quarta-feira, 12 de março de 2014

A fénix do euro

A revista Le Point da última semana de Fevereiro, publica um extenso e interessante artigo sobre Irlanda, o tigre celta dos anos oitenta, cujo crescimento chegou a atingir 7,5%, em média, nos anos noventa e 5,5% entre 2001 e 2007.
Até que em 2008 tudo se afunda com a implosão do Lehman Brothers. Os bens imobiliários perdem metade do seu valor e os bancos nacionais caiem uns atrás dos outros. De seis instituições dessa época, não restam mais do que três, e duas delas são totalmente controladas pelo Estado. A salvação bancária custou aos contribuintes 90.000 milhões de euros, fazendo passar a dívida pública de 25% para mais de 120% do PIB...
Mas não se pense que o país ficou a ferro e fogo. Esse não é o espírito daquele povo. Nem tão pouco  o seu firme liberalismo foi posto em causa. Nada disso.
Para se voltar a erguer, a Irlanda pura e simplesmente reproduziu as receitas que tão bem tinham provado nos últimos trinta anos, em especial a de continuar a criar mais e melhores condições para atrair o investimento estrangeiro. Aliás, no aeroporto de Dublin, o PM Enda Kenny nos ecrãs, "agradece o visitante que venha ajudar à reconstrução do país".
Em nenhuma outra nação do mundo, tanta gente se levanta para ir trabalhar numa empresa estrangeira, explica Dan O' Brien, o economista chefe do maior "think tank" local, o Institute of International and European Affairs.
Ao longo das décadas o país não só recebeu as sedes europeias da Apple, Intel, IBM, Microsoft, Google, Amazon, Twitter, LinkedIn, como uma série de laboratórios farmacêuticos. A tudo isto juntou-se, em 20013, a Huawei, o gigante chinês de telecomunicações e, mais recentemente, a Yahoo! que instalou em Dublin todos os seus serviços europeus.
Os investimentos americanos na Irlanda já superam todos os que foram efectuados nos BRICS (Brasil, Russia, India, China e Africa do Sul). E até Bono, a estrela nacional e cantor dos U2 elogia em Davos, ao lado do Primeiro Ministro, o milagre irlandês...
E em Portugal, como seria, alguma vez, isto possível?! Jamais, claro, porque nós temos as nossas convicções, muito firmes, do modo como a Constituição garante que queremos caminhar para o socialismo. Está à vista!

HSC 

13 comentários:

Luis Filipe Gomes disse...

E quando retirar da constituição essa nefasta palavra, já não falo da convicção que ela poderia traduzir, qual vai ser a desculpa?

Helena Sacadura Cabral disse...

Luis Felipe Gomes não seja tão extremista.O problema não é a palavra. É a imposição dela. O que é bem diferente.
As democracias não têm que ser obrigatoriamente socialistas.
Ou têm?!

Anónimo disse...

'Bora já mudar a Constituição e, automáticamente:
- A nossa língua materna será o Inglês.
- O nosso nível educacional mudará da noite para o dia.
- Passaremos a ser um povo pragmático.
- As nossas elites serão esclarecidas.
- O Abrunhosa irá com o PM a Davos.

Desculpe estar a brincar, mas a simplificação excessiva de problemas complexos, faz-me saír do sério.
Cumprimentos,
Eduardo

António Pedro Pereira disse...

Caríssima Helena:
Permita-me que desta vez discorde radicalmente de si.
Sei que não se ofende com pensamentos contrários aos seus mas não sei discordar sem amavelmente pedir para o fazer.
1.ª - O socialismo é um anacronismo na Constituição mas não passa disso. Dá jeito aos que acreditam na força das palavras mortas, à Esquerda (uma certa Esquerda) a pensar nos «amanhãs que cantam», à Direita (uma certa Direita) a pensar no «tempo volta para trás»
A uns e a outros dá jeito, por razões ideológicas, aos primeiros como (ilusória) trincheira, aos segundos como alibi permanente para a guerra psicológica sobre todos nós.
Mas se a palavra não é operacionalizável há décadas, porquê invocá-la permanentemente como trincheira e como impedimento?
Quanto à Irlanda, estamos de acordo sobre a atitude diferente daquele povo, é feito de outra massa, outra cultura.
Quanto aos investimentos, para além dessas pretensas facilidades, não esquecer os laços históricos com o Tio Sam.
Porque será que países tão ou mais atractivos fiscalmente, a Leste, os ex-comunistas, não tiveram tamanho sucesso com os investimentos americanos?

Helena Sacadura Cabral disse...

António P Pereira
Mas estamos ambos de acordo. Se é inútil e só serve de argumento falacioso a certas direitas e esquerdas, porque se mantém?!
Passaram 40 anos sobre o 25 de Abril que lhe está na base. O mundo mudou e Portugal também.
Não seria melhor que a Constituição reflectisse isso mesmo?
Como sabe, tenho muito pouca tolerância para a partidarite que grassa no país. E acredito pouco que o "socialismo" seja a única via - que a Constituição precisa - para a democracia.
Felizmente a sociedade civil está despertar do torpor e a questionar-se, finalmente, sobre o que é, de facto, esta democracia.

Helena Sacadura Cabral disse...

Eduardo
A "complexidade" dos problemas foi sempre a justificação para que só a elite possa falar deles.
Esse tempo já passou. E se, para chegar aos "outros" for necessário simplificar, então simplifiquemos.
A Irlanda deve fazer-nos pensar. O que lá se passou é diferente do que aqui aconteceu, mas vale a pena ser estudado.

