais e stress menos.
E,já agora,beba muita água que está muito calor.
Bye bye!
Kkkkkkkk