Anónimo disse...

Cara Helena,
Embora ache que tudo é mutável e passivel de revisão, não me parece que a nossa Constituição, longe disso, sirva de entrave para qualquer projecto político, basta ver que este governo de extrema-direita faz e desfaz e pouco ou nada lhe sucede (com o apoio do PR)- de quando, em quando o TC lá vai diminuindo algumas patifarias sociais das suas decisões inqualificáveis. Daí que o problema não está na Constituição, mas tão só na incompetencia deste governo, na ausência de ideias para relançar o país e para o colocar no caminho certo. Não há ali, no governo, ninguém, mas ninguém, com a capacidade inventiva de outros exemplos, como, talvez, a Irlanda - embora esta, como muito bem referiu António Pedro Pereira, conte com o apoio do Tio Sam. Nós, nem com Barroso na Presidência da Comissão Europeia, podemos contar com ele, apesar de ser do mesmo Partido político do nosso inconcebível PM, Passos Coelho.
P.Rufino

Maria disse...

Seria bom que, quando se fala da Irlanda, não esquecessemos que:
1/O investimento na educação deve ser dos mais altos da Europa.
2/ a "diáspora" nos E.U.A., que equivale a mais de 5 vezes a população da Irlanda (várias gerações), tem na no seu país de origem variados interesses.

Anónimo disse...

Concordo totalmente com o seu post. Não o faço sem algum conhecimento de causa, pois já visitei a Irlanda várias vezes.

Apenas algumas achegas:

1. Os motivos do "tombo" irlandês não podem ser comparados com o português. Não sou economista mas parece-me uma verdade incontornável e que faz a diferença.

2. A título de exemplo, na época dos dinheiros da UE (então CEE), na Irlanda não se fez uma única estrada nova. Horas e horas continuam a ser precisas para atravessar a ilha, mas ao invés investiu-se em formação e captação de investimento estrangeiro. No post estão assinalados os exemplos mais típicos.

3. Lá o nível de imoralidade na política é exponencialmente menor do que cá e isso reflecte-se em muita coisa. É todo um outro patamar de cidadania e responsabilização.

4. Os U2 não são só uma banda rock, nem o Bono só o seu vocalista. São uma multinacional (n.º 2 em época de tours, a seguir à Guinness, segundo os últimos dados que li e emprega centenas de pessoas). E ele passeia o "irish pride" (e faz lobi se preciso for) a favor dos interesses irlandeses pelo mundo fora. Quem lhe pode levar a mal?

Cris

Anónimo disse...

Dr.ª Helena

Este seu « post », coerente e respeitável como sempre e, os comentários subsequentes suscitam-me, contudo, uma dúvida angustiante.

Será que a “governança” da Irlanda, após o choque de 2008, se preocupou mais com os seres humanos irlandeses do que impor, custe o que custar, o ideário daqueles lhes emprestaram o dinheiro para se reerguerem?

Quanto à Constituição da República Portuguesa serei mais prudente já que não consigo avaliar até que ponto ela constitui um obstáculo à consolidação da dignidade das pessoas portuguesas.

Atentamente

Rui Carlos

Anónimo disse...

Respondendo ao mail anterior ao meu e tomando a liberdade de o fazer antes de quem de direito.

Claro que na Irlanda se preocuparam mais com as pessoas do que em serem subservientes tout court em relação à Troika. Afinal, aquilo é uma ilha/país que só existe na medida em que é habitada por pessoas! Aqui existe apenas um país abstracto, onde elas não existem para esse efeito!

Cris

Defreitas disse...

Senhora Helena Sacadura Cabral:


Não compreendo bem como se pode assimilar o "socialismo" à democracia , anacrónico ou não, como escreve o Senhor António P.Pereira, pois que o socialismo é um sistema económico, como o capitalismo, e o liberalismo, e não tem nada a ver com a democracia que é um sistema politico, como a ditadura.
Existem ditaduras capitalistas e ditaduras socialistas. Como existem democracias socialistas e democracias socialistas.
E se o socialismo "não é" operacionalizàvel há décadas", o capitalismo é-o em contrapartida, mas em que estado se encontra hoje?
O socialismo propõe a apropriação pública dos meios de produção e a justiça social através duma distribuição mais justa da riqueza produzida.
O capitalismo tem como objectivo exclusivo o aumento de rendimentos e obtenção de lucro, mesmo em detrimento da dignidade do homem.
Perante os desequilíbrios actuais da sociedade parece-me bem que o capitalismo acabará por se auto devorar. E na sua lenta marcha para a desintegração cria o risco de arrastar com ele não somente os valores fundamentais da sociedade, isso já está feito, mas a paz entre os povos.

Defreitas disse...

Quanto à Irlanda, ninguém chamou a atenção para o "dumping" fiscal irlandês que está na base do sucesso da economia irlandesa.
Claro que Dublin adoptou um plano de rigor com cortes orçamentais importantes e aumentos de impostos, mas não tocou na fiscalidade das empresas! Por isso os investimentos estrangeiros continuaram , para o grande proveito dos Irlandeses mas o grande desespero dos parceiros da UE.

Quando as empresas pagam só 12,5% de impostos, comparados aos 27,5% médios da zona Euro, está tudo dito.
No dia em que houver uma harmonização fiscal e acabar a concorrência desleal, veremos